Decisão negando vínculo empregatício de plataformas com motoristas ou entregadores pode inspirar plenário
A discussão sobre relações trabalhistas entre plataformas digitais e motoristas ou entregadores que trabalham por aplicativo merece atenção redobrada do Supremo Tribunal Federal (STF). Até o momento, as ações envolvendo a questão foram julgadas no âmbito das turmas ou em decisões individuais, nem sempre respeitadas por tribunais inferiores. Apenas o pronunciamento do plenário será capaz de fixar um entendimento que reduza a incerteza jurídica em torno do tema. A oportunidade se apresenta com um dos casos envolvendo o aplicativo Uber diante da Corte, que poderá ter repercussão geral.
Na última terça-feira, a Primeira Turma apreciou um caso envolvendo o aplicativo Rappi e derrubou o vínculo empregatício entre a plataforma e um entregador, reconhecido por decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em decisão individual, o ministro Cristiano Zanin já afirmara que a “Justiça do Trabalho desconsiderou os aspectos jurídicos relacionados à questão, em especial os precedentes do Supremo Tribunal Federal que consagram a liberdade econômica, de organização das atividades produtivas e admitem outras formas de contratação de prestação de serviços”.
As relações entre trabalhadores e plataformas são um desafio global. A maioria das legislações mundo afora só reconhece dois tipos de trabalho: empregados e autônomos (os primeiros com bem mais direitos que os segundos). Confrontados com a rotina de muitos trabalhadores de plataformas, com jornadas extenuantes e pouca ou nenhuma proteção social, tribunais têm muitas vezes dado ganho de causa a quem defende haver vínculo empregatício. Mas essa ideia não resiste à realidade.
Pesquisa recente estimou o contingente de motoristas por aplicativo no Brasil em 1,3 milhão e o de entregadores em 385 mil. Quatro em dez motoristas e mais da metade dos entregadores afirmaram ter trabalhos alternativos, boa parte com carteira assinada. Portanto é descabida a ideia de que todos tenham dedicação exclusiva. Mesmo os 800 mil motoristas e 200 mil entregadores que dizem ter no trabalho por aplicativo a única atividade remunerada não preenchem os requisitos para reclamar vínculo empregatício. Metade desses motoristas diz ver como principal vantagem da atividade a flexibilidade, em razão da possibilidade de escolher dias e horários.
É verdade que cabe ao Congresso elaborar uma regulamentação equilibrada sobre o tema, garantindo aos trabalhadores por aplicativo direitos básicos, como acesso à Previdência Social. Infelizmente o grupo de trabalho criado pelo governo para elaborar um projeto preliminar ainda não chegou a consenso. Na falta de uma lei adequada, cabe à Justiça preencher o vácuo e a incerteza regulatória com decisões sensatas. Por isso o Supremo deveria estabelecer quanto antes uma tese geral sobre o tema, que fosse respeitada em todo o país. A decisão da Primeira Turma que negou vínculo empregatício ao entregador do Rappi pode ser uma inspiração.
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