domingo, 18 de agosto de 2024

O STF DECIDIU SER VIDRAÇA

Elio Gaspari, O Globo

Faz tempo, o juiz Sergio Moro ainda não era um campeão nacional com a Lava-Jato, que encarnaria as aspirações gerais, encarcerando empreiteiros larápios. Julgava-se um habeas corpus, e o ministro Gilmar Mendes disse o seguinte:

“O juiz é órgão de controle no processo criminal. Tem uma função específica. Ele não é sócio do Ministério Público e, muito menos, membro da Polícia Federal.”

Isso aconteceu em maio de 2013. Gilmar condenava o comportamento de Moro.

Num exercício de passadologia, imagine-se que Gilmar e dezenas de advogados que criticavam a conduta de Moro tivessem prevalecido.

Os excessos da Lava-Jato teriam sido contidos. O juiz de Curitiba ficaria no seu quadrado e não viria a ser ministro de Bolsonaro. O Ministério Público teria calçado as sandálias da humildade e tudo correria dentro da normalidade e dos ritos judiciais.

Se as coisas tivessem corrido assim, 11 anos depois, o Supremo Tribunal Federal não viria a anular penas impostas a delatores confessos. A Lava-Jato não terminaria como terminou.

Passaram-se 11 anos da fala de Gilmar e, com outras características, a onipotência reapareceu.

Os repórteres Fábio Serapião e Glenn Greenwald expuseram mensagens trocadas em 2022 por dois servidores (um deles lotado no gabinete de Alexandre Moraes).

Fora dos ritos judiciais, combinavam ações do TSE para abastecer processos do STF. Iam de combate à divulgação de notícias falsas, a ameaças contra Moraes. Coisa de partidários de Jair Bolsonaro.

As impropriedades não saíram do texto dos repórteres, mas sobretudo de falas do juiz Airton Vieira, assessor de Moraes no Supremo.

Por exemplo:

“Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda (um pedido) para alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”

Ficou chato. Moraes blindou-se e defendeu as condutas.

Nos dias seguintes, o ministro foi defendido pelo presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, por Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, mais o procurador-geral Paulo Gonet. Como era de se esperar, entraram no bloco ministros de Lula.

A defesa de Moraes assemelhou-se a uma carga dos elefantes cartagineses. Todos exaltaram as reais virtudes do ministro, a que se deve a normalidade da eleição de 2022. (Se Alexandre Moraes não tivesse ameaçado prender Silvinei Vasques, sua Polícia Rodoviária continuaria bloqueando eleitores no Nordeste.)

Barroso disse que fabricava-se uma “tempestade fictícia”. Gilmar foi além satanizando intenções: “A censura que tem sido dirigida ao ministro Alexandre, na sua grande maioria, parte de setores que buscam enfraquecer a atuação do Judiciário e, em última análise, fragilizar o próprio Estado democrático de Direito”.

Sem dúvida, mas, como era o caso dos empreiteiros de 2013, lhes é garantido o respeito aos ritos do Judiciário.

Foi exemplar a fala de Cármen Lúcia, atual presidente do TSE. Elogiou Moraes e seu papel na última eleição, e deixou uma lição: “Todas as condutas dos presidentes devem ser formais para garantir a liberdade do eleitor”.

(Uma boa parte dos ministros do STF ficou em silêncio, mas essa é outra história.)

O Supremo virou vidraça. Mete-se onde não deve e uma maioria apertada de seus ministros enfeitam farofas internacionais levando escoltas para o circuito Elizabeth Arden. Outro bloco defende qualquer conduta dos colegas.

Esse é o jogo jogado, mas é um mau jogo. O combate à corrupção perdeu vigor pela onipotência da República de Curitiba e da blindagem que lhes foi dada, inclusive pela imprensa.

O combate às mentiras e às armações do bolsonarismo perdeu com a blindagem dada a Alexandre de Moraes.

A cadeira de Alexandre

Os bolsominions podem tirar o cavalo da pista. Circular abaixo-assinados ou apresentar projetos de impedimento do ministro Alexandre de Moraes servem para fazer espuma, mas irão para as gavetas.

Essa realidade poderá mudar com a eleição de 2026. A bancada bolsonarista tem hoje pelo menos 13 senadores.

Se essa bancada conseguir crescer, é quase certo que um ministro do Supremo vá para a guilhotina. Mesmo assim, Moraes não está na frente da fila.

A chance de Tabata

O baixo nível do primeiro debate dos candidatos à prefeitura de São Paulo levantou a bola para Tabata Amaral.

Depois de ter buscado alianças em campo minado a candidatura da jovem deputada patinava.

Kamala Harris cresceu

Os debates de Kamala Harris com Donald Trump poderão mudar a posição do republicano de favorito a azarão. Isso está acontecendo porque ela começa a encarnar um movimento, algo maior que uma candidatura.

No início de 2008, Vernon Jordan (1935-2021), destacado militante dos direitos civis, apoiava a candidatura de Hillary Clinton. Ela era sua amiga de 30 anos, e foi Jordan quem convenceu Hillary Rodham a assinar como Clinton.

Passados uns meses, Jordan foi para a campanha do senador Barack Obama e explicou

“É duro disputar contra um movimento.”

Vidas facilitadas

O ministro Luiz Felipe Salomão deixará a Corregedoria Nacional de Justiça com boas notícias.

Terça-feira o Conselho Nacional de Justiça poderá decidir a passagem para os três mil cartórios do país de inventários quando houver testamento registrado e consenso entre os herdeiros. Mais: os divórcios consensuais também passarão para os cartórios, ficando na Justiça o arbitramento de alimentos e a regulamentação da convivência familiar.

De um lado, facilita-se a vida dos cidadãos. De outro, desobstruem-se os congestionamentos na Justiça.

Noutra iniciativa, o CNJ já criou um aplicativo de celular que autoriza a doação de órgãos. Na primeira semana de existência o programa quintuplicou o número de potenciais doadores.

Dois programas destinados ao andar de baixo já deram os seguintes resultados:

Foram emitidas cerca de 70 mil certidões de idade para quem vive na rua. Isso abriu-lhes o caminho para buscar benefícios sociais.

Neste ano, foram emitidos em torno de 200 mil títulos de propriedade, a custo zero. Esse programa começou na comunidade de Heliópolis (SP).

Olhando-se para o andar de baixo, é fácil fazer as coisas, basta trabalhar.

Nunes e as milícias

O prefeito Ricardo Nunes disse que desconhece que haja milícias atuando em São Paulo. Talvez ele desconheça também que Neil Armstrong foi à lua.

Ele deveria ouvir o jornalista Octavio Guedes, que não se cansa de lembrar a influência do crime organizado em São Paulo, deixada de lado porque o Rio virou saco de pancadas; todas justas.

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