sábado, 2 de dezembro de 2023

BRASIL É CRUCIAL PARA CONTER CRISE ENTRE VENEZUELA E GUIANA

Editorial O Globo

Em arroubo nacionalista, Maduro convocou plebiscito para reivindicar área petrolífera do país vizinho

Os venezuelanos deverão responder amanhã em plebiscito se a região conhecida como Guiana Essequibo, território da Guiana, deve ser parte da Venezuela. A votação foi convocada pelo ditador Nicolás Maduro na tentativa de legitimar a reivindicação dessa área rica em recursos naturais, sobretudo petróleo. Correspondente a dois terços do país vizinho, ela também faz fronteira com os estados brasileiros de Pará e Roraima. Pela proximidade geográfica e pela posição de liderança regional, o Brasil tem papel crucial a desempenhar, com apoio dos organismos internacionais, para evitar um conflito armado desnecessário na América Latina.

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva despachou para Caracas seu assessor para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, com a missão de manifestar a preocupação do governo brasileiro com a escalada da tensão. Também na semana passada, o chanceler Mauro Vieira reforçou em reunião de países sul-americanos a posição brasileira em favor de solução negociada. Um reforço de 70 homens foi enviado à região fronteiriça numa medida preventiva. O presidente da Guiana, Irfaan Ali, marcou reunião com Lula hoje em Dubai, em que deverá reiterar seu pedido de ajuda para evitar uma agressão venezuelana. É uma boa oportunidade para Lula exercitar a liderança brasileira no continente e aproveitar sua proximidade com Maduro para convencê-lo a recuar.

O PIB da Guiana quadruplicou nos últimos cinco anos em razão da exploração petrolífera em alto-mar. Só neste ano crescerá mais de 38%, pela estimativa do Fundo Monetário Internacional. Isso fez Maduro reavivar uma disputa de 180 anos que estava adormecida desde 1966. Ele afirma que as fronteiras então pactuadas “foram fraudadas pelo colonialismo britânico”. Tenta inflamar o nacionalismo venezuelano para aumentar seu apoio popular e compensar os efeitos políticos da crise econômica crônica. Na reivindicação por Essequibo, obteve respaldo até da líder oposicionista María Corina Machado, que ele próprio tornara inelegível. No clima político criado pelo chavismo, o plebiscito é uma forma de proclamar que tem o povo a seu lado.

É temerário que, em pleno século XXI, haja risco de conflito na América Latina em torno de uma questão que, por princípio, deve ser resolvida por conversas diplomáticas. As divergências entre Venezuela e Guiana estão na Corte Internacional de Justiça, em Haia, não reconhecida pelo regime chavista. Enquanto o caso não é arbitrado, o tribunal decidiu ontem, numa decisão de efeito mais simbólico que prático, que a Venezuela deve evitar qualquer ação que “altere a situação no território em disputa”, pela qual a Guiana “administra e exerce controle da área”, e que ambas as partes devem evitar “agravar ou estender a disputa”.

É preciso evitar conflitos num continente que precisa de paz para crescer e resgatar sua dívida social. Basta lembrar a péssima experiência da Argentina em 1982, quando a ditadura militar, enfraquecida, invadiu as Ilhas Malvinas, possessão do Reino Unido no Atlântico. Restaram 649 argentinos mortos, na maioria jovens. Em 2016, na passagem de Mauricio Macri pela Casa Rosada, os dois países concordaram em retomar os voos regulares entre a Argentina e as ilhas. As lições dadas pelo passado recente deveriam servir de alerta a Maduro sobre o risco dos arroubos nacionalistas.

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