O país dá sinais de que as energias limpas que estão sendo incentivadas não conseguem, por desejo do Legislativo e/ou do Executivo, se emancipar dos combustíveis fósseis, subsidiados
Projetos que ampliam ou criam fontes de energias renováveis entram de um jeito e saem de outro do Congresso - o novo é aprovado mantendo a sobrevida de velhas energias poluentes, exatamente as que se quer substituir. O projeto de lei que regulamenta a exploração de energia eólica em alto mar é o mais recente exemplo disso. Emergiu da votação da Câmara com um adendo que nada tem a ver com seu objeto, garantindo a manutenção das térmicas a carvão até 2050 com garantia de preço, cujos contratos estão em vias de extinção ou expirariam em 2028. Os “jabutis” do setor de energia criaram seu próprio sistema interligado: a obrigatoriedade de construção de térmicas a gás nos locais onde não há gás e de PCHs, inseridas na privatização da Eletrobras, foram pousar, modificadas, no PL 11247-18, que agora retorna à Câmara dos Deputados.
Um pouco antes, a oposição de entidades do setor elétrico conteve no nascedouro a gestação de uma MP que concederia mais 36 meses às usinas que deveriam produzir energia renovável com direito a subsídio de 50% nas tarifas de transmissão e distribuição, mas que até agora não têm acesso ao sistema. A benesse custaria R$ 6 bilhões e iria, como é praxe no setor elétrico, para a conta dos consumidores. Uma usina de subsídios aumentou a conta de desenvolvimento energético (CDE) a R$ 30 bilhões até novembro. E, pela forma distorcida com que o sistema opera, quanto mais sobra energia, mais cara ela se torna.
As energias renováveis, que ampliaram sua fatia rapidamente, são parte da solução, mas também do problema. O anúncio do fim do prazo para inscrição de usinas com direito a subsídios levou a 3.987 outorgas, que, em operação, elevariam o estoque das renováveis a 169,4 gigawatts (GW), nada menos que 80% da capacidade instalada do país, de 211,7 GW. “Não pode colocar mais energia do que é consumido porque vai dar problema”, avisou o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (ONS), Carlos Ciocchi, que tem barrado o acesso das usinas às redes. “Lá atrás, o agente ficava ‘sentado na cachoeira’, marcando o local para receber a usina. É como quem compra ingresso antecipado de um show para vender mais caro lá na frente. Por isso, tem que ter critério, não dá para aprovar projeto que só existe no ‘power point”, disse ao Valor (27 de novembro).
Ao mesmo tempo, pressões sobre deputados e governo conseguiram contornar a aprovação de mais uma barragem de subsídios que adviriam do projeto 2308/23, que incluiu o hidrogênio verde na matriz elétrica nacional, aprovado pela Câmara em 29 de novembro sem os enormes incentivos pretendidos. Em simulação, se 100 MW de energia eólica fossem destinados à produção do novo combustível, o desconto no uso da rede de transmissão chegaria a R$ 35 bilhões (Edvaldo Santana, Valor, 23 de novembro), praticamente dobrando a conta que hoje é paga pelos consumidores.
Uma conjunção de fatores tornou o mercado de energia sobreofertado. Além das chuvas abundantes, que encheram os reservatórios, a oferta está crescendo a um ritmo que é o triplo da demanda e quase todo o investimento nas energias renováveis é feito por empresas privadas. Isso derrubou os preços no mercado livre, por enquanto um clube fechado e reservado a poucos. Em 27 de julho, por exemplo, as distribuidoras compravam energia a R$ 270 o MW, enquanto a mesma energia valia R$ 60 o MW no mercado livre. Na conta do consumidor, o preço triplicava, considerando-se todos os subsídios e penduricalhos adicionados.
O problema do projeto que regulamenta a exploração da energia eólica offshore não está na energia em si, mas nos jabutis, apesar de, no atual quadro de suprimento, ela não ser necessária até 2045, calcula Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel e colunista do Valor. Com o baixo interesse nos 8.000 MW em térmicas a gás (em locais sem gás), eles migraram para o PL das eólicas. A fatia das PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) subiu a 4,9 mil MW, a um custo estimado de R$ 8,6 bilhões (Folha de São Paulo, 30 de novembro). Térmicas com oferta de 4,25 mil MW foram mantidas, com separação entre obras e fornecimento de gás, a um custo de R$ 16 bilhões anuais, quando entrarem em operação, por 15 anos. A aprovação do projeto incluiu ainda a permanência de mercado cativo para as 21 térmicas a carvão, que hoje custam R$ 1 bilhão por ano. Elas terão sobrevida garantida até 2050, o ano em que a maioria dos países participantes do Acordo de Paris promete zerar as emissões de carbono.
O país dá sinais de que as energias limpas que estão sendo incentivadas não conseguem, por desejo do Legislativo e/ou do Executivo, se emancipar dos combustíveis fósseis, subsidiados. Também preocupante é o fato de que o Congresso ter aprovado projetos ruins como esses por folgada maioria (no caso do PL 11247, por 403 a 18). Os planos do Executivo para explorar a Margem Equatorial do Amazonas merecem mais discussões sobre as ressalvas para que não indiquem ainda mais contradições entre ações e discurso em um governo que pretende ter papel de primeira linha no combate ao aquecimento global.
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