quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

QUERELAS BRASILIENSES

Editorial Folha de S. Paulo

Lula e Lira medem forças, mas não é a moralização do Orçamento que está em jogo

Nas heterogêneas e instáveis coalizões que caracterizam o presidencialismo brasileiro, Planalto, Congresso e partidos vivem em disputa quase diária por espaços de poder, cargos e verbas. Em tal cenário, nem sempre se consegue distinguir com clareza a pressão cotidiana de uma turbulência mais grave.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tensionou as relações com os parlamentares ao editar, no apagar das luzes do ano passado, uma medida provisória para reonerar gradualmente a folha de pagamento de setores empresariais diversos —o Congresso já derrubara o veto presidencial a um projeto que prorrogava a desoneração.

Há poucos dias, Lula testou novamente os limites de sua força ao vetar R$ 5,6 bilhões em emendas de deputados e senadores ao Orçamento deste 2024. Também nesse caso, a medida corre grande risco de ser revertida pelo Parlamento.

Foi nesse contexto que declarações do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), soaram como reação ao governo. "A política, como sabemos, apoia-se num pilar essencial: o respeito aos acordos firmados e o cumprimento à palavra empenhada", discursou o deputado, na abertura do ano legislativo.

"O Orçamento da União pertence a todos e todas, não apenas ao Executivo" —foi mais uma obviedade que passaria despercebida em outras circunstâncias.

Lira chegou ao posto ainda sob Jair Bolsonaro (PL), num período de fortalecimento do Congresso ante o Planalto. Liderou um avanço irresponsável e sem precedentes dos parlamentes sobre verbas públicas, não interrompido pela troca de guarda em Brasília.

Não são propósitos moralizadores que estão em jogo, porém —e nada indica que convenha a Lula um aprofundamento das querelas. Desde o início de seu terceiro mandato, o petista dá mostras de compreender as novas condições de negociação política. Ter acomodado um nome do PP de Lira no ministério é apenas um dos exemplos.

A correlação de forças, no entanto, é reexaminada a todo momento. A sucessão no comando da Câmara, que ocorrerá dentro de um ano, decerto motivará mais pressões e barganhas de lado a lado.

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