País precisa oferecer ambiente macroeconômico estável e relação dívida/PIB em queda
Já um tanto atrasado, o Brasil entrou na disputa pelos investimentos privados estrangeiros para a transição para uma economia descarbonizada. Os volumes de recursos necessários são grandiosos. O investimento mundial em descarbonização somou US$ 1,3 trilhão no ano passado, e apenas 6% disso foi gasto na América Latina, segundo estimativa do Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ), o que dimensiona o tamanho do desafio. O GFANZ reúne 675 instituições financeiras em 50 países e foi criado para acelerar a descarbonização da economia. A rede também avalia que as economias emergentes precisarão investir US$ 1 trilhão por ano em energia limpa ao fim desta década.
O primeiro passo foi a parceria estabelecida entre o BNDES e o GFANZ para a criação de uma plataforma que exiba os projetos brasileiros de descarbonização para atrair a participação de investidores nacionais e estrangeiros. A intenção é acelerar os investimentos necessários para o Brasil cumprir a meta de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050, conforme acertado no Acordo de Paris.
Ainda não há data para o início do funcionamento da plataforma brasileira, nem detalhamento do tipo de projetos que serão abarcados, embora transição energética e recuperação de floresta sejam dois focos. A Indonésia e o Vietnã são dois dos países em desenvolvimento que já têm plataformas semelhantes no ar. Apesar de estar defasado em relação a outros países que também brigam por recursos, o Brasil atrai pelo valor dos projetos que pode oferecer.
Em seguida, o governo lançou o Programa de Mobilização de Capital Privado Externo e Proteção Cambial Eco Invest Brasil para incentivar a entrada de capital estrangeiro no país para investimentos em transição energética. Para reduzir o custo dos empréstimos e os riscos de oscilação do real ante o dólar, o programa vai oferecer mecanismos de proteção cambial. Participam da iniciativa o Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial e o governo britânico.
O BID será o principal parceiro no programa de seguro cambial, comprometendo US$ 5,4 bilhões no total (R$ 27 bilhões), sendo US$ 3,4 bilhões em derivativos cambiais e US$ 2 bilhões em operações de swaps e linhas de crédito para empresas. O BID vai empregar os US$ 3,4 bilhões na aquisição de instrumentos de proteção no exterior a custos mais favoráveis para oferta no mercado brasileiro, aproveitando as vantagens de ter rating “triplo A”. Os instrumentos serão repassados ao Banco Central (BC), sem acarretar risco de crédito ou cambial.
A falta de proteção cambial a custos e prazos adequados é uma barreira para a atração de recursos estrangeiros para o Brasil. No mercado doméstico, os derivativos de proteção cambial geralmente têm prazos curtos. Segundo o Ministério da Fazenda, em fevereiro, os contratos futuros de câmbio em aberto com prazo de mais de 10 anos somam apenas R$ 1 bilhão. Até cinco anos, são R$ 15 bilhões; outros R$ 44 bilhões estão em instrumentos de proteção de até dois anos, e a grande maioria, R$ 134 bilhões, cobria apenas até 12 meses.
Além da parceria para disponibilizar proteção cambial, o Eco Invest Brasil vai ter quatro novas linhas de crédito com uso de recursos do Fundo Clima, que será abastecido por US$ 2 bilhões do BID e mais US$ 1 bilhão do Banco Mundial. Pelos critérios do Fundo Clima, os projetos precisam ter como objetivo diminuir os impactos das mudanças climáticas. O Fundo Clima também deverá ser reforçado em R$ 10,4 bilhões com a emissão de títulos verdes pelo governo federal.
Uma das linhas do Eco Invest Brasil é a chamada “blended finance” para baratear o preço da proteção. A linha pode chegar a 25 anos, dependendo da estrutura do projeto. Uma segunda linha, a “FX liquidity facility”, também tem prazo de até 25 anos e fica à disposição do investidor que pagar uma taxa por isso, o que justifica todo esse período. Se ocorrer um evento cambial, a linha vai prover liquidez para manter a capacidade de o projeto honrar as obrigações em moeda forte sem afetar o fluxo de caixa. Uma terceira linha é para instituições financeiras que desejem viabilizar derivativos no mercado local. E a quarta apoia a estruturação de projetos dentro da transição energética, com prazo de 12 anos e juros a serem definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Em artigo no Valor (27/2), os economistas Winston Fritsch e Márcio Garcia, que realizam pesquisa patrocinada pelo BID sobre mecanismos para trazer financiamento privado estrangeiro para projetos de impacto na transição climática no Brasil, salientam a importância de o país atrair capital externo privado uma vez que possui potencial para investimentos verdes, mas baixo nível de poupança interna e acesso limitado às fontes de bancos multilaterais.
Advertem, porém, que não basta ter bons projetos e proteção cambial, ressaltando a importância de o país oferecer um ambiente macroeconômico estável, uma relação entre dívida pública e PIB em queda e balanço de pagamentos administrável. Esses elementos determinam o risco de crédito do país e o custo do dinheiro, influenciando o apetite do investidor pelos projetos.
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