terça-feira, 9 de julho de 2024

LULA TESTA NOVO BORDÃO PARA EVANGÉLICOS

Andrea Jubé, Valor Econômico

Aposta agora é no uso da palavra ‘família’

Sem alarde, enquanto as atenções voltavam-se para suas declarações sobre o equilíbrio fiscal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a testar, há poucos dias, uma nova estratégia para tentar melhorar a interlocução com a população evangélica. Esse público representa cerca de um terço dos brasileiros e aderiu em massa ao bolsonarismo.

“Se tem uma coisa que eu aprendi com a [minha mãe] dona Lindu foi responsabilidade fiscal, cuidar do meu pagamento, cuidar do meu salário, cuidar da minha família”, discursou Lula na sexta-feira (5), na inauguração de novo prédio da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Osasco (SP). “E hoje a minha família é o Brasil”, exaltou.

A menção a sua mãe, Eurídice Ferreira de Melo, a dona Lindu, é uma constante nos discursos presidenciais. Mas a referência reiterada à figura materna, símbolo da família - e a quem Lula tem como exemplo de resiliência e retidão moral - não o ajudou a se reconectar com os fiéis.

A tônica desse discurso é a ênfase à palavra “família”, que apareceu duas vezes em um mesmo trecho, com destaque para a finalização: “Minha família é o Brasil.” Este recado, se chegar sem ruídos ao destinatário, pode se transformar em um novo bordão presidencial. É a nova aposta para afinar o diálogo com os evangélicos após o fracasso da campanha “fé no Brasil”.

Dois dias antes de Lula colocar na rua esse bordão, ele e a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, haviam se reunido com a vereadora Aava Santiago, de Goiânia (GO), no Palácio do Planalto. Depois ela também foi recebida pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), um dos interlocutores designados por Lula para o diálogo com os fiéis.

Embora filiada ao PSDB, Aava consolidou-se como uma nova liderança evangélica nacional, de perfil progressista. Na campanha de 2022, ela declarou apoio a Lula, e, depois da vitória do petista, integrou o grupo de trabalho sobre políticas para mulheres do governo de transição.

Recentemente, ela voltou aos holofotes após declarações veementes, que repercutiram nas redes sociais, contra o projeto de lei defendido pela Frente Parlamentar Evangélica que criminaliza o aborto acima das 22 semanas, mesmo nas hipóteses previstas em lei.

Em conversa com a coluna, Aava Santiago afirmou que o governo “continua errando” na tentativa de se aproximar dos evangélicos. Ela acredita que políticas sociais bem sucedidas não têm ressonância na base desse público, e argumentou com Lula, Janja e Alckmin que a “virada de chave” deveria ser o governo falar diretamente para as famílias brasileiras.

A avaliação de Aava - que foi criada em uma família de pastores, e é ligada à igreja Assembleia de Deus Ministério de Madureira - é que o campo bolsonarista apropriou-se indevidamente dos valores familiares e cristãos, como se detivesse o monopólio da defesa desses princípios.

De fato, o slogan que alçou Jair Bolsonaro à Presidência em 2018 era “Deus, Pátria e Família”. Desde então, lideranças do bolsonarismo repetem a retórica de que o PT e a esquerda em geral seriam contrários a esses valores. “A esquerda quer liberar as drogas e destruir as famílias e faz de tudo para calar as vozes que lhe são contrárias”, discursou Michelle Bolsonaro no domingo (7), no megaevento conservador em Balneário Camboriú (SC).

Embora a reação da sociedade civil tenha sido majoritariamente contrária ao PL antiaborto, criminalizando as grávidas vítimas de estupro, o governo recebeu críticas por não ter se posicionado abertamente sobre o texto.

Somente dias depois, Janja foi às redes sociais classificar o projeto como “absurdo”, “retrocesso” e cobrar do Congresso medidas para garantir “condições e a agilidade no acesso ao aborto legal e seguro pelo SUS".

Um dia depois da manifestação de Janja, foi a vez de Lula pronunciar-se sobre o tema. Ele chamou a proposta de “insanidade” e voltou a se manifestar contrário ao aborto, observando que a matéria é de saúde pública. Para isso, voltou a invocar seus laços familiares. “Eu fui casado, tive cinco filhos, oito netos e uma bisneta, eu sou contra o aborto”, ressaltou.

Pesquisas recentes revelaram que após um ano e meio de mandato, a relação da gestão Lula 3 com a população evangélica vai de mal a pior. Levantamento do Datafolha divulgado em 18 de junho mostrou que 22% dos brasileiros ligados a essa religião avaliam o governo como ótimo ou bom, enquanto 44% o consideram ruim ou péssimo.

Em março de 2023, 28% achavam que a administração petista era ótima ou boa, e para 35% era ruim ou péssima. Nesses 16 meses, entre altos e baixos, houve um acréscimo de 9 pontos percentuais no mau humor dos fiéis com a gestão lulista.

Nessa conjunção de revezes, Aava Santiago vê dois movimentos necessários ao governo Lula para tentar melhorar o diálogo com os evangélicos. Em primeiro lugar, convencer essa fatia da população de que o ex-presidente Bolsonaro e seus aliados não são paladinos dos valores familiares e cristãos.

Um segundo desafio é estabelecer uma interlocução com pastores que votaram em Bolsonaro em 2022, mas que têm postura independente, não se prendem a lideranças nacionais (como Silas Malafaia), e estariam dispostos a ouvir. “Dialogar apenas com pastores progressistas é pregar para convertidos”, ensinou.

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