Mercado de trabalho apertado e salários com correção acima da inflação podem retardar convergência do IPCA para a meta
O Banco Central (BC) está preocupado com a dinâmica dos salários e com o aquecimento do mercado de trabalho. Não é uma preocupação nova, mas subiu um pouco de grau na avaliação das condições que determinam a trajetória prospectiva da inflação. Ainda que o Comitê de Política Monetária (Copom), na ata divulgada ontem, indique que a “dinâmica inflacionária não divergiu significativamente do que era esperado”, ele reconheceu que há nela elementos que “requerem maior escrutínio”. O hiato do produto, distância (positiva ou negativa) que separa o crescimento do seu ritmo potencial, e o balanço entre oferta e demanda de mão de obra foram novamente apontados como objeto de atenção. O BC ratificou a indicação de que manterá o ritmo de corte da taxa de juros de 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões.
Em suas primeiras declarações após a reunião do Copom, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse ontem que o comportamento da economia no primeiro trimestre do ano “vai surpreender para cima” e que dados de alta frequência indicam que o setor de serviços “puxa bastante o crescimento”. Isso aparentemente contradiz a ata, mas Campos Neto ressaltou que a taxa de participação, proporção das pessoas em idade de trabalhar que estão empregadas ou procuram emprego, subiu recentemente, “algo que não acontecia há bastante tempo”. Na ata, o Copom apontou, além da “resiliência” no consumo das famílias, o fato de o mercado de trabalho se manter aquecido, com avanço nos rendimentos reais.
A atitude de cautela do BC decorre do balanço dos riscos externos e domésticos, altamente associados. A ata registra que a desinflação do setor de serviços, que hoje é um elemento de resistência a uma queda acelerada de preços, depende do comportamento do mercado de trabalho e da velocidade do crescimento, que definirão a “natureza das pressões inflacionárias e potencialmente o ritmo de distensão monetária” nos países avançados. Há algo semelhante ocorrendo no cenário interno. A desaceleração da atividade tornou-se mais lenta, devido à elevação da renda das famílias em consequência do aumento real do salário mínimo, do emprego e dos benefícios sociais.
Entretanto, há forças que jogam contra pressões inflacionárias lá fora e aqui. No primeiro caso, a deflação dos preços ao produtor na China e sua moderação nos Estados Unidos ajudam a frear os preços dos serviços. A desaceleração do crescimento global, que amortece as cotações das commodities, influi na mesma direção. O problema se concentra no setor de serviços, que responde mais ao aumento de salários e do emprego. Nos Estados Unidos, os últimos dados de criação de vagas ultrapassaram as expectativas, assim como a evolução anual do reajuste de salários.
No Brasil, em menor grau, o Copom anotou crescimento maior dos rendimentos reais recentemente, com a avaliação de que esses ganhos podem “refletir questões temporárias”. Assim como há uma defasagem temporal entre o aumento de juros e seus efeitos sobre a atividade econômica, algo semelhante pode ocorrer com os salários diante de uma queda significativa da inflação, como vem ocorrendo. Olhando para trás, os rendimentos do trabalho perderam poder de compra com o avanço dos preços. Olhando para frente, os reajustes com base na maior inflação passada correm à frente da menor inflação presente, o que na presença de uma forte inércia poderia impedir o IPCA de recuar. Mas isso não é um fator de grande preocupação no presente, porque quanto menor a inflação corrente menor a inércia inflacionária. O BC, em seu cenário de referência, projeta um IPCA de 3,5% este ano e de 3,2% no ano que vem.
Mesmo com a queda sucessiva da taxa Selic, a taxa atual de 11,25% ainda é bastante contracionista, com juro real de 6%. Ainda assim, o BC detectou “sinais de maior concessão de crédito em algumas linhas e redução das taxas de juros correntes de novas concessões, auxiliados também por incipiente aumento do apetite na oferta de crédito em certas linhas por parte das instituições financeiras”. Há também maior atividade no mercado de capitais. Ou seja, sem que a economia tenha esfriado bastante, já se notam indícios de que a desaceleração pode não ser tão intensa e, com isso, a economia crescer acima do 1,6% previsto no boletim Focus.
Nessas circunstâncias, segundo o Copom, “um mercado de trabalho mais apertado, com reajustes salariais acima da meta de inflação, pode potencialmente retardar a convergência da inflação, impactando notadamente a inflação de serviços e de setores mais intensivos em mão de obra”. Mas o arrefecimento dos preços das commodities e eventual menor inflação de serviços poderiam fazer a inflação cair mais rapidamente. Com as expectativas ainda desancoradas (3,8%, mas com viés de baixa), a política monetária seguirá cautelosa, desaconselhando um ritmo mais veloz de queda da Selic, mas também sem interromper os cortes significativos de 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões.
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