Integrantes do próprio regime vão percebendo que o governo não tem mais o mínimo de sustentação popular
Vamos falar francamente: não existe a menor possibilidade de Nicolás Maduro entregar o governo à oposição numa “transição respeitosa e pacífica”, como sugeriu o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken.
Como caem as ditaduras?
Depende de sua natureza. A da China, por exemplo, não cairá. Pode ser que o regime passe por mudanças internas, com algum tipo de abertura se os dirigentes se sentirem suficientemente seguros ou, ao contrário, percebam um grau mais intenso de insatisfação popular.
Mas o regime é coeso. Tem uma doutrina central seguida pelos milhares de membros do Partido Comunista.
Além disso, o regime conta com centenas de milhares de militantes, funcionários e militares engajados. Mais: um empresariado local que opera com alguma liberdade de iniciativa, mas não vai longe se não cultivar boas relações com os donos do poder.
Há corrupção, mas não é algo disseminado a ponto de ruir as bases do regime. Xi Jinping andou prendendo uns corruptos para dar exemplo.
Finalmente, o país está enriquecendo. Tirou centenas de milhões da pobreza e criou uma classe média próspera.
Já na Venezuela não há doutrina alguma. De esquerda, tem a regra de que o Estado manda em toda a economia, ou com suas próprias estatais ou com empresas privadas que vivem à sombra do governo. Isso se chamava de bolivarianismo, hoje chavismo. Inclui um anticapitalismo americano.
Chamam de esquerda por causa desse anti-Estados Unidos e pelo estatismo.
Mas se trata mesmo de cleptocracia. Corrupção na veia com a mão pesada da repressão e eliminação dos direitos individuais. Todos os meios de comunicação são controlados pelo governo.
O regime beneficia os chefões, uma ampla categoria, seus associados, militares e empresários amigos. Com poder, dinheiro e privilégios, como o de importar, a dólar favorecido, bens com os quais a população nem pode sonhar.
Pior: há provas abundantes de que o regime tolera e mesmo participa do tráfico de drogas e da consequente lavagem de dinheiro. Muitos membros do governo têm mandado de prisão emitido pela Justiça americana.
Se essa súcia perder o poder, não é que seus membros passam para a oposição. Eles vão em cana, e muitos para longas prisões nos Estados Unidos.
Por que então, se pode perguntar, Maduro topou uma eleição?
Só pode ter sido um tremendo erro de cálculo. Um ditador cercado por apaniguados, que só ouve o que quer, comete esse tipo de erro — não perceber que a realidade mudou. Como os meios de comunicação são todos oficiais, não há notícia do crescimento da insatisfação popular.
Um bom serviço de inteligência poderia captar essas informações. Mas, nas ditaduras, esses próprios serviços tornam-se bitolados.
Nem a KGB, nem a Stasi, serviços muito mais eficientes que qualquer um da Venezuela, perceberam o desmoronamento do império soviético.
Maduro achava que ganharia. Provavelmente, Lula também. Ele não mandaria Celso Amorim para Caracas para verificar in loco a derrota do amigo.
Tudo considerado, Maduro não entregará o governo. Ele cairá.
Como?
Com algum tipo de golpe interno. Já vimos isso. Integrantes do próprio regime vão percebendo que o governo não tem mais o mínimo de sustentação popular. Que, ao contrário, a maioria da população já não aguenta mais a vida difícil.
Ao contrário da China, que enriquece, a Venezuela ficou mais pobre, muito mais pobre. De uma nação que estava entre as melhores da América Latina, caiu para uma das piores.
Corrupção, empobrecimento e repressão — eis os alimentos de uma queda. Acontece quando uma parte do regime — incluindo funcionários, militares e empresários — entende que é melhor salvar a própria pele do que afundar junto com Maduro. Essa parte golpista tem de se acertar com a oposição local e com governos estrangeiros, para garantir anistia, proteção e asilos.
Quando acontece? Impossível saber o que se passa nas entranhas do regime. Mas um regime que funciona na base do dinheiro e do privilégio cai pela razão inversa: quando o pessoal de dentro percebe que pode perder tudo.
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