domingo, 14 de janeiro de 2024

SEGURANÇA LOTEADA

Elio Gaspari, Folha de S.Paulo

Confiança é uma coisa, competência é outra, e prevalece massagem dos egos na mudança de Dino para Lewandowski

Ricardo Lewandowski assumirá um Ministério da Justiça transformado em algo parecido com a mal falada Codevasf. Pela primeira vez na história dessa pasta ocupada por Diogo Feijó (1831-1832), por Bernardo Pereira de Vasconcelos (1837-1839) e Tancredo Neves (1953-1954) discutiu-se o preenchimento de cargos no seu segundo escalão a partir de critérios partidários ou regionais.

O PT quer cadeiras ocupadas pelo PSB e seria desmontada a "República do Maranhão" criada por Flávio Dino. Nenhum dos prováveis degolados foi classificado como incompetente e nenhum dos prováveis sucessores é louvado pela competência em questões de segurança pública. Trata-se apenas de discutir a filiação partidária ou a origem regional. Pior: prevalece nas aspirações a massagem dos egos de candidatos interessados em melhorar seus contatos e polir seus currículos.

Na campanha eleitoral, quando o tema da segurança pública teve a importância que merecia, Lula prometeu dividir o ministério. Na cadeira, atendeu às ponderações de Flávio Dino e Lewandowski, desistindo da ideia.

Enquanto isso, o Brasil vive numa tempestade perfeita. O crime organizado cresceu e tem 53 quadrilhas. Na outra ponta, aumentou a letalidade policial sobre os pobres inclusive em áreas governadas pelo PT.

Como o Ministério da Justiça tem a maior quantidade de advogados por metro quadrado, o problema da segurança pública é enfrentado com planos e regras que servem para nada. A passagem de Flávio Dino pela pasta confirmou essa anomalia.

Lewandowski anunciou que o combate ao crime organizado será a prioridade de sua gestão. O que ele fará com essa prioridade, só Oxalá sabe. É de justiça reconhecer que o comando da Polícia Federal ficou fora do loteamento. Seu atual diretor, Andrei Rodrigues, deverá continuar no cargo.

Lewandowski quer preencher os cargos de confiança com pessoas da sua confiança. É uma ideia que conforta o ministro, mas tem pouca serventia. Confiança é uma coisa, competência é outra.

A segurança pública dos Estados Unidos deveu a J. Edgar Hoover a criação do Federal Bureau of Investigation. Ele ficou no cargo de 1935 até sua morte, em 1972. Sujeito detestável, passou por seis presidentes. Pelo menos três não confiavam nele. Robert Kennedy, seu superior hierárquico, achava que era maluco. Lyndon Johnson manteve-o no cargo com uma explicação simples: "É melhor tê-lo urinando para fora do que tê-lo urinando para dentro".

Implacável com inimigos e bandidos, Hoover era um competente puxa-saco. Vizinho de Johnson por cerca de 20 anos, deu-lhe de presente um cachorrinho e, quando o bicho morreu, mandou-lhe outro.

Hoover trabalhou em duas direções. Organizou uma polícia federal técnica, disciplinada e praticamente incorruptível. Além disso, federalizou crimes que eram tolerados nas jurisdições estaduais. Policiais e juízes corruptos temiam seus agentes.

Os sistemas não se comunicam

Vários especialistas em segurança pública queixam-se porque os diversos bancos de dados não se comunicam. Antes de comprar novos equipamentos, seria boa ideia chamar quem comprou as traquitanas atuais. O fornecedor sabia que seu sistema não falaria com o outro.

Guarda Nacional

Pelo andar da carruagem, há uma pequena possibilidade de que reapareça a ideia de se criar uma nova repartição policial. Seria a criação de uma Guarda Nacional. Depois do 8 janeiro de 2023, essa ideia circulou no comissariado petista e, aos poucos, foi esquecida.

A quem interessar possa:

As instituições militares detestam a Guarda Nacional desde o fim do século 19. No início de novembro de 1889, falava-se na transferência de batalhões sediados no Rio e no fortalecimento da Guarda. Na noite do dia 14 começou um levante e no dia 15 estava proclamada a República.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e acredita ter percebido um padrão na defesa da moralidade pública e na sua vulnerabilidade.

De uma maneira geral, o cidadão começa a delinquir no ano Zero. No ano Um, o doutor é exposto, mas nega os malfeitos. No ano Dois, ele começa a ser investigado. No ano Cinco, se a culpa é estabelecida, ele é condenado e vai para a cadeia, condenado a duras penas. Na pior das hipóteses, por volta do ano Dez é libertado por algum benefício, revisão ou indulto.

Livre, caso ele circule no andar de cima e disponha de bons advogados, no ano Quinze consegue na Justiça a anulação das penas a que foi condenado por motivos que nada têm a ver com a essência das malfeitorias.

As denúncias de irregularidades em quatro ministérios de hoje estão no ano Um.

Esse padrão só vale para o andar de cima, no de baixo a vítima fica na cadeia mesmo sem culpa formada.

Madame Natasha com Eremildo

Madame Natasha tem horror a Eremildo porque ele é um cretino confesso, mas associou-se a ele e concedeu uma de suas bolsas de estudo ao secretário-geral da Presidência, Márcio Macêdo, que atribuiu a um "erro formal" a viagem de três de seus assessores para festas em Sergipe, com passagens e diárias pagas pela Viúva.

Nas suas palavras: "Houve um erro formal do meu gabinete, erro de procedimento, e isso nunca mais se repetirá.

"Natasha acredita que o doutor falou demais. Não precisava enfiar o "formal" na confissão. O erro seria formal se a trinca tivesse pedido passagens para Aracaju e tivessem sido mandados para Roraima.

Festa nas bancas

Os repórteres Jéssica Sant’Ana e Marcelo Ribeiro revelaram que o governo criará 19 grupos de trabalho para regulamentar a reforma tributária. Além disso, a nova ordem exigirá uma penca de leis complementares para esclarecer 71 pontos cegos. Nos estados os subgrupos serão 21. Estimando-se que cada grupo tenha cinco pessoas, serão 200 os burocratas convocados.

É possível que a reforma simplifique o sistema tributário nacional, mas até lá, a balbúrdia fará a alegria de burocratas, parlamentares e advogados.

A estrela de Camilo

A estrela do ministro da Educação, Camilo Santana, brilhou quando ele governou o Ceará. Com um ano no Ministério da Educação, começou a piscar.

Ele entrou com o pé esquerdo. Um dos primeiros anúncios do MEC sob sua gestão foi a suspensão dos planos para se aplicar eletronicamente as provas do Enem.

Continuar aplicando as provas de papel pode ser conveniente, mas fechar a porta para a prova eletrônica é exercitar a opção preferencial pelo atraso.

Eleição municipal

Às vezes as eleições municipais soltam sinais de fumaça que prenunciam os dilemas da sucessão presidencial.

Em 2020, a eleição municipal sinalizou o esgotamento da maré que em 2018 havia alimentado o bolsonarismo.

Em 2018, a jornalista Joice Hasselmann elegeu-se deputada federal com mais de um milhão de votos. Dois anos depois, disputou a Prefeitura de São Paulo e saiu do jogo com 98,3 mil votos.

O ex-capitão e seu entorno desprezaram o sinal.

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