O que nos salvou do ‘golpe cívico-militar’ não foi a resistência democrática, mas a incompetência atávica de jaíres, helenos, bragas...
Os “patriotas” que avançaram sobre a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 não têm do que reclamar. Pediam um golpe — e o golpe veio. Não o que eles queriam dar, mas aquele em que acabaram por cair.
Foram vítimas do “conto do capitão”, não muito diferente das clássicas arapucas da crônica policial. Pensaram ter comprado um bilhete premiado: bastava acampar na porta de um quartel, cantar um hino, depredar alguns imóveis e depois resgatar o prêmio: uma ditadura para chamar de sua. Melhor que isso, só terreno na Lua.
Cerca de 2 mil foram presos. Mais de cem já receberam penas de três a 17 anos de cadeia, pelos crimes de associação criminosa armada, dano qualificado, tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e deterioração de patrimônio tombado. Já o grande golpista... esse discursa (livre, leve e ainda solto) na Avenida Paulista —depois de mandar irem dando o golpe enquanto ele apreciava a demolição das instituições, com R$ 800 mil no bolso, num condomínio em Miami. Se desse certo, ele assumia. Desse errado, não era dele a culpa do vexame.
Quem também caiu num golpe foram os “democratas” que, mandando às favas os escrúpulos de consciência, embarcaram na canoa furada de uma frente antifascista, anti-tudo-de-ruim-que-exista.
Uma improvável Arca de Noé, pilotada pela esquerda, que, passado o dilúvio, permitiria a nova aliança nacional para repovoar a política: um casal de liberais, um casal de reestatistas, um casal de sociais -democratas, um casal de stalinistas, um casal de economistas responsáveis, um casal de desenvolvimentistas, um casal de representantes do povo, um casal de populistas. Deu no que deu —ou pior: no que está dando e no muito que ainda pode vir a dar.
(O ditador russo tortura e mata mais um opositor, e a esquerda não dá um pio. O déspota venezuelano prende mais um adversário, e a esquerda nem pisca. Os terroristas que dominam Gaza tomam civis como escudo humano — fazendo tanto o israelense sequestrado quanto seu próprio povo de refém —, e a esquerda sem soltar a mão de ninguém. Onde será que foi parar aquela gente que denunciava violação dos direitos humanos, que pedia eleições livres, que era contra a opressão?)
Nada muito diferente do protoditador que até outro dia ocupava a Presidência. Iniciou o desmonte das medidas anticorrupção, e a direita (empresarial) viu vantagem. Tentou transformar o país numa república de bananas, e a direita fez cara de paisagem.
O que nos salvou do “golpe cívico-militar” não foi a resistência democrática, mas a incompetência atávica de jaíres, helenos, bragas, pazuellos, cids, silvineis. O que esperar de quem grava reunião secreta, imprime e guarda minuta de golpe na gaveta, se cala na PF e confessa, em cima do carro de som, tudo de uma vez?
Há que prosseguir nas investigações para identificar quem articulou o golpe de janeiro e ter todos os elementos para que seja punido — mas só pode ser ironia falar em “determinar a autoria intelectual” de um evento sem nenhum intelecto envolvido.
Quanto ao outro golpe — o da tábua de salvação da civilidade e da democracia —, esse foi tão bem aplicado que não dá nem para registrar B.O. numa delegacia.
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