Diante da omissão do Congresso, manipulação de vídeos e áudios poderia desorientar os eleitores
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) faz bem ao impor desde já normas específicas sobre o uso da inteligência artificial (IA) e disseminação de desinformação nas eleições municipais deste ano. Diante da omissão do Congresso para regulamentar tais questões, era urgente estabelecer limites para que as campanhas não se transformem numa guerra para enganar o eleitor em vez de orientá-lo. Não há dúvida de que a manipulação de vídeos e áudios, com ajuda de ferramentas de IA que os tornam verossímeis, pode transformar num caos a vida dos cidadãos e o trabalho das autoridades eleitorais.
Um dos aspectos mais relevantes das resoluções aprovadas pelo TSE é determinar que as plataformas digitais removam conteúdos “sabidamente inverídicos”, mesmo sem decisão judicial prévia. Pelas novas normas, as plataformas ficarão responsáveis por tomar medidas que impeçam a publicação de informação irregular e terão de retirar imediatamente conteúdos que ataquem a democracia ou promovam discursos de ódio (como racismo, homofobia, nazismo etc.). Do contrário, serão responsabilizadas.
As maravilhas proporcionadas pela IA também passam a ter regras claras nas eleições. A manipulação digital de vídeos e áudios conhecida como deepfake —como a simulação de discursos que um candidato não fez ou a criação de imagens que não existem — está proibida. Não será permitido lançar mão de robôs para intermediar contato com eleitores. O uso de IA precisará ser feito com transparência. As campanhas serão obrigadas a informar de forma explícita quando a ferramenta for usada na propaganda.
Não se sabe o impacto que o avanço das novas tecnologias terá sobre os pleitos municipais deste ano, especialmente num ambiente polarizado. Mas pode-se prever. Nas eleições para a Presidência da Argentina, no ano passado, as campanhas dos então candidatos Javier Milei e Sergio Massa usaram e abusaram dos efeitos deletérios das deepfakes para atacar o adversário da forma mais sórdida possível. Em 2022, ainda sem os recursos hoje disponíveis, a corrida ao Palácio do Planalto já foi marcada por uma guerra suja, com muita acusação e poucas propostas. Tudo leva a crer que o clima de conflagração se repetirá neste ano na escolha de prefeitos e vereadores.
Estabelecer normas sensatas não garante que elas serão respeitadas. Mas as campanhas precisam ter em mente que correrão risco ao ignorá-las. Quem recorrer a deepfakes em suas propagandas poderá ser punido com cassação do registro ou mesmo do mandato.
No vácuo legislativo, as resoluções do TSE para as eleições municipais representam um avanço, por tentar lidar com o mundo de hoje. O uso de inteligência artificial nas redes é uma realidade e, se não há como impedi-lo, o melhor é estabelecer regras para enquadrá-lo, antes que os eleitores fiquem perdidos sem saber o que é realidade e o que é ilusão.
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