Ao divulgar acusações falsas de terceiros, veículo de imprensa só poderá ser punido se houver má-fé
Foi positiva a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que fixou uma tese para os casos em que veículos de imprensa publicam em entrevistas declarações com acusações falsas. Embora ainda haja dúvida sobre como será interpretada, a tese consagra de forma clara a plena liberdade de informação e expressão, determinando que uma empresa jornalística só pode ser considerada responsável por declarações caluniosas de seus entrevistados se tiver sido deliberadamente negligente na tentativa de apurar os fatos.
A decisão foi tomada depois do caso em que o Diário de Pernambuco foi condenado a pagar indenização por ter publicado entrevista com uma acusação falsa sobre um militante político na ditadura militar. Ao longo do julgamento, os ministros sugeriram várias teses para definir em que condições um veículo deve ser considerado corresponsável por declarações que publica. Descartando ideias que trariam risco à liberdade de expressão ou poderiam inibir o trabalho da imprensa, o STF formou consenso em torno de uma tese que respeita as características intrínsecas do jornalismo.
A tese consensual, que deverá ser aplicada a pelo menos 119 outros casos, reitera a jurisprudência consagrada no Supremo sobre liberdade de expressão. Reafirma que a Constituição proíbe qualquer tipo de censura prévia, mas há possibilidade de responsabilização posterior pela publicação de informações “comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas”. No caso de um entrevistado atribuir falsamente crime a terceiros, o veículo de comunicação só poderá ser considerado responsável se duas condições forem satisfeitas. Primeiro, se na época da publicação havia “indícios concretos” de que a acusação era falsa. Segundo, se ele tiver deixado de “observar o dever de cuidado” ao verificar os fatos.
A principal virtude da tese é contemplar as circunstâncias singulares da atividade jornalística. A imprensa tem o dever de divulgar informações no calor dos acontecimentos e, embora deva ser responsável pelo que publica, não está à prova de erros. Se fatos ou declarações de terceiros depois se revelam equivocados, a única justificativa para punição é ter havido negligência ou má-fé. É esse o espírito da tese.
Há dúvida, contudo, sobre como os tribunais interpretarão as condições impostas para configurar a responsabilidade dos veículos. As expressões “indícios concretos de falsidade” e “dever de cuidado” abrem margem a interpretações subjetivas. Na nota em que elogiou a tese, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) afirma esperar que no acórdão do julgamento “tais dúvidas sejam dirimidas, bem como outras situações” como entrevistas ao vivo.
Outra questão a resolver é a menção na tese à possibilidade de remoção de conteúdo de sites jornalísticos julgados culpados de violações. Embora possa haver casos extremos em que essa punição seja adequada, ela deve ser compreendida como último recurso, quando os demais remédios legais — como direito de resposta ou indenização — não estiverem disponíveis.
Apesar dessas ressalvas, é fundamental reconhecer o papel do Supremo na preservação das liberdades de informação e expressão, cruciais para a saúde de qualquer democracia. A postura dos ministros diante do tema não deixa dúvida de que continuarão a zelar por elas nos esclarecimentos que deverão constar do acórdão, cuja redação está a cargo do ministro Edson Fachin.
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