Emissoras e jornais serão corresponsáveis caso um candidato decida lançar um dossiê falso contra seu rival ao vivo num debate?
O Supremo Tribunal Federal está na berlinda. O apoio, evidenciado em pesquisas, a medidas que visem a reduzir o poder da Corte, como a recentemente aprovada pelo Senado, mostra que, com ou sem razão, grande parcela da sociedade assiste com desconfiança ao protagonismo cada vez maior dos magistrados na decisão de grandes temas nacionais.
Os ministros se sentem injustiçados, dado o papel que tiveram ao assegurar direitos fundamentais na pandemia e a preservação do tecido institucional e da própria democracia diante dos avanços autoritários do governo de Jair Bolsonaro.
Mas grande parte da má vontade com o Judiciário, seja nos demais Poderes, seja em fatias consideráveis da opinião pública, vem de sua instância máxima, composta de 11 ministros, por vezes mudar seu entendimento a respeito de temas cruciais para a vida do país, sem que fiquem claras todas as implicações, aplicando a eles altas doses de subjetivismo.
A decisão desta semana — que garantiu repercussão geral a um julgamento específico envolvendo a publicação de uma entrevista nos anos 1990 — é um desses casos em que a imprensa, suas entidades representativas, juristas, ex-ministros do próprio STF e advogados constitucionalistas se põem a discutir, sem consenso, as consequências de um julgamento. Sinal de que alguma coisa não está clara, para dizer o mínimo.
Quando o próprio Supremo decidiu sobre a liberdade de imprensa, varrendo para a lata de lixo da História instrumentos de cerceamento desse pilar da democracia usados na ditadura, não houve dúvida quanto ao caráter histórico daquela decisão.
Agora, a Corte, numa decisão confusa, altamente remendada por várias mãos, que ainda terá de ser “ajeitada” no acórdão pelo ministro Edson Fachin, tratou de jogar um manto de incerteza sobre a mesma liberdade de imprensa ao dizer que veículos podem ser corresponsabilizados por crimes atribuídos a terceiros por entrevistados desde que se comprove dolo e em outras circunstâncias, todas passíveis de interpretação por parte dos próprios juízes.
Além de obrigar os jornais a um serviço de checagem exaustivo de entrevistas, a decisão esquece circunstâncias óbvias, cotidianas à atividade jornalística, como a realização de entrevistas ao vivo ou debates promovidos por veículos de comunicação numa eleição. Emissoras e jornais serão corresponsáveis caso um candidato decida lançar um dossiê falso contra seu rival ao vivo num debate? Seria responsabilidade do jornalista comprovar se Roberto Jefferson agiu com dolo ao dizer que preveniu Lula a respeito do mensalão? Como checar uma informação como essa?
Na dúvida, será comum, caso essa decisão passe a vigorar, cortar os trechos polêmicos de entrevista ou deixar de convidar para falar personagens que já tenham sido pegos na mentira anteriormente. Isso pode incluir o ex-presidente Jair Bolsonaro, que chegou a negar que tenha dito que era “imbrochável” num palanque, algo televisionado e documentado. Sim, nesse caso ele não cometeu crime contra ninguém, mas, se mente sobre isso, por que não mentiria para prejudicar alguém? A tendência dos veículos será praticar autocensura prévia para não correr o risco de uma condenação judicial.
É muito ruim que algo tão fundamental ao funcionamento da democracia como a imprensa fique sob o temor de uma responsabilização que não se sabe de onde pode vir, por algo que não praticou.
O “confie em nós que vai dar tudo certo” com que os ministros reagiram às críticas não serve quando se vê que o próprio STF muda seu entendimento a respeito de temas fulcrais ao sabor da circunstância política ou da composição de turno, como mostram casos clássicos, a começar da possibilidade de cumprimento de pena antes do trânsito final em julgado.
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