Justas homenagens sobre os 30 anos da estabilização monetária pecaram pela falta de crítica aos problemas que o plano não conseguiu resolver
O país comemorou nas últimas semanas os 30 anos do Plano Real, que livrou os brasileiros da hiperinflação. Foram justas as comemorações e corretos os inúmeros elogios ao grupo de jovens economistas que estruturaram o plano, hoje todos com cabelos brancos.
Justas e apropriadas foram também as homenagens ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na época ministro da Fazenda e braço firme de sustentação do programa perante o governo do então presidente Itamar Franco.
Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos críticos do plano naquela época, visitou Fernando Henrique, hoje com 93 anos, num implícito reconhecimento de sua posição equivocada 30 anos atrás.
Quem viveu aqueles anos terríveis em que as remarcações eram contínuas e os salários não acompanhavam a corrida dos preços tem a obrigação de testemunhar a genialidade do modelo que promoveu a estabilização monetária no país. Aquilo ressuscitou o Brasil.
Faltou às numerosas publicações das últimas semanas, porém, talvez por excesso de gentileza num momento de comemoração, dedicar espaço um pouco maior e mais didático às críticas daquilo que não deu certo no Real. Infelizmente, o plano foi genial, mas não foi perfeito.
Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do IBGE, foi uma exceção. Em artigo no Poder 360, ele também fez rasgados elogios ao modelo de estabilização monetária. Observou, porém, que o Real “abriu uma janela de prosperidade para o país, mas faltou abrir a porta”, porque “não engatou o compromisso com o crescimento”. Os realizadores do plano teriam ficado presos à sua concepção neoliberal, convictos de que bastaria “prender numa jaula a hidra da inflação de preços e liberar o comércio internacional para o Brasil acumular ganhos de produtividade”.
Rabello de Castro observa que se engendrou uma “doutrina de juros altos” eficaz como método de controlar a inflação, mas que teve efeitos deletérios. O economista preparou um infográfico mostrando que, desde 1995, a “inflação de juros” atingiu 4.136%, enquanto a “inflação de preços” ficou em 466%. Nos 30 anos, a Selic média anual foi de 13,8% e o IPCA, de 6,2%. Houve, portanto, um enorme custo social associado à estabilidade do real. Esses elevados e continuados ganhos financeiros desestimularam investimentos produtivos e limitaram o crescimento da economia.
Por outro lado, as despesas primárias do governo aumentaram 2.100% nesse período de 30 anos, enquanto o PIB crescia 1.600%. Ou seja, o país viveu e ainda vive numa mistura de despesas frouxas com juros altos. Para os fiscalistas, os gastos excessivos e os déficits levaram e levam à manutenção dos juros elevados. Para os progressistas, os juros elevados são responsáveis por deprimir a economia, reduzir receitas e provocar déficits. É uma discussão semelhante à do ovo e da galinha.
Outra exceção foi um artigo do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, na “Folha de S.Paulo”. Petista, ele louvou a forma criativa e organizada do Real, que debelou a hiperinflação sem congelamento de preços - até então, seguidos planos haviam fracassado ao congelar preços.
Mercadante lembrou que a valorização inicial do câmbio foi essencial para a rápida redução da inflação, mas trouxe um alto custo: o início da era de elevados juros reais, que atingiram 22% ao ano de 1994 a 1999. Prorrogada, segundo o economista, essa âncora cambial provocou apreciação do real, deterioração das contas externas e grave crise cambial, econômica e social. O déficit das transações correntes subiu de 2,5% do PIB em 1995 para 4,5% em 1999; e o desemprego subiu de 4,6% em 1995 para 7,6% entre 1995 e 1999. O país teve então de pedir um socorro bilionário ao FMI e submeter-se às regras contracionistas do “Consenso de Washington”. A dívida com do Fundo foi quitada no governo Lula.
Paul Davidson e a incerteza
Por falar em homenagens, passou praticamente despercebida no Brasil a morte do grande economista pós-keynesiano Paul Davidson, aos 93 anos, no dia 20 de junho.
Em obituário publicado nas redes sociais, Grec, um dos três filhos de Davidson, define com uma frase o legado do pai: “Ele dedicou sua vida a desafiar as teorias econômicas convencionais e a defender políticas que priorizassem o bem-estar humano em detrimento de modelos abstratos.”
Davidson nasceu em Nova York, obteve o bacharelado no Brooklyn College e o MBA na City University of New York. Mas só no doutorado na University of Pennsylvania desenvolveu o que o filho chama de “ceticismo profundo em relação às principais doutrinas econômicas” que muitas vezes, segundo ele, falhavam em enfrentar os desafios econômicos do mundo real.
A principal obra de Davidson, que publicou 22 livros, é “Money and Real World”, de 1973, na qual desafiou os pressupostos sobre o papel do dinheiro na economia.
Segundo José Luís Oreiro, um dos mais influentes economistas brasileiros pós-keynesianos, Davidson foi o maior economista pós-keynesiano de sua geração. Escreveu seu principal livro em meio à crise do pensamento keynesiano tradicional, que havia predominado nos anos 1950 e 1960 e estava sob ataque depois do avanço das ideias de Milton Friedman, da Escola de Chicago. Uma das contribuições de Davidson se refere à questão da incerteza na qual os agentes econômicos tomam suas decisões e as limitações causadas por essa incerteza.
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