Regime pode sobreviver tornando-se mais autoritário, mas fraude escancara sua fragilidade
Como previsto, Nicolás Maduro e seus lugares-tenentes não largaram o osso. Alegam ter vencido o pleito presidencial com 51,2% dos votos, mas os sinais de fraude são volumosos. O que acontece agora?
No cenário que me parece mais provável, a oposição ensaia protestos que serão reprimidos. Por ter transformado os militares em sócios dos esquemas de extração de rendas estatais, Maduro conta com sua lealdade. Com o tempo, manifestações arrefecem, lideranças oposicionistas podem ser presas, e o bolivarianismo sobrevive operando num patamar ainda mais elevado de autoritarismo.
Num cenário que me parece menos verossímil mas não impossível, a farsa eleitoral encenada por Maduro acaba enfraquecendo o regime. Ditaduras são intrinsecamente instáveis. O poder, a exemplo do dinheiro e das leis, é uma realidade imaginada, isto é, algo que só existe porque a maioria das pessoas acredita ao mesmo tempo em sua existência e age de acordo. Se essa coordenação de expectativas se desfaz, é a própria instituição que pode ruir. Se, da noite para o dia, todos se convencessem de que o dólar não passa de papel pintado de verde e não mais o aceitassem, a moeda perderia seu valor.
Autocracias que pareciam muito mais solidamente estabelecidas do que a ditadura venezuelana, como os regimes comunistas do Leste Europeu, se esfacelaram ("caíram de maduro", para quem gosta de trocadilhos fáceis) depois que sequências específicas de acontecimentos permitiram a sincronização de disposições contestatórias latentes. O Muro de Berlim caiu após uma declaração desastrada de um ministro da Alemanha Oriental, que fez com que milhares de cidadãos tentassem atravessar para o Ocidente e que os soldados encarregados de impedi-los não agissem.
A fraude do domingo (28), ao escancarar para os venezuelanos e para o mundo o déficit de legitimidade do governo, facilita o surgimento desse tipo de coordenação de expectativas.
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