O petróleo está no meio da discussão na Conferência do Clima. Sem a redução do uso das fontes fósseis, descarbonização é uma palavra vã
O centro da contradição da COP é o mesmo do Brasil. O petróleo. Ele é, com licença de Guimarães Rosa, “o diabo na rua no meio do redemoinho”. Por mais que cresçam as outras fontes de energia, sem redução do uso das fontes fósseis, “descarbonização” é uma palavra vã. A COP28 é realizada no coração do carbono. O presidente Lula visitou primeiro a Arábia Saudita, depois fez um ponto correto no discurso de sexta-feira, afirmando que “é preciso trabalhar por uma economia menos dependente de petróleo”. Porém é ele que sonha em extrair óleo na chamada fronteira equatorial. O ministro Alexandre Silveira e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, querem entrar para a Opep, enquanto o Brasil se apresenta como uma grande potência ambiental e diz que vai “liderar pelo exemplo”.
As duas coisas não se reconhecem, não se entendem. Ou petróleo ou descarbonização. Nas transições, quando o novo vai substituir o velho, a dinâmica é conhecida. O velho teima em permanecer no novo. O exemplo claro disso é o que acontece na Opep. Lá eles também falam em descarbonização. Estão investindo bilhões em mudar a energia do processo industrial da prospecção, extração, refino, transporte, exportação de petróleo. Tudo está sendo transformado em energia limpa. Ao fim dessa etapa de transição energética, os países petrolíferos vão usar energia limpa para produzir energia suja.
Uma COP presidida pelo CEO de uma empresa petrolífera é a explicitação mais eloquente desse conflito de interesses. O presidente Lula fez um discurso que a ministra Marina Silva classificou de “potente”. Ela inclusive destacou uma frase. “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”. Marina disse aos jornalistas que “a questão dos combustíveis fósseis está no cerne de tudo o que estamos enfrentando no mundo e o presidente Lula teve a coragem de levantar o tema na discussão que fez na abertura dos trabalhos”.
O presidente está no centro do dilema. Lula possibilitou ao Brasil fazer a travessia entre o negacionismo e a ciência. Voltamos, com ele, ao ponto do qual jamais deveríamos ter nos desviado na mesa de negociação mais decisiva sobre a vida humana no planeta. E com protagonismo. Só que é o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que fala em proibir qualquer nova exploração na Amazônia. Ouvi no governo que o presidente da Colômbia usa a questão do petróleo de forma populista, mas o fato é que ele tem tido a coragem que ainda não se viu no Brasil.
Em Dubai, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao lado da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciou o plano de transformação ecológica. É importante a simbologia de estarem juntos economia e ecologia, no entanto, um ministro que não foi a Dubai me disse que teme que a área econômica acabe tomando atribuições do MMA. Haddad e Marina têm grande afinidade e sincera admiração recíproca. Como será no dia em que não forem os dois os titulares dos ministérios?
É preciso saber exatamente do que está se falando para saber se uma ação é compatível ou não com o sentido das palavras. O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, afirmou no mesmo painel do lançamento do plano de transição ecológica que o BNDES foi o banco que mais financiou energia sustentável. “Da matriz hidrelétrica brasileira, 90% foram financiados pelo BNDES.” O problema é que na história dessa matriz tem, no tempo dos militares, a Usina de Balbina, nos tempos do PT, a usina de Belo Monte. São os casos mais emblemáticos de centrais que provocaram danos ambientais e sociais para serem construídas.
O caso mais bizarro da contradição da semana passada foi o Congresso prorrogar para 2050 o incentivo ao carvão, a pior das fontes de energia. E dependurando o absurdo num PL para a produção de eólica offshore, na chamada “agenda verde”.
Quando alguém quer defender a exploração de petróleo na área conhecida como “Foz do Amazonas” diz que é distante 500km da foz do rio. É mesmo. Mas o termo “margem equatorial” também é enganoso. O que se quer é extrair petróleo no mar que banha a Amazônia.
Belém seria o “centro de despetrolização da fauna”. Agora, a Petrobras vai instalá-lo em outro lugar. Belém será a sede da COP30, que precisa avançar em despetrolizar o mundo. E isso não muito distante do mar que parte do governo quer perfurar.
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