quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

FIM DA 'SAIDINHA' DE PRESOS CORRIGE BRECHA NA LEI PENAL

Editorial O Globo

Apesar da derrota do governo, Lula não deveria vetar projeto caso ele seja referendado pela Câmara

O Senado aprovou na última terça-feira o Projeto de Lei (PL) que acaba com as “saidinhas” de presos da cadeia em feriados e datas comemorativas. A proposta, que tramitava havia 14 anos no Congresso, ainda voltará à Câmara para nova votação, pois o texto foi modificado pelos senadores. Mas não se espera resultado diferente. Além do consenso evidenciado pela maioria avassaladora — 62 votos a favor e apenas dois contra —, o governo, que se opõe ao PL, não conseguiu convencer sequer os senadores de sua base. O próprio líder governista, senador Jaques Wagner (PT-BA), decidiu liberar a bancada.

A aprovação do projeto traduz um sentimento que tem tomado conta da sociedade. Por mais bem-intencionada que seja a atual legislação penal, ela está repleta de brechas que precisam ser corrigidas, especialmente num momento de crise aguda na segurança pública.

O texto aprovado no Senado não é perfeito, mas é bem melhor que o anterior, que vetava toda saída temporária. Na versão atual, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator do projeto, acolheu emenda do senador Sergio Moro (União-PR) permitindo que presos possam sair para frequentar cursos supletivos profissionalizantes, de ensino médio ou superior. A emenda proíbe que o benefício seja dado a presos condenados por crime hediondo ou praticado com violência ou grave ameaça.

Embora os questionamentos à “saidinha” não sejam novos, eles ganharam força recentemente a partir de episódios que causaram indignação. Um deles foi o assassinato, em janeiro, do sargento da Polícia Militar Roger Dias da Cunha, de 29 anos, em Belo Horizonte. O policial foi baleado por um preso que havia deixado a cadeia durante a “saidinha” de Natal e estava foragido.

Os critérios para permitir as “saidinhas” foram postos em xeque também depois que 253 detentos de presídios do Rio aproveitaram o benefício concedido no último Natal para fugir. Entre eles, dois condenados por chefiar a maior facção criminosa do estado. Em todo o país, mais de 3 mil presos aproveitaram as “saidinhas” para fugir no ano passado, perto de 5% do total. Não é pouco. Tal dado mostra que os critérios adotados para conceder o benefício não vinham funcionando a contento.

Os defensores das “saidinhas” alegam que elas servem para ressocializar presos que em breve deixarão as cadeias. A legislação atual exige, entre outras coisas, bom comportamento e cumprimento de parte da pena. Mas essa situação ideal não existe. Na prática, a “saidinha” abriu uma brecha legal usada para a fuga, e raramente os fugitivos são recapturados.

Embora a aprovação do PL no Senado represente um revés para o governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deveria vetá-lo caso seja aprovado na Câmara. Ainda que imperfeito — exigências como a realização de exame criminológico e monitoramento eletrônico poderão se revelar impraticáveis diante dos recursos disponíveis —, ele fecha um buraco num sistema de execução penal bastante leniente.

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