Proposta não contempla entregadores e carrega o ranço de uma visão ultrapassada das relações trabalhistas
O projeto que o governo Luiz Inácio Lula da Silva enviou ontem ao Congresso para regulamentar o trabalho por aplicativos — promessa feita desde a campanha eleitoral — tem o mérito de criar regras para um mercado que, a despeito do crescimento nos últimos anos, ainda opera no limbo. Mas peca por contemplar apenas os motoristas, deixando de lado os entregadores, e ainda carrega certo ranço de uma visão ultrapassada das relações trabalhistas.
Em maio passado, o governo criou um grupo de trabalho para discutir propostas para o setor. A expectativa era que houvesse um esboço de regulamentação ainda no primeiro semestre. Depois de quase um ano, o Planalto apresentou um projeto capenga, que não superou o impasse entre empresas e entregadores. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, promete retomar as negociações com o setor num segundo momento. Mas não faz sentido um projeto regulando apenas parte do trabalho por aplicativo.
Pesquisa recente estimou haver no Brasil 1,3 milhão de motoristas e 385 mil entregadores. Passou da hora de estabelecer regras mínimas para reduzir a incerteza jurídica que paira sobre essas atividades. Qualquer regulamentação precisa preservar a autonomia dos trabalhadores e a flexibilidade do trabalho. Sem regras, os tribunais têm sido levados a exercer um papel que cabe aos legisladores.
Em relação aos motoristas de aplicativos, o projeto do governo avança ao estabelecer proteção previdenciária. Pela regulamentação proposta, eles recolherão 7,5% para a Previdência, e as empresas 20%. Os percentuais incidirão sobre 25% do valor repassado aos motoristas pelas plataformas. Com a contribuição, eles passarão a ter direito a aposentadoria por idade, pensão por morte, auxílio-doença e outros benefícios sociais.
Ao mesmo tempo, o projeto revela como a visão retrógrada das relações trabalhistas acaba por tolher a flexibilidade inerente a esse tipo de atividade. A proposta prevê jornada de oito horas, podendo se estender a 12 horas se houver acordo com sindicatos. Estabelece também um piso de R$ 32,09 por hora rodada, com valores mínimos para as saídas. Tais medidas engessam os custos para as empresas e reduzem a autonomia do profissional. A perda de flexibilidade encarece o serviço e pode reduzir a oferta de trabalho.
Pelo menos, o projeto evita a armadilha de criar vínculo empregatício entre trabalhadores e aplicativos, foco constante de ações na Justiça. O texto estabelece “inexistência de qualquer relação de exclusividade entre trabalhador e empresa”. A ideia é que os motoristas façam parte de uma nova categoria, chamada de “trabalhador autônomo por plataforma”.
O governo ainda deve uma regulamentação para os entregadores, que vivem situação tão incerta quanto a dos motoristas de aplicativos. A proposta incompleta levada ao Congresso atesta a incapacidade do governo na negociação. Ter alguma regra para serviços de entrega, ainda que não a ideal, seria melhor do que não ter nenhuma.
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