sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

PIB EM QUEDA LEVE PODE NÃO REPRESENTAR RECESSÃO

Claudia Safatle, Valor Econômico

Possível revisão de ajustes sazonais pode fazer resultado ligeiramente negativo desaparecer

O Produto Interno Bruto no terceiro trimestre deverá ser levemente negativo, cerca de -0,1%, pressionado pela performance do setor agropecuário que está em período de entressafra. Mas isso não deverá se caracterizar, necessariamente, uma recessão porque sempre acontece revisão de ajustes sazonais e, nela, o negativo, que é bem pequeno, pode desaparecer. Essa é a visão de Silvia Matos, economista responsável pelo Boletim Macro do FGV Ibre, para quem a retração do último trimestre do ano será da ordem de -0,4%, o que representará, no ano de 2023, um crescimento de 2,7%. Mas o país pode vir a ter, sim, uma recessão técnica, que significa dois trimestres seguidos de PIB negativo, dependendo do resultado da revisão.

Para o próximo ano a expectativa é de um modesto crescimento de 1,2%, com uma quebra de safra prevista para a soja, por causa da falta de chuva. Hoje a soja representa cerca de 46% da produção agrícola e este setor corresponde à principal sustentação do PIB. É possível ter um primeiro trimestre negativo dependendo do tamanho da quebra da safra de soja, o que, mais uma vez, traz o risco de recessão.

O último trimestre está bem mais fraco por causa do mercado de trabalho, em que os salários crescem, mas crescem pouco, e as transferências de renda, que tiveram um “megaboom” no ano passado, quando o governo aumentou o valor do auxílio para R$ 600, com um impacto sobre a atividade econômica que não se repete. A renda continua crescendo, mas em um ritmo bem menor. E, no terceiro trimestre, teve, também, a subtração de cerca de R$ 60 bilhões que o governo vinha irrigando a economia, com a antecipação do 13º dos aposentados e pensionistas. Neste ano, não houve tal antecipação.

Estão todos os setores, comércio de bens duráveis e não duráveis, os serviços e a indústria, reclamando da retração da demanda. A deflação, que agora está virando inflação dos alimentos, tira poder de compra das famílias. O crédito, que poderia amenizar essa situação, continua caro.

“Mas, se a demanda estivesse forte no segundo semestre, talvez a inflação de bens e serviços não estivesse tão acomodada”, salienta a economista.

Os bancos estão usando o Desenrola, programa de renegociação de dívidas, para reduzir a inadimplência, mas não estão concedendo crédito novo.

Ou seja, “as condições financeiras continuam apertadas”, ressaltou Silvia Matos.

“O crédito está caro, os juros, apesar da queda da taxa Selic, ainda estão altos” disse ela. Muito do bom comportamento da atividade no primeiro semestre decorreu do choque de oferta do setor rural, que ajudou no controle da inflação de alimentos. A agropecuária, que sustentou o PIB neste ano, está sob risco em 2024, de quebra da safra por questões climáticas.

Para Sílvia Matos, faz sentido a desaceleração da economia porque o processo de aperto monetário permanece, mesmo com a queda dos juros. E é graças ao aperto monetário que se pode celebrar o controle da inflação.

A expansão dos investimentos está fraca e é a maior vítima disso tudo. Nota-se uma queda forte na absorção de máquinas e equipamentos em relação ao ano passado e os investimentos devem encerrar o ano no terreno negativo, algo em torno de -1,3 %.

A demanda externa da indústria também arrefeceu, pois tem a ver com o processamento do complexo da soja, seja o óleo de soja, seja o farelo, e das carnes, que faz com que o segundo semestre tenha a sazonalidade da agropecuária.

É curioso observar o quão diferente é o PIB deste ano se comparado ao do ano passado, quando o crescimento foi de 2.9% (em 2022) e deverá ser de cerca de 2,7% este ano.

Silvia Matos fez a decomposição do Produto Interno em setores exógenos à política monetária (sobretudo a agropecuária, a indústria extrativa e os serviços públicos) e os setores cíclicos, que são afetados pela política monetária, e aí “ o PIB deste ano é completamente diferente do PIB do ano passado”, confirmou ela.

Em 2022, apesar do processo de aumento da taxa de juros, as atividades cíclicas tiveram performances bem positivas. Dos 2,9% de crescimento do PIB, 2,7% corresponderam aos setores das atividades cíclicas. A agropecuária foi ruim e a indústria extrativa teve queda de 0,2%. Neste ano 1,6% do crescimento estimado de 2,7% vem da parte exógena e não foi só o agronegócios que se sobressaiu, mas o segmento da indústria extrativa deve crescer cerca de 6,5%, que envolve toda a cadeia de petróleo e o minério de ferro.

Nem tudo é notícia ruim na atividade econômica. Os indicadores de produtividade da construção civil e da agropecuária cresceram, dando um gás para a produtividade, que deve balizar os aumentos de salários. A construção está comprando máquinas e equipamentos para obras de infraestrutura.

Fica uma pergunta que é fonte de preocupação. Será que o governo Lula vai tolerar a performance negativa da atividade econômica ou vai querer intervir, com a política fiscal, para tentar amenizar os efeitos da desaceleração? Se tentar intervir para contrabalançar esses efeitos, deverá colher mais inflação.

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