Ex-secretário de Estado dos EUA apoiou golpes, mandou bombardear civis e foi cúmplice de genocídios
O secretário deu aval à invasão do Timor Leste pela Indonésia, em 1975. “Façam rapidamente o que tiverem que fazer”, disse ao ditador Suharto. O banho de sangue deixou cerca de 200 mil mortos. Dias antes, Kissinger pousou em Jacarta e expressou uma única preocupação: que os investimentos das multinacionais americanas não fossem “desencorajados”.
Em 2001, Hitchens lançou “O julgamento de Kissinger”. O livro empilha acusações contra um dos homens mais poderosos do século XX. Reúne provas do apoio a golpes e ditaduras, da cumplicidade com genocídios, das ordens para bombardear civis inocentes. Tudo em nome da liberdade e da segurança nacional.
Kissinger deu as cartas em Washington entre 1969 e 1977. Comandou a política externa dos governos Nixon e Ford. Foi um período marcado pela Guerra Fria e pela afirmação da hegemonia americana.
Nixon ainda não havia tomado posse quando seu futuro secretário sabotou um armistício com o Vietnã. O conflito poderia ter acabado em 1968. Os EUA prolongaram sua presença até 1973, o que resultou na morte de mais 20 mil soldados. Os números são modestos diante das baixas do outro lado. Só no Camboja, ataques ordenados por Kissinger mataram ao menos 150 mil civis. Antes da retirada final, ele reforçou a ofensiva para turbinar a campanha do chefe à reeleição.
O secretário deu aval à invasão do Timor-Leste pela Indonésia, em 1975. “Façam rapidamente o que tiverem que fazer”, disse ao ditador Suharto. O banho de sangue deixou cerca de 200 mil mortos. Dias antes, Kissinger pousou em Jacarta e expressou uma única preocupação: que os investimentos das multinacionais americanas não fossem “desencorajados”.
O chamado pragmatismo de Kissinger também abriu caminho a um golpe em Bangladesh. Ele ofereceu armas e enviou um porta-aviões para ajudar o general Yahya Khan a reprimir os bengali. Seguiu-se um massacre com ao menos 500 mil vítimas. O episódio levou diplomatas americanos a redigirem um telegrama de protesto, ignorado pelo secretário de Estado.
Na América Latina, Kissinger ajudou a articular a derrubada de governos democraticamente eleitos. “Não vejo por que precisamos ficar parados vendo um país se tornar comunista pela irresponsabilidade de seu povo”, sentenciou, quando o socialista Allende venceu no Chile. Seu apoio ao golpe de Pinochet está documentado em papéis liberados décadas depois pela Casa Branca. O secretário também deu cobertura à repressão militar na Argentina e no Brasil. Em 1978, já fora do cargo, foi a Buenos Aires assistir à Copa do Mundo ao lado do general Videla.
Com tantos crimes nas costas, Kissinger foi premiado com o Nobel da Paz em 1973. Saiu do governo, mas nunca deixou o poder. Abriu uma consultoria milionária, continuou a ser bajulado por empresários e virou uma espécie de conselheiro vitalício dos presidentes americanos.
Em 2001, começou a receber intimações para depor sobre desaparecimentos políticos na Argentina e no Chile. No livro lançado naquele ano, Hitchens anotou que seus principais “parceiros de crime” já haviam sido presos ou aguardavam julgamento. “Sua impunidade soa indecente e cheira mal à distância”, escreveu, após descrever Kissinger como uma figura “indiferente à vida e aos direitos humanos”.
Apesar dos protestos, o ex-secretário seguiu livre, leve e solto. Hitchens morreu aos 62 anos, sem escrever o obituário que planejava. Kissinger viveu até os 100, cortejado como um estadista.
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