As motivações e táticas de Deltan Dallagnol em 950 mil mensagens do Telegram
“Li na diagonal a denúncia. Ainda tenho de lê-la melhor. Está muito boa, porém faço algumas críticas construtivas”, escreveu o procurador Orlando Martello Júnior, do Ministério Público Federal no Paraná. A mensagem foi enviada pelo Telegram, no grupo batizado como “Filhos do Januário 1”, que reunia os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato. Era 9 de setembro de 2016 e a Lava Jato estava no auge. Em cinco dias, o país seria apresentado à primeira grande denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na forma do famoso PowerPoint, que mostrava catorze balões, cada um com conteúdo diferente, dos quais saíam setas apontando para o balão central, onde estava escrito LULA.
A despeito do breve elogio de Martello Júnior, a denúncia ainda era um rascunho e pontos importantes não estavam parando de pé, na visão dos próprios procuradores, a começar pelo pilar central da acusação: a de que Lula ganhara um apartamento tríplex no Guarujá, no litoral de São Paulo, como recompensa por favorecer a empreiteira OAS em contratos com a Petrobras. Mesmo faltando tão pouco tempo para a divulgação da denúncia, havia incertezas abundantes sobre fatos, sobre dados e sobre provas.
Martello Júnior começou então a enumerar suas “críticas construtivas”. A primeira dizia respeito à forma: o texto da denúncia estava longo demais. “Reduziria à metade. O que não foi contado em trinta folhas (ou no máximo em cinquenta), não merece ser contado”, escreveu, mas foi ignorado: a peça final saiu com 149 páginas. Em seguida, apontou que a expressão “projeto de poder” aparecia pelo menos dez vezes, coisa que julgava “desnecessária e política” – e, desta vez, foi ouvido: na versão final, caiu para cinco vezes. O procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa e principal autor da denúncia, propôs trocar “projeto de poder” por “projeto de financiamento partidário ilícito”. O procurador Paulo Galvão, de Brasília, considerou que a expressão podia aludir ao uso de caixa dois e sugeriu “projeto de financiamento partidário por meio de corrupção”. Dallagnol tentou outras duas opções: “projeto de governabilidade mediante corrupção” e “projeto de enriquecimento ilícito mediante corrupção”. O procurador Antônio Carlos Welter, do Rio Grande do Sul, achou a solução: “Talvez se possa usar mais de uma expressão, não precisa ser sempre a mesma: projeto de poder mediante captação ilícita de apoio, corrupção de agentes políticos para obter apoio político, e aí vai.”
Por fim, Martello Junior reclamou do trecho em que dizia que a acusação se baseava em “indícios suficientes de autoria”. Sugeriu que os redatores se limitassem a dizer “autoria”. Explicou: “Dificilmente teremos mais prova do que isso. Logo, para não dizer depois que só tínhamos ‘indícios de autoria’, e com isso condenamos, é bom deixar ‘autoria’.”
Enquanto o grupo debatia, Martello Júnior chamou Dallagnol à parte, em uma mensagem reservada, para falar sobre a acuidade das informações. Um trecho da denúncia, por exemplo, era baseado em excertos de jornais. “Nas frases seguintes”, escreveu Martello Júnior, “há cinco ou seis afirmações que não sei se são verdadeiras. O que sai na imprensa nem sempre é verdadeiro; logo, me dá medo de eles contestarem isso de modo cabal. Tentar desqualificar a denúncia dizendo que é baseada em recortes de jornal que só falam bobagem!”
A constatação era delicada para uma denúncia tão grave e às vésperas de vir a público. Martello Júnior se referia a uma passagem em que a denúncia contabilizava os deputados e senadores – da situação e da oposição – que foram aderindo ao governo Lula quando a propina começou a ser distribuída. Era tudo baseado em matérias de jornal. Uma hora depois, Dallagnol lamentou a falta de solidez – “caramba, mas isso é um contexto bem relevante…” –, mas tudo o que lhe ocorreu foi ampliar a pesquisa sobre reportagens: “E se checar em outras matérias? Tiver mais fontes?”
Nenhum comentário:
Postar um comentário