segunda-feira, 30 de setembro de 2024

TODOS OS TONS DO SETEMBRO AMARELO

Artigo de Fernando Gabeira

Começou o outono em Nova York. Estive concentrado na cidade porque os líderes mundiais falariam na ONU. E também porque minha filha Maya estava por lá. O que tem a ver uma coisa com a outra? O trânsito. Ela precisava se deslocar entre um e outro evento sobre defesa do oceano e fez uma curta viagem à Califórnia. Sofreu com as longas viagens de táxi.

Os discursos na ONU se sucediam indiferentes aos pequenos transtornos urbanos. Imagino aquele prédio como um imenso transatlântico com seus oradores navegando num mar tempestuoso, repleto de icebergs.

Ouço uma voz em português de nosso presidente advertindo para a catástrofe climática. Soa sensato, mas, a 8 mil quilômetros de distância, o que sentimos ainda é o calor do fogo, o cheiro de fumaça. Estamos destruindo o planeta com regularidade, sem discriminação.

O outono começa por lá. Por aqui o inverno acabou. Ainda restam algumas folhas de amendoeira não recolhidas na Rua Almirante Saddock de Sá.

O amigo Py, psicanalista, me envia uma rápida fala sobre o setembro amarelo. É o mês da prevenção ao suicídio. Ele alerta sobre o suicídio lento do consumo exagerado de tabaco e álcool. E me pergunta se a agressão ao meio ambiente não é um tipo de suicídio coletivo.

De certa forma, sim, amigo. Não há perigo de o planeta acabar, mas sim de a vida humana tornar-se inviável nele. No entanto não é esse o suicídio que Albert Camus chama de maior problema filosófico em seu célebre “O mito de Sísifo”. Para ele, a questão estava na consciência da falta do sentido da vida e em como responder a essa situação absurda. Atribuir um sentido ou abandonar o mundo.

A destruição ambiental não é uma escolha consciente. Na verdade, é resultado do gozo desenfreado da vida, por meio da produção e do intenso consumo. As pessoas não dizem “adeus, vida cruel!”. Pelo contrário, celebram e querem fruir cada vez mais.

No setembro por aqui, é a primavera que começa. Ainda há folhas secas na Rua Saddock de Sá, que esteve coberta com um colorido tapete de folhas de amendoeira.

Talvez um dado novo em nossa prevenção do suicídio seria observar o avanço das empresas de aposta. Os brasileiros jogam mais de R$ 200 bilhões. Fala-se que há 13 milhões de inadimplentes. Isso é um risco para a estrutura das famílias, para a saúde mental.

As empresas de aposta patrocinam muita coisa, clubes e imprensa. O governo espera recolher imposto para obras sociais. Mas precisamos fiscalizar e definir campanhas educativas. Caso contrário, deixaremos passar em branco o setembro amarelo.

Num artigo que escrevi sobre os discursos da ONU, mencionei também as guerras. Não apenas na Ucrânia ou em Gaza. Agora se alastram pelo Líbano, já existem em lugares que ignoramos, como o Iêmen, a República Democrática do Congo.

Esse foi um dos temas no transatlântico dos grandes discursos, dos grandes pianistas. A semana acabou com mais notícias de guerra. Os líderes voltaram para casa, minha filha voou para a Europa. Restou setembro com seus tons de amarelo. Não faço mais discursos, limito-me a interpretá-los por dever de ofício. A esta altura, sem menosprezar a retórica, prefiro alguma ações concretas: elas andam em falta.

Neste setembro, peço desculpas não só a Camus, como aos existencialistas com suas teses sobre o absurdo da vida, a necessidade de cravar as unhas no abismo e de encontrar um sentido para ela.

Tive a sorte de viver muitos anos, acabei me acostumando, sem grandes inquietações. Reduzi expectativas. Felicidade para mim é apenas um pedaço da Lagoa onde sopra uma brisa: este ligeiro excesso de oxigênio me inebria. E, com perdão dos grandes mestres orientais, meditar para mim é boiar de costas e deixar que os pensamentos flutuem e se tornem tão leves como o corpo.

Por isso, meu amigo Py, não sei se meu argumento é uma blasfêmia no coração do setembro amarelo. Penso nas grandes turbulências aéreas: colocar a máscara de oxigênio e, então, ajudar os outros. Dito isso, continuaremos tentando prevenir suicídios, inclusive o da Humanidade.

Artigo publicado no jornal O Globo em 30/09/2024

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sexta-feira, 27 de setembro de 2024

BRASIL NA ONU : OS LIMITES DA RETÓRICA

Artigo de Fernando Gabeira

Neste período em Nova York, os discursos dos líderes são o mais interessante na ONU. Cada país escolhe os problemas que preocupam o mundo e alinha algumas propostas para resolvê-los.

Entre outros, o Brasil escolheu o meio ambiente. Num primeiro discurso, Lula da Silva já havia adiantado que os esforços internacionais para combater as mudanças climáticas eram insuficientes.

Até aí nada demais. A própria ONU já admitira que as metas do Acordo de Paris estão ultrapassadas pela realidade. Supor que a temperatura aumentará, acima dos níveis pré-industriais, 1,5 grau até 2030 é uma ilusão, pois esse marco está para ser ultrapassado. Na verdade, o que pode acontecer até o fim do século é um aumento de 3 graus.

O relativo fracasso humano em conter o aquecimento não se limita ao exame do termômetro. O financiamento internacional para que todos os países pobres invistam na mitigação e adaptação é muito inferior às promessas.

Mas o discurso de Lula em Nova York não confirmou aquela promessa de liderança que parecia possível quando ele falou em Sharm el-Sheikh, no Egito. De lá para cá, aconteceram muitas coisas. O ritmo do aquecimento global prosseguiu e parece ter sido de certa forma acelerado pelos efeitos do El Niño.

Conforme o previsto, mas num nível mais intenso, as condições climáticas no Brasil iriam se agravar. Esperava-se chuva no Sul, mas ela veio muito mais forte. Esperava-se seca no Norte e Nordeste, mas ela veio com calor e algum vento, condições que potencializaram as queimadas.

O fato que era um personagem secundário no cenário nacional torna-se um ator importante, exigindo investimentos, pessoal e planos de ação.

A própria situação internacional do Brasil sofreu alterações. As credenciais para a liderança existem ainda: recursos naturais, capacidade de uma rápida transição energética.

Mas a imagem sofreu um pequeno abalo. A Amazônia, que representava uma esperança para o planeta, pelos milhões de toneladas de carbono que sequestra, de repente passa a emitir milhões de toneladas.

Essa nova situação é bizarra. A Noruega investe na Amazônia precisamente preocupada com o papel da floresta. Mas descobre que as emissões na Amazônia neste período de queimadas suplantam as emissões anuais da própria Noruega.

Além das razões óbvias de preservar a natureza e a saúde das pessoas, comprometida pela fumaça, um combate adequado aos incêndios é também uma forma de poder seguir influenciando a política planetária.

No diálogo internacional é impossível manter a atitude de alguns técnicos de futebol, que dizem: eu venço, nós empatamos, vocês perdem.

O Brasil segue sendo um interlocutor importante, mas precisa agora ajustar suas pretensões à realidade.

Num outro tema, o combate à fome no mundo, o Brasil tem uma boa retaguarda. Um relatório da ONU indica que houve uma queda de 85% no índice de insegurança alimentar no País.

Os cálculos realistas são de que o Brasil deixe o Mapa da Fome já no ano que vem.

Mas ainda assim o discurso de Lula deixa algumas dúvidas. Ele afirma que há alimentos suficientes para toda a humanidade e que é preciso uma decisão política. Uma tese aceitável.

Mas qual seria o caminho? Existem inúmeras iniciativas para combater a fome nos grandes países do mundo. O Brasil iria se unir a elas, liderá-las, revolucioná-las. Quais são as pontes da retórica para a prática internacional?

A guerra tem sido um grande adversário da luta contra a fome. O conflito Rússia-Ucrânia reduziu exportações de alimentos e sobretudo fertilizantes. Em Gaza a situação alimentar e higiênica é grave, tanto que foi preciso uma pequena pausa para evitar uma epidemia de pólio, através da vacinação.

A população do sul do Líbano está abandonando algumas casas, ainda há conflitos no Iêmen, República Democrática do Congo, insurgência do Boko Haram na Nigéria, sem contar as dificuldades crônicas do Haiti.

Em termos práticos, o Brasil está combatendo a fome na Venezuela porque recebemos diariamente 600 refugiados. Só em Pacaraima, o Exército distribui 400 refeições por dia.

O meio ambiente, a fome e a própria reforma da ONU são temas que seguem na pauta no ano que vem.

Não são descartáveis. Mas não podem ser uma simples repetição burocrática. É preciso, a cada ano, confrontá-los com a realidade.

De um modo geral, discursos de líderes na ONU repercutem mesmo nos seus países de origem. É o lugar onde todos em tese conhecem a realidade, as virtudes e os truques retóricos dos dignatários.

Os discursos não mudam o mundo nem sacodem a monotonia do plenário. No entanto, é preciso fazê-los como se isso fosse possível. Fazê-los com base numa prática real, ancorados numa prática cotidiana.

Por enquanto, os discursos em Nova York se sucedem e o tom na ONU continua tranquilo. É o planeta que está em transe, mas não há ainda a disposição prática de pegar o touro à unha. A burocracia internacional continua enamorada de suas palavras, papéis e documentos.

Em tese, diria que possivelmente no próximo ano tudo vai se repetir. Acontece que as próprias mudanças climáticas produzem anos muito diferentes. Ninguém sabe como será o próximo setembro.

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terça-feira, 24 de setembro de 2024

DOM PEDRO 1º : UMA CONSTITUIÇÃO E UM FUNERAL

Isabel Lustosa, Folha de S. Paulo

Nos 190 anos da morte do primeiro líder do Brasil independente, sabe-se que o imperador exibiu contradições, mas obteve sucesso ao realizar seus ideais

No mesmo ano em que se comemoram os 200 anos da Carta Constitucional que dom Pedro 1º outorgou ao país em 25 de março de 1824, relembram-se, nesta quarta-feira (24), os 190 anos da morte deste que foi o primeiro governante do Brasil independente.

Entre a outorga da Carta e a morte dramática do ex-imperador no Palácio de Queluz, em 24 de setembro de 1834, pouco mais de dez anos se passaram. As singulares circunstâncias do personagem estão na origem da velocidade e da intensidade dos acontecimentos que mudaram sua vida.

Em 1824, foi conflagrada em Pernambuco a Confederação do Equador, a mais violenta revolta armada que abalou o Primeiro Reinado. No ano seguinte, tiveram lugar as sinuosas negociações com a Inglaterra para fazer com que Portugal reconhecesse a Independência do Brasil. Em 1826, morreu dom João 6º. Apesar de ser seu legítimo herdeiro, dom Pedro era imperador do Brasil e teve que abdicar da coroa portuguesa em favor da filha mais velha. No final daquele mesmo ano, sofreu a morte da imperatriz, leal companheira tão ofendida e humilhada pelo marido. Ainda em 1826, houve a retomada do funcionamento regular do Parlamento —o qual, ao longo dos anos seguintes, seria cada vez mais agitado por uma oposição aguerrida, que, apoiada e insuflada pela imprensa livre, acabaria por obrigá-lo a também abdicar do trono brasileiro em 7 de abril de 1831.

O exílio abriu para dom Pedro uma fase marcada por desafios muito diferentes dos que enfrentara no Brasil. Usando o título de Duque de Bragança, viveu um semestre em Paris, buscando o apoio necessário para a causa da filha. Em 1828, a coroa de dona Maria 2ª fora usurpada pelo tio dom Miguel, o irmão mais novo de dom Pedro. Retomá-la passou a ser seu principal objetivo.

Para isso, foi à guerra em Portugal. Resistiu por mais de um ano ao cerco à cidade do Porto —onde descobriu que não era Napoleão Bonaparte, um general capaz de comandar um exército, mas que podia ser um valoroso soldado a serviço da causa da rainha e da Constituição portuguesa. Cavou trincheiras, expôs-se a perigos, privações, doenças e medos. Aprendeu o exercício da humildade quando precisou suplicar ao general Saldanha, a quem tanto combatera, que assumisse o comando das forças militares.

Venceu. Pôs a filha no trono e foi benevolente com os inimigos, inclusive com o irmão. Benevolência repudiada pelos liberais aos quais entregara o poder. Como prêmio de seu sacrifício, sofreu uma tremenda vaia no teatro na última vez em que, já muito doente, ali apareceu. O melhor elogio que lhe foi feito foi publicado em um jornal francês: "D. Pedro n'est plus". Com essas palavras singelas ("Dom Pedro não existe mais"), "O Constitucional" abriu o necrológio do primeiro imperador do Brasil.

Como outros textos em homenagem a dom Pedro publicados na imprensa europeia, ressaltam-se ali suas qualidades, seu heroísmo e seu desprendimento por ter recuperado a coroa portuguesa para a filha, tendo se contentado com o título de regente. Uma coroa que, diz o jornal francês, poderia muito justamente ter colocado sobre a própria cabeça.

Dom Pedro foi um príncipe da dinastia Bragança, casa que reinava em Portugal desde 1640. Pela morte do irmão mais velho, em 1801, tornara-se herdeiro do trono. Mas as monarquias europeias tinham sido transformadas pela Revolução Francesa e pelo avanço das ideias liberais. Não é possível entender a atuação de dom Pedro 1º sem levar em conta esses dois fatos: o pertencimento a uma dinastia do antigo regime e sua adesão ao constitucionalismo —que, desde a Independência dos Estados Unidos, predominava no debate político internacional.

Se pensarmos que o sucesso de alguém pode ser medido pela realização de seus ideais, podemos dizer que, diante de ideais tão contraditórios —a convicção de seu direito legítimo à sucessão portuguesa e o respeito às constituições—, o sucesso de dom Pedro foi absoluto. Deu ao Brasil e a Portugal constituições longevas e colocou sobre o trono desses dois países seus legítimos herdeiros.

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segunda-feira, 23 de setembro de 2024

PRISÃO DECRETADA

Artur Ferraz, Júlia Montenegro, g1 PE e TV Globo

Justiça decreta prisão de Gusttavo Lima em operação contra lavagem de dinheiro e jogos ilegais

Cantor é um dos alvos da Operação Integration, que prendeu a influenciadora Deolane Bezerra. Defesa diz que 'é uma decisão totalmente contrária aos fatos já esclarecidos' e que vai provar a inocência dele.

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) decretou, nesta segunda-feira (23), a prisão do cantor Gusttavo Lima. A decisão foi tomada em meio às investigações da Operação Integration, que apura um suposto esquema de lavagem de dinheiro pelo qual também foi presa a influenciadora digital Deolane Bezerra. A decisão judicial cita "conivência com foragidos".

O mandado de prisão preventiva foi expedido pela juíza Andrea Calado da Cruz, da 12ª Vara Criminal do Recife. Procurada, a defesa do cantor disse que "é uma decisão totalmente contrária aos fatos já esclarecidos" e que vai provar a inocência dele (veja a íntegra da nota mais abaixo).

"A conivência de Nivaldo Batista Lima [nome verdadeiro de Gusttavo Lima] com foragidos não apenas compromete a integridade do sistema judicial, mas também perpetua a impunidade em um contexto de grave criminalidade", diz trecho da decisão da magistrada, à qual o g1 teve acesso.

Para embasar a justificativa, a decisão cita que Gusttavo Lima deu "guarida a foragidos" e cita uma viagem em que o cantor fez com o casal de investigados na Operação Integration, José André e Aislla, de Goiânia para a Grécia.

"No dia 7 de setembro de 2024, o avião de matrícula PS-GSG retornou ao Brasil, após fazer escalas em Kavala, Atenas e Ilhas Canárias, pousando na manhã do dia 8 de setembro no Aeroporto Internacional de Santa Genoveva, em Goiânia. Curiosamente, José André e Aislla não estavam a bordo, o que indica de maneira contundente que optaram por permanecer na Europa para evitar a Justiça."

A Operação Integration foi deflagrada no dia 4 de setembro, resultando na prisão de Deolane Bezerra e de outros investigados. Na mesma data, entre as diligências da operação, foi apreendido, pela Polícia Civil de São Paulo, um avião que pertencia a uma empresa de Gusttavo Lima, Balada Eventos e Produções. A aeronave, prefixo PR-TEN, foi recolhida por policiais enquanto passava por uma manutenção no aeroporto de Jundiaí, no interior paulista.

Na ocasião, o advogado da Balada Eventos e Produções, Cláudio Bessas, informou ao g1 que a aeronave foi vendida por meio de contrato de compra e venda, devidamente registrado junto ao Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB-Anac), para a empresa J.M.J Participações.

Procurada, a Anac informou que havia uma negociação, porém a empresa de Gusttavo Lima ainda constava como proprietária do avião.

No dia seguinte à apreensão do avião, o cantor Gusttavo Lima usou as redes sociais para dizer que não tinha nada a ver com o avião apreendido durante a Operação Integration.

“O bebê não pode pegar uma semana de descanso! Estão dizendo aí que o meu avião foi preso, gente…Eu não tenho nada a ver com isso, me tira fora disso. Esse avião foi vendido no ano passado. Honra e honestidade foram as únicas coisas que sempre tive na minha vida, e isso não se negocia”, afirmou o cantor, em suas redes.

O avião foi fabricado em 2008 pela Cessna Aircraft e é homologado para transporte, com capacidade para 11 pessoas, incluindo uma tripulação mínima de dois pilotos, sem permissão para operação de táxi aéreo.

A decisão desta segunda foi publicada depois que o Ministério Público devolveu o inquérito à Polícia Civil, pedindo a realização de novas diligências e recomendando a substituição das prisões preventivas por outras medidas cautelares.

Além da prisão de Gusttavo Lima, a juíza decretou a prisão preventiva de outro suspeito, identificado como Bóris Maciel Padilha. No mandado, ela determinou a suspensão do passaporte e do registro de posse e "eventual porte" arma de fogo dos investigados.

O que diz a defesa de Gusttavo Lima

"A defesa do cantor GUSTTAVO LIMA recebeu na tarde desta segunda-feira (23/09), por meio da mídia, a decisão da Juíza Dra. ANDRÉA CALADO DA CRUZ da 12ª Vara Criminal de Recife/PE que decretou a prisão preventiva do cantor e de outras pessoas e, esclarece que as medidas cabíveis já estão sendo adotadas.

Ressaltamos que é uma decisão totalmente contrária aos fatos já esclarecidos pela defesa do cantor e que não serão medidos esforços para combater juridicamente uma decisão injusta e sem fundamentos legais.

A inocência do artista será devidamente demonstrada, pois acreditamos na justiça brasileira. O cantor GUSTTAVO LIMA jamais seria conivente com qualquer fato contrário ao ordenamento de nosso país e não há qualquer envolvimento dele ou de suas empresas com o objeto da operação deflagrada pela Polícia Pernambucana.

Por fim, esclarecemos que os autos tramitam em segredo de justiça e que qualquer violação ao referido instituto será objeto e reparação e responsabilização aos infratores."

Relembre a cronologia do caso:

  • Em julho deste ano, Deolane Bezerra abriu uma empresa de apostas, Zeroumbet, com capital de R$ 30 milhões.
  • Em 4 de setembro, a empresária e influenciadora digital foi presa na Operação Integration, deflagrada contra uma quadrilha suspeita de movimentar cerca de R$ 3 bilhões num esquema de lavagem de dinheiro de jogos de azar.
  • A Justiça determinou o bloqueio de R$ 20 milhões de Deolane e de R$ 14 milhões da empresa dela por lavagem de dinheiro. Na delegacia, a influenciadora afirmou que sua renda mensal é de R$ 1,5 milhão.
  • Além de Deolane Bezerra, foram presas mais de 10 pessoas suspeitas de integrar o esquema, incluindo o empresário Darwin Henrique da Silva Filho, dono da casa de apostas Esportes da Sorte, e a esposa dele, Maria Eduarda Filizola.
  • Em depoimento após ser presa, Deolane confirmou que comprou um carro de luxo de Darwin, um Lamborghini Urus S, por R$ 3,85 milhões.
  • Segundo a Polícia Civil, os pagamentos à vista pela compra e pela venda de carros de luxo feitas pela empresa e pelo empresário geraram indícios de que houve "lavagem de dinheiro proveniente do jogo do bicho e de apostas esportivas".
  • Ainda no dia 4, após a prisão, Deolane escreveu uma carta, publicada no Instagram, dizendo que está sofrendo "uma grande injustiça", que ela e a família são vítimas de preconceito e lamentou a prisão da mãe.
  • Segundo a Polícia Civil de Pernambuco, a Justiça decretou o sequestro de bens de vários alvos, incluindo aeronaves e carros de luxo, e o bloqueio de ativos financeiros no valor de R$ 2,1 bilhões. Ao todo, a polícia solicitou que R$ 3 bilhões fossem bloqueados.
  • No dia 9 de setembro, Deolane deixou a cadeia no Recife, após ser beneficiada com um habeas corpus. Ela ficaria em prisão domiciliar e teria que usar tornozeleira eletrônica.
  • Antes mesmo de entrar no carro para ir embora, Deolane falou com a imprensa na frente do presídio: "Foi uma prisão criminosa, cheia de abuso de autoridade por parte do delegado. [...] Eu não posso falar sobre o processo. Eu fui calada".
  • Na noite de 9 de setembro, uma nova carta escrita por Deolane foi publicada no Instagram. "Agradeço imensamente o carinho e o apoio de todos, tenham certeza que não irão se arrepender, afirmo com todo o respeito que tenho por vocês, sou inocente e não há uma prova sequer", disse no trecho final do manuscrito.
  • No dia 10 de setembro, Deolane teve a prisão domiciliar revogada, após o descumprimento das medidas cautelares para sua liberação, e seguiu para o presídio em Buíque, no Agreste de Pernambuco.
  • No dia 11 de setembro, o Tribunal de Justiça de Pernambuco negou outro pedido de habeas corpus feito pela defesa de Deolane. O juiz alegou, entre outros motivos, "financiamento de manifestantes [para protestar contra a prisão dela] por iniciativa de familiares".
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CADEIRADA, EXPLOSÃO DE PAGERS E MUITA FUMAÇA

Artigo de Fernando Gabeira

O avião decolou à noite, em Brasília, e, ao ganhar altura, seus motores produziram um som regular e monótono. “Dez mil pés”, diz o piloto ao microfone. Encostei a cabeça na cadeira e me preparei para entrar naquele longo túnel escuro, sabendo que, no fim dele, encontraria os refugiados venezuelanos e os maltratados ianomâmis, que, nas aulas de antropologia, são vistos como povo cheio de orgulho.

Esperava uma nova onda migratória depois que a oposição ganhou, mas não levou, a eleição na Venezuela. Vejo famílias caminhando pela BR-174, em busca de água para banho. É a nova leva, pós-eleitoral, que chega aos milhares a uma Roraima exausta. Minha ideia era me concentrar só nisso. Faria também uma curta viagem a Lethem, na Guiana, e me atualizaria sobre os ianomâmis.

Um cego vendendo balas nas filas enormes, crianças brincando de fazer casa com pedaços de papelão, velhos sonhando com o asilo para trazer suas mulheres doentes e conseguir salvá-las no Brasil, um arquiteto chorando de emoção diante da chance de recomeçar. É o quadro em Pacaraima.

Essas multidões em trânsito — tangidas pelas guerras, ditaduras e desastres naturais — são a humanidade em movimento e o tema recorrente da política na Europa e nos Estados Unidos. O mundo nem sempre reconhece seu drama, envolto no espetáculo cotidiano. O Brasil não percebe tanta gente batendo à porta, porque a discussão central é a cadeirada de Datena em Pablo Marçal. Lado político, ético, jurídico e até fisiológico, a imagem da cadeira quebrando no peito de Marçal eletriza o país.

Fora, a trama tecnológica da espionagem intriga o mundo. Explodem os pagers do Hezbollah, os walkie-talkies, não se sabe o que pode explodir mais no Líbano, terra dos meus antepassados. Talvez liquidificadores, micro-ondas, aparelhos de audição, máquinas de lavar, marca-passos, próteses de titânio, todo artefato sólido se desfaça em mil fragmentos.

A discussão sobre a cadeirada iria mais longe se a fumaça dos incêndios nos desse mais fôlego, se não tivéssemos de cuidar dos pulmões ameaçados em grande parte do país. Deveríamos ter levado a sério os conselhos de Tom Jobim. Os brasileiros precisam obter licença para comprar caixa de fósforo. Eles as transformam facilmente em armas de fogo, incendiando matas e lavouras.

É preciso cavar espaço para falarmos de uma ditadura que mata, tortura, comete violência sexual e faz fronteira com o Brasil. Não estou me baseando apenas em relatos de gente que foge da Venezuela. A violência do governo Maduro foi tema de um relatório da ONU que, a julgar pela descrição dos seus crimes, põe a Venezuela entre as ditaduras mais cruéis do planeta.

E, se pudermos nos sentar na cadeira, seria interessante falar sobre eleições, sobretudo na grande metrópole. É arrogância dar sugestões, posso apenas perguntar. Num lugar tão poluído e com tantas doenças respiratórias, não seria razoável um projeto para reduzir esses males? Numa cidade com tanto asfalto e cimento, não seria interessante construir, por meio das plantas, esponjas para absorver as águas, como já fazem os chineses? Com tantas ilhas de calor, não seria interessante um projeto para atenuar a vida nesses espaços? O planeta só esquenta.

O calor aqui em Roraima é muito forte. Os incêndios vieram e se foram mais cedo. Quando começa a noite, chove intensamente, a tempestade quebra o vidro dos hospitais, corta a luz, ouvimos apenas o barulho da água caindo e vemos relâmpagos, tudo no escuro, o que nos dá uma sensação de tempos ancestrais e um desejo de recomeço do mundo, sobretudo daqui para baixo, no lugar que um dia se chamou Vera Cruz, Santa Cruz — vocês sabem do que estou falando.

Há seca em grande parte da Amazônia, os incêndios aqui produzem mais emissões de CO2 que a Noruega. E aqui estava a esperança do mundo, que, por sinal, emudeceu diante de sua tragédia.

Artigo publicado no jornal O Globo em 23/09/2024

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sábado, 21 de setembro de 2024

A LENTIDÃO DA CONSCIÊNCIA ELEITORAL

José de Souza Martins, Valor Econômico

Já próximos do dia de votação, mesmo na nebulosidade da campanha, o eleitor começa a compreender qual é o jogo, quanto há de falso e de verdadeiro nas candidaturas

Não está claro em que momento do processo eleitoral o eleitor começa a tomar consciência de que já começou e começa a se interessar por seu lugar e seu protagonismo nele. Refiro-me à subjetividade política do cidadão.

Esse é um momento cíclico e rotineiro da manifestação da vontade política dos cidadãos. A decisão do voto é a da sua invenção na tomada de consciência das armadilhas que procuram tolher-lhe o direito de livre opção eleitoral.

Aqui esse momento é demorado e não é rotineiro. Os partidos e os eleitores com ele se defrontam e nele se integram como um movimento anômalo e convulsivo da política.

Não raro pressupõem que as possíveis mudanças decorrentes de uma eleição devem ser temidas. A insurreição golpista de 8 de janeiro de 2023 expressou essa concepção anômala da política de maneira dramática, muitas pessoas levadas ao desespero na manifestação apocalíptica do seu inconformismo.

A incerteza tem enredo e protagonistas, mesmo em eleições municipais como a de agora. Dois agrupamentos de circunstância disputam os votos.

De um lado, o “partido” dos grupos e agremiações que tomam o pleito por decidido antes que o eleitor chegue a conclusões próprias sobre o que pode estar em jogo no processo eleitoral. De outro lado o dos que conseguem compreender a peculiar diversidade de possibilidades ao longo do processo eleitoral e a examinam elaborando seu discernimento político.

Para esse eleitor a consciência política é dinâmica. Expressa o entendimento de que a eleição só termina com o fechamento das urnas e a proclamação dos resultados. A escolha do eleitor não é apenas entre candidatos e partidos. É escolha entre as revelações do jogo político e suas artimanhas.

Aqui, o eleitor consciente sabe que querem enganá-lo ao não lhe dizerem tanto o que a campanha eleitoral revela quanto, principalmente, o que esconde. A descrença na política e nos partidos deve muito à equivocada concepção de que a eleição é uma fraude e de que o político é um mentiroso.

Esse eleitor, porém, consegue definir o que está em jogo sem enunciar suas próprias referências em face das alternativas que melhor expressem o que de fato está em jogo na disputa. Seu candidato, em última instância, será o que, nas horas finais da campanha, resultará não de sua escolha, mas de sua invenção. É muito difícil, apurados os votos, saber em que, e não apenas em quem, os eleitores votaram.

Este é o momento em que o tempo da verdade do voto começa a se definir. Não um nome necessariamente. Já próximos do dia de votação, mesmo na nebulosidade da campanha eleitoral, o eleitor já começa a compreender qual é o jogo, o quanto há de falso e o quanto há de verdadeiro nas candidaturas em disputa. O resultado da eleição não será o de nomes, mas o de revelações políticas.

Nas grandes cidades, sua diversificação social e política, a intensidade e amplitude dos problemas sociais, a fragilidade de vários dos candidatos na compreensão dos dramas decorrentes da urbanização patológica, clara em cidades como São Paulo, a distância entre os poderes públicos e as complexas necessidades sociais da população, criam uma peculiar consciência urbana, que é a das insuficiências. Hoje, a cidade de São Paulo está muito aquém do que poderia ser e do que precisa ser para torná-la a metrópole que se pretende.

A disputa eleitoral pela prefeitura e pelo poder de governá-la envolve uma personagem política oculta na trama confusa da manipulação, tão própria do que é a eleição. Envolve o morador, o protagonista decisivo da sociedade urbana e da cidade.

Henri Lefebvre foi motorista de táxi, em Paris, para compreender sociologicamente as categorias de pensamento que o morador desenvolve e mobiliza para nela viver. Ele é sobretudo seu usuário, personagem das tensões entre o de que carece nessa condição e as insuficiências do que pode dispor para seu uso social.

Por esse meio, Lefebvre descobriu as três categorias de consciência social relativas à espacialidade urbana: o vivido, o percebido e o concebido. Em muitos municípios brasileiros, nesta eleição, esses níveis de compreensão estão de algum modo presentes, em diferentes intensidades.

No caso de São Paulo, a maioria dos eleitores e dos partidos mostra que se movem apenas do terreno do percebido. Não conseguem reconhecer as contradições do vivido. E não se interessam pelas revelações possibilitadas pelo percebido e pelo vivido. Isto é, pela dimensão propriamente política da política.

O eleitor consciente, como indicam as pesquisas de opinião eleitoral, está à beira do abismo de se tornar minoria na cultura da decadência política. Ele será nesta eleição o eleitor insurgente das revelações do vivido.

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sexta-feira, 20 de setembro de 2024

URGÊNCIAS QUE COLOCAM O PAÍS EM RISCO

Fernando Abrucio, Valor Econômico

Entre os grandes problemas atuais, o primeiríssimo da lista é a questão ambiental e climática. A resolução dela é essencial para evitarmos uma destruição enorme de nossas estruturas econômicas e sociais

Países que não enfrentam urgências severas podem pagar um custo muito alto. E não se trata apenas dos efeitos mais imediatos, capazes de matar pessoas, como na pandemia de covid-19, ou gerar recessão e perda de empregos. Algumas questões prementes têm consequências temporais mais longas.

O Brasil tem hoje temas urgentes a enfrentar que podem piorar as condições de curto e de longo prazo. Se a sociedade não se mexer para tirar a classe política do modo tartaruga ou avestruz de ser, teremos uma década muito difícil pela frente, com perdas que afetarão fortemente a qualidade de vida dos cidadãos.

A procrastinação das urgências é uma marca da história brasileira. A abolição da escravatura é o melhor exemplo. O país tinha sido colonizado por um padrão escravocrata que gerara uma sociedade muito desigual, embebida na barbárie. O patriarca da Independência, José Bonifácio, já propusera em 1823 o fim gradual da escravidão, que teria terminado, se sua proposta tivesse sido aceita, na década de 1850.

Mas o fim desse modelo bárbaro só se deu em 1888, quase 40 anos depois do que imaginava o membro mais ilustrado da elite brasileira. E assim o Brasil foi o último país ocidental a sair da lista infame dos que escravizavam pessoas, com efeitos terríveis no curto prazo de então e consequências nefastas até hoje.

A resolução da questão educacional passou por um processo ainda mais longo de procrastinação. Embora a primeira legislação (Lei da Instrução Pública) seja de 1827, o acesso e a permanência das crianças pobres na escola só foi efetivamente garantida depois da Constituição de 1988!

Durante mais de 160 anos, a imensa maioria da população infantil não teve suas oportunidades educacionais garantidas, gerando uma desigualdade profunda. Ou não havia vagas e infraestrutura escolar por perto ou então, e da forma mais relevante depois da Segunda Guerra Mundial, o processo pedagógico fora montado para expulsar os estudantes mais pobres dos níveis mais altos de escolarização, com taxas de repetência e distorção idade-série gigantescas, colocando o Brasil entre os líderes no fracasso escolar pelo mundo.

Ao perder o acesso às oportunidades educacionais, a grande maioria da população tinha menos chance de ascensão social. Por décadas o Brasil reproduziu essa enorme desigualdade em termos de formação escolar, com efeitos para os que viviam aquilo e para seus filhos, netos e bisnetos.

Começamos a mudar esse cenário recentemente, mas ainda há uma longa lista de urgências no campo da educação, como o investimento na primeira infância e a transformação do ensino médio numa alavanca para o desenvolvimento dos jovens.

Apesar desse triste legado, em alguns momentos o Brasil soube lidar satisfatoriamente com as urgências. Assim foi com o trabalho liderado por Oswaldo Cruz no combate à febre amarela, que reduziu drasticamente a doença num curto período de tempo, produziu reformas sanitárias e gerou uma geração brilhante de cientistas, pais fundadores do sanitarismo moderno cujo filho mais dileto é o SUS, um marco civilizatório para o país.

Vargas também soube na década de 1930 criar um novo padrão de desenvolvimento de que o país precisava urgentemente, acima de tudo para tirar a nação do ruralismo arcaico e oligárquico. Contra a República Velha, a ação varguista foi essencial para a industrialização e urbanização do país. Além disso, foram criadas as bases de uma administração pública moderna, mesmo que em apenas algumas parcelas do governo federal, mas que geraram sementes para outras transformações no Estado brasileiro no século XX.

Nem toda a modernização varguista foi perfeita, pois havia incompletudes e fragilidades em seu projeto, como a ausência de um projeto educacional e seu modus operandi autoritário, depois copiado pelos militares no poder. No entanto, para os desafios daquela época, Vargas foi um grande reformador.

No período mais recente, é possível destacar dois eventos em que o sentido de urgência venceu a letargia e produziu transformações positivas. Um foi o Plano Real, que, aprendendo com o fracasso das iniciativas anteriores, gerou uma enorme mudança no padrão inflacionário do país e plantou, ao longo de alguns anos, reformas que têm garantido uma estabilidade econômica inédita na história do Brasil. Ainda há tarefas importantes no front econômico, mas sem esse passo estaríamos tal qual a Argentina de hoje, com um novo populista - no caso, extremista autoritário - tentando corrigir os erros anteriores dos populistas peronistas.

O outro exemplo é o da Constituição de 1988, que propôs um novo modelo civilizatório baseado nos direitos dos cidadãos. Deu-se um sentido de urgência ao combate das desigualdades e à construção da democracia, tarefas postergadas por quase toda a história brasileira.

Desse pacto constitucional emergiram várias reformas durante três décadas, com melhorias evidentes na vida da população. Entretanto, a realidade mudou bastante e novos (e enormes) desafios têm surgido. Só que o ímpeto reformista da redemocratização perdeu o fôlego.

O Brasil precisa recuperar o sentido de urgência frente a alguns temas para não perder o rumo da história. Entre os grandes problemas atuais, quatro se destacam pelo tremendo impacto que podem causar hoje e no futuro da sociedade brasileira. O primeiríssimo da lista é a questão ambiental e climática. A resolução dela é essencial para evitarmos uma destruição enorme de nossas estruturas econômicas e sociais. Não haverá agronegócio sem equacionarmos tal problema, bem como teremos menos águas para consumo humano, uma qualidade do ar insuportável e perda irreparável da fauna e da flora. Em suma, trocaremos a riqueza de nossa diversidade territorial pelo cenário distópico dos desastres sem fim.

Muitos chamariam esse cenário de fantasioso antes de o Brasil se transformar numa grande labareda que se espalhou por grande parte do território nacional. A necessidade de uma autoridade climática é para ontem e sua urgência deve vencer tanto os negacionistas e os que só pensam em manter seu modo arcaico de produzir riqueza, quanto os que acham que o desenvolvimento industrial e energético do século XX tem algum futuro.

A segunda urgência que assombra o Brasil atual é a do crescimento do poder e da influência do crime organizado. Quando as pesquisas constatam que os eleitores das capitais consideram a segurança pública o seu maior problema, candidatos apresentam soluções tópicas para reduzir a sensação de medo da população.

Muitas dessas propostas não estão erradas em si, mas elas contornam a causa maior da violência urbana: são grupos organizados, com franca entrada em setores estatais, que produzem os crimes em larga escala. E para manterem essa força, as facções criminosas têm entrado na política eleitoral, inclusive apoiando candidatos em grandes cidades. Será que estamos próximos de ter um Al Capone governando alguma capital brasileira?

A ação conjugada de todos os entes federativos, o investimento maciço em inteligência policial, a profissionalização de todas as organizações da segurança pública, a transformação do sistema penal e penitenciário para que ele não seja um combustível para termos mais criminosos, entre os pontos principais, são tarefas fundamentais. Mas tais reformas precisam de lideranças e de consensos mobilizadores, sem os quais o crime organizado continuará aumentando seus tentáculos.

O enfrentamento de qualquer urgência depende da melhoria da efetividade das políticas públicas. Está aqui um terceiro ponto que não tem merecido a atenção devida. Pensa-se em geral a reforma administrativa como corte de custos, o que pode ser até um dos objetivos. A tarefa maior, contudo, é melhorar o desempenho do Estado brasileiro. Além do mais, é preciso atuar em temáticas que não estão no topo das prioridades da agenda pública. O crescimento do eleitorado que apoia propostas extremistas e/ou exóticas será tanto maior quanto menos avançarmos na gestão pública.

Entra aqui a urgência das urgências, pois é o pontapé inicial para a mudança: a democracia brasileira tem sido garantida pelas instituições e pelos atores políticos, porém tornou-se fracamente reformista num cenário de grandes desafios.

Boa parte da classe política precisa ser retirada de seu mundo paralelo e ensimesmado, cheio de recursos públicos e formas de proteção frente aos controles social ou institucional, lidando com os problemas efetivos do país pela combinação do modo tartaruga com o comportamento avestruz.

Na verdade, esse é um retrato que capta mais a arena congressual e dos partidos. No caso do Executivo federal, falta uma combinação de inovação, ousadia e poder para lidar com o seu novo lugar no presidencialismo de coalizão. Daí que a mola que poderia alterar essa situação está na organização da sociedade. O problema é que ela está cada vez mais fragmentada e seus grupos organizados têm, em geral, dificuldades hoje de apresentar uma visão mais global que ultrapasse os seus interesse imediatos.

De todo modo, o sentido de urgência precisa ser recuperado para garantir não só um futuro melhor, como evitar a perda das conquistas dos últimos 30 anos. Seria preciso recuperar a conexão entre uma sociedade civil, no sentido que havia na redemocratização, com a classe política. Tarefa muito complexa, mas que já não pode ser mais adiada.

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quinta-feira, 19 de setembro de 2024

HACKEANDO MARÇAL

Malu Gaspar, O Globo

Cadeirada de Datena mostra que melhor forma de desmascarar Marçal é hackear seus métodos

A principal razão por que Pablo Marçal (PRTB) capturou uma fatia do eleitorado paulistano e se converteu na grande novidade da campanha deste ano foi a transposição, para a política, do método Marçal, que ele mesmo explica ser ancorado na economia da atenção. Nesse método, tudo gira em torno da máxima segundo a qual não importa o que se diz, mas o impacto que se causa. Quanto mais impacto, mais voto.

O que interessa é conseguir que todos falem de você, seja por bancar o palhaço em debates, por inventar propostas mirabolantes ou por abusar da agressividade e de mentiras. O próprio Marçal já disse que precisava se comportar como idiota porque é disso que o eleitor gosta. A pegada antissistema em que ele se enquadrou é um imperativo algorítmico, e não necessariamente consequência de convicções pessoais. De antissistema, afinal, o ex-coach não tem nada.

Mas eis que, depois de semanas reinando sobre a desorientação dos adversários, foi Marçal quem se viu desorientado pela cadeirada recebida de José Luiz Datena (PSDB), no debate de domingo realizado pela TV Cultura.

Agressões são sempre abomináveis, ainda mais quando ocorrem num ambiente onde se deveria dar exemplo à população. O episódio lamentável, porém, ensinou que o aparentemente imbatível método Marçal tem seus limites. Eles começam quando o personagem virtual é obrigado a lidar com uma realidade que escapa a seus cortes para o Instagram.

Marçal já tinha se preparado para criar uma briga, tanto que na véspera avisara que o debate seria “a maior baixaria da História”. Não previa que Datena fosse hackear seu método usando um gesto de impacto para o qual o ex-coach claramente não tinha um roteiro pronto. Parecia até que o apresentador tinha assistido a um vídeo em que Marçal, ao contar como acabou com o chilique do filho se jogando no chão com ele, diz que “remédio para doido é um doido e meio”.

Outra lição a tirar do episódio é que o eleitor pode até gostar do entretenimento e se sentir vingado com os “ataques ao sistema”, mas não é esse idiota caricato que Marçal imagina. O manual básico do influencer moderno ensina que seu “personagem” precisa ser autêntico para gerar identificação. Do contrário, cedo ou tarde, o público percebe e rejeita. Pelo jeito, Marçal se considerava imune a essa máxima.

Os vídeos gravados nos bastidores do debate mostram que ele andava normalmente no estúdio depois da agressão, levantou os braços com vigor, desafiando Datena, e chegou a se posicionar diante do púlpito para voltar ao debate.

De repente, porém, saiu do local numa ambulância, de onde postou imagens tomando oxigênio numa maca, como se estivesse numa grave emergência. Sua equipe divulgou que ele tinha fraturado uma costela, mas a foto do hospital mostrava uma pulseira de cor verde, usada para indicar casos pouco urgentes.

O pastelão foi tão flagrante que, pela primeira vez na campanha, a internet se voltou contra Marçal. As análises de consultorias digitais mostraram que a maioria das citações a ele nas redes tinha conteúdo negativo ou de deboche.

Grupos de pesquisa qualitativa das equipes adversárias mostravam que os eleitores dele estavam envergonhados com a gozação generalizada, especialmente os homens mais jovens, e muitos achavam que não deveria ter abandonado o debate. Como, afinal, o sujeito que ensina nos vídeos a lutar contra tubarão e onça acaba no hospital por uma cadeirada de um idoso?

Marçal percebeu rapidamente que sua estratégia passara do ponto, tanto que no dia seguinte já saiu do hospital só de tipoia, anunciou que faria campanha de rua e disse que iria para cima dos outros candidatos no debate de terça-feira. Em poucas horas, saiu da pele de ex-coach de costela fraturada para a de lutador antissistema indignado (e muito bem de saúde).

A pesquisa Quaest divulgada ontem já trouxe alguns reflexos do erro de Marçal, com a forte campanha virtual contra ele movida por Jair Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia. Sua intenção de voto caiu pouco no geral (de 23% para 20%) e o manteve em empate técnico com Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL). Mas, nos estratos em que é mais forte — homens, jovens, evangélicos e eleitores de Bolsonaro —, o tombo foi de 5 a 8 pontos percentuais.

Essa é uma tendência permanente? É cedo para dizer, mas ficou evidente que, ao se perder no personagem, Marçal deu aos adversários pistas sobre como enfrentá-lo. Datena descobriu que a melhor forma de desmascarar Marçal é hackear seu método. Mas, para isso, não é necessário e nem recomendado desmantelar nenhuma cadeira a mais. Só usar a inteligência mesmo já basta.

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DOIS RUMOS DA POLÍTICA MONETÁRIA

Miriam Leitão, O Globo

O BC e o Fed não indicaram quais serão seus próximos passos, mas o caminho está óbvio: aqui inicia-se um ciclo de alta de juros e, lá, de queda

Os bancos centrais fizeram o que os mercados esperavam que eles fizessem. O Fed derrubou a taxa de juros em meio ponto percentual, na primeira queda em quatro anos, e o Copom subiu os juros em 0,25 ponto percentual, na primeira alta em dois anos. Brasil e Estados Unidos agora seguirão caminhos opostos, com a política monetária sendo relaxada lá e ficando mais restritiva aqui. Nenhum dos dois órgãos indicou o que fará nas próximas reuniões, mas está claro que o Fed inicia o ciclo de queda, o Copom, um ciclo de alta. A crítica política ronda os dois órgãos, mas aqui, é bom notar, a alta foi por unanimidade, até os indicados pelo presidente Lula concordaram com a elevação dos juros.

O BC brasileiro subiu os juros porque a inflação ficou perto do teto da meta e as expectativas são de taxa entre 4,4% e 4%, este ano, e no próximo. Pela projeção do Banco Central, só no primeiro trimestre de 2026 a inflação estará em 3,5%, sendo que a meta é 3%. Apesar de a política monetária não ter efeito nos preços no curto prazo e parte das pressões ser ocasional, o BC tem que evitar que se mantenha um índice tão perto do teto.

Na área fiscal, depois de dez anos de déficit, é possível que este ano o resultado fique perto da meta de déficit zero, mesmo assim aumentam as pressões por mais gastos e cresce a despesa obrigatória. A boa notícia é que não há previsões de descontrole inflacionário, mas, com o crescimento do país acima do esperado, boa oferta de emprego e projeções de inflação em alta, o Banco Central considerou melhor elevar os juros. Ou, como disse o comunicado do Copom: “O cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam uma política monetária mais contracionista.”

Em julho, dois dias depois da última reunião do Fed que manteve os juros, houve um número desastroso de emprego. À época, o presidente Jerome Powell havia dito que a redução da taxa de referência poderia estar sobre a mesa na reunião seguinte, ou seja, na de ontem. Com o número ruim de criação de vagas, bem abaixo do esperado, ficou claro que o corte seria mais forte e ele veio. Houve um voto por uma redução menor, de 0,25 ponto percentual, de Michelle Bowman. Ela disse haver ainda riscos inflacionários remanescentes na economia americana. Mas, na verdade, há mais indicações de um pouso suave, de convergência da inflação para a meta de 2%, e a queda de juros tenta evitar um desnecessário aumento do desemprego.

Do ponto de vista político, a queda dos juros e o pouso suave são o melhor cenário para o partido Democrata e, por isso, a candidata Kamala Harris disse que a notícia é bem-vinda, esclarecendo que ainda não está preparada para declarar “missão cumprida” no combate à inflação. O ambiente temido é o aparecimento de números ruins do PIB perto da eleição que ocorrerá daqui a 47 dias. O ex-presidente Donald Trump disse que qualquer corte de juros antes de novembro seria uma decisão política. O Fed ignorou e Powell rebateu ontem. “Nós consideramos que esta era a coisa certa para a economia e o povo ao qual nós servimos.”

Aqui também a crítica política cercou o Banco Central. O presidente Lula fez inúmeros ataques ao presidente do Banco Central, sugerindo que, num outro momento, quando Roberto Campos Neto não estivesse mais no cargo, o BC serviria mais ao Brasil. Isso acabou sendo uma armadilha para o próprio governo porque o entendimento dos economistas foi que a próxima gestão seria leniente com a inflação. Esse é o tipo de convicção que transforma profecia em realidade. Os preços sobem na aposta de que não haverá uma política monetária vigilante. Esse ruído explica em parte a alta de ontem, na primeira reunião após Gabriel Galípolo ser indicado para assumir a presidência do BC, em janeiro.

Os dois bancos centrais garantem que tomam decisões técnicas, mas lá e aqui a política monetária ficou no meio da briga política. Contudo, quando o Banco Central faz bem seu trabalho e mantém a inflação baixa, sempre favorece quem está no poder, porque o descontrole inflacionário é o pior inimigo de qualquer governante.

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O AGRONEGÓCIO PRECISA CAIR NA REAL

Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense

Um estudo técnico do Ministério da Agricultura concluiu que 31,8% das exportações brasileiras para a Europa poderão ser afetados por causa do desmatamento

O governo brasileiro estuda recorrer à Organização Mundial de Comércio (OMC) contra as medidas da European Union Deforestation Act (EUDR), a lei antidesmatamento da União Europeia (UE), que considera abusivas e entrarão em vigor a partir de janeiro do próximo ano. O principal objetivo da nova lei é impedir a importação de produtos originários de áreas que foram desmatadas, legalmente ou não, a partir de 2020. Entretanto, com a onda de incêndios florestais no Brasil, o governo terá muitas dificuldades para sustentar o pleito. As circunstâncias políticas na Europa também impedem qualquer possibilidade de abrandamento da nova legislação pela UE.

Na terça-feira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), recebeu a presidente do Conselho Federal da Alemanha, Manuela Schwesig, para tratar do assunto. Afirmou que o Senado continuará esse trabalho junto às delegações que virão ao Brasil para a Cúpula de Líderes do G20. O evento está agendado para 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro.

"Eu quero registrar a importância da intervenção do chanceler, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, e do ministro Carlos Fávaro, da Agricultura e Pecuária, justamente para que esse esclarecimento seja feito e que se possa, então, estabelecer regras que sejam claras às tradings, às grandes produtoras, aos pequenos produtores e aos médios produtores, para evitar prejuízos à produção brasileira, que é motivo de orgulho nacional", declarou Pacheco.

Na semana passada, o governo enviou uma carta à cúpula da UE pedindo que a legislação não seja aplicada, sob risco de impactar as exportações para os países da região. A nova lei tem como foco sete setores: gado bovino, café, cacau, produtos florestais (que abrange papel, celulose, bem como madeira), soja, óleo de palma e borracha. A lista inclui derivados, como couro, móveis e chocolate.

Um estudo técnico do Ministério da Agricultura concluiu que 31,8% das exportações brasileiras para a Europa poderão ser afetados. No ano passado, o Brasil vendeu US$ 46,3 bilhões ao bloco europeu. Com a lei, há impacto potencial de US$ 14,7 bilhões, valor equivalente, por exemplo, ao que o país embarcou para o Oriente Médio (cerca de US$ 15 bilhões) em 2023.

A narrativa brasileira é de que a lei punirá países que preservaram florestas. Entretanto, a falta de controle sobre as queimadas põe tudo a perder. Não dá para responsabilizar o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro por tudo o que está acontecendo. Mesmo que haja suspeita de que existe uma ação orquestrada de criminosos por trás de muitos incêndios.

Sem comprovação, apesar das investigações da Polícia Federal (PF), essa tese será tratada como teoria conspiratória e desculpa esfarrapada nos fóruns internacionais. O problema é do governo Lula, que terá que tomar medidas mais robustas de prevenção e pronta resposta contra o desmatamento e catástrofes naturais, como a que estamos vivendo agora. E do Congresso, que na atual legislatura trabalhou para mitigar a legislação ambiental, ao menos até o fogo alcançar o agronegócio de exportação.

Frente parlamentar

A Câmara dos Deputados tem debatido os impactos do regulamento da UE contra o desmatamento em cadeias produtivas e as exportações brasileiras, mas o faz com o olhar unilateral dos representantes do agronegócio. Para manter a unidade, os líderes do setor fogem como o diabo foge da cruz de qualquer discussão sobre a contenção do desmatamento e outras medidas voltadas para a proteção ambiental.

Há, sim, um setor moderno e progressista no agronegócio brasileiro, mas sua liderança é exercida apenas no terreno da produção e do comércio exterior, não se apresenta como uma força política moderna no Congresso. Fica a reboque do atraso. De fato, há problemas políticos que precisam ser levados em conta nessa matéria, porque a pressão dos agricultores europeus, principalmente da França, vem acompanhada também do fortalecimento da extrema direita nos principais países daquele continente, mais recentemente na Alemanha.

Essa é uma das razões, inclusive, para que o acordo comercial entre o Mercosul e a UE não saia do papel. A nova regulação europeia sobre o desmatamento envolve fatores complexos, que apresentam prejuízos diretos ao comércio agrícola e, principalmente, aos pequenos e médios produtores, nas condições atuais.

Do ponto de vista do direito internacional, o Itamaraty argumenta que a regulamentação extrapola os limites de legislar sobre seu próprio território e mercado, além de não observar os princípios internacionais. E incentiva o aumento das desigualdades nas relações comerciais.

Aprovada em 19 de abril pelo Parlamento Europeu, a lei determina a proibição da importação de produtos provenientes de áreas com qualquer nível de desmatamento identificado até dezembro de 2020 — seja legal ou ilegal. Entre as principais punições, estão a suspensão do comércio importador, a apreensão ou completa destruição de produtos, além de multas em dinheiro correspondentes a até 4% do valor anual arrecadado pela operadora responsável. Para entrar em território europeu, as commodities precisarão passar por rigorosa verificação.

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EMPRESAS DE MARÇAL SÃO ALVO DE PROCESSOS POR FALTA DE CARTEIRA DE TRABALHO

Artur Rodrigues, Folha de S.Paulo

Documento virou símbolo de candidato do PRTB para acusar rival de não trabalhar; empresas alegam falta de provas

São Paulo O candidato Pablo Marçal (PRTB) adotou a carteira de trabalho como um dos símbolos em sua campanha à Prefeitura de São Paulo.

O objeto foi usado para acusar seu adversário Guilherme Boulos (PSOL) de nunca ter trabalhado na vida, o que não é verdade. O assunto virou meme, e Marçal passou a exibir o documento no dia a dia da campanha.

As empresas das quais consta como sócio ou administrador, porém, sofrem uma série de processos por não registrar a carteira de funcionários e acumulam condenações.

Durante o programa Roda Viva, Marçal foi questionado pelo fato de algumas de suas empresas não terem nenhum funcionário registrado. Na ocasião, ele respondeu que "a maior parte é terceirizado, porque a gente mexe com muita tecnologia".

Os processos verificados pela Folha, porém, mostram que há relatos de funcionários como pintores, faxineiras e jardineiros que processam suas empresas pela falta de registro.

Um dos casos virou, inclusive, objeto da campanha de Boulos. O processo citado pelo psolista é contra o Resort Digital, em Porto Feliz (SP), empresa do grupo de Marçal, que tem o autointitulado ex-coach como administrador.

Além de não ter carteira assinada, um trabalhador contratado para ser gestor da fazenda disse ter sido expulso pouco antes do Natal de 2021 do local, no dia 22 de dezembro, no meio da noite, com a mulher e os três filhos. Segundo o relato do trabalhador, a família passou a noite na recepção de uma pousada da região.

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A Justiça determinou que a empresa tinha que pagar R$ 80 mil em decorrência de irregularidades trabalhistas e também a título de danos morais.

A mesma empresa foi condenada em outro caso neste ano.

A ação é relacionada a um jardineiro que relatou ter ficado três meses trabalhando sem carteira assinada e, durante um período de mais de um ano, ter passado por acúmulo de funções que incluiu a atividade de tratorista. O homem também relatou trabalhar em condições de insalubridade, por manusear venenos.

A decisão inicial foi mantida na segunda instância, com reconhecimento do vínculo trabalhista e de adicional de periculosidade.

O Resort Digital também é alvo de uma terceira ação, de um pintor que, além de dizer não ter carteira de trabalho assinada, narra ter sofrido um acidente durante o expediente.

Ele diz ter pegado uma carona em um carrinho de golfe com Marçal até o local onde faria uma pausa para uma refeição. No trajeto de volta, "o carrinho de golfe tombou, ficando todo o peso do veículo em cima do braço do reclamante", segundo o relato.

Ele diz ter ficado sem condição de trabalhar e que a empresa pagou seu salário e cuidados médicos por um ano. Após a demissão, porém, teria ficado desamparado.

"Como a empresa de Marçal não realiza o registro em carteira de seus empregados, o trabalhador não pôde acessar nenhum direito trabalhista e se viu totalmente desamparado quando foi demitido sem justa causa um ano após o acidente", diz a ação.

O caso ainda está em andamento, e uma audiência foi agendada.

Outra empresa do grupo de Marçal condenada neste ano foi a Escola Elementare, em Alphaville, em Santana de Parnaíba (Grande SP). Uma faxineira relatou que cumpria jornada controlada por um salário de cerca de R$ 1.800, mas que ficou parte do período sem carteira assinada.

A reportagem localizou ainda um quinto caso, em que um homem diz ter sido contratado como gestor/porteiro na Marçal Participações e outras empresas do grupo entre março de 2023 e dezembro do mesmo ano.

Durante esse período, ele afirma ter sido remunerado por meio do CNPJ de uma irmã, sem qualquer direito trabalhista. Além disso, declara, trabalhava de domingo a domingo, tendo apenas duas folgas a cada quinzena. O caso também ainda tem audiência pendente.

Empresas citam falta de provas; Marçal não se manifesta

Folha procurou Marçal via assessoria de imprensa para se posicionar sobre o assunto, mas não obteve resposta.

As empresas do candidato se manifestaram em parte dos processos alegando falta de provas nos relatos feitos pelos trabalhadores.

No caso homem que afirma ter sido expulso com a sua família, além de dizer que não havia comprovação do relato, a defesa do Resort Digital afirmou também que exerceu seu direito de demitir o funcionário.

No caso da condenação relacionada ao jardineiro, a defesa argumentou na ação que o profissional narra que "teria acumulado e desviado de suas funções, deixado de receber verbas rescisórias, trabalhado em jornada superior ao contratado, bem como em local perigoso e insalubre", mas "não traz qualquer prova para evidenciar o alegado".

No terceiro processo relacionado ao Resort Digital, em que o trabalhador declara acidente de trabalho, a reportagem não localizou a defesa da empresa no processo. A mesma situação aconteceu em relação ao processo contra a Marçal Participações.

No caso da faxineira que processou a Escola Elementare, a defesa também disse que ela não havia comprovado vínculo antes do período contabilizado ou as horas extras.

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quarta-feira, 18 de setembro de 2024

POLÍTICA DA CADEIRADA

Bernardo Mello Franco, O Globo

Além da cadeirada: Marçal e Datena usam mesma tática para atrair votos

Coach e apresentador apostam na negação da política para seduzir eleitores em SP

"Não sou político", diz Pablo Marçal. "Não quero ser político", repetia José Luiz Datena. Com estilos diferentes, o coach e o apresentador apostam na mesma tática. Negam a política para seduzir o eleitor e conseguir votos.

No domingo, a dupla protagonizou o pior momento da eleição de São Paulo. Até agora. Em debate na TV, Marçal chamou Datena de "arregão" e o desafiou a enfrentá-lo. O apresentador atravessou o cenário e atingiu o rival com uma cadeirada.

A agressão fez a TV Cultura interromper a transmissão ao vivo. Com ar assustado, o mediador Leão Serva incorporou o espírito de Flávio Cavalcanti: "Nossos comerciais, por favor". Para esticar o intervalo, a emissora apelou a um concerto de música clássica.

Às vésperas de escolher o próximo prefeito, São Paulo virou palco de outro tipo de show. A eleição foi capturada pela lógica das redes, que premia o escândalo e o entretenimento.

Forjado nesse ambiente, o coach conseguiu arrastar os concorrentes para a lama. Agora os políticos profissionais parecem imitar seus truques, num vale-tudo por cliques e audiência na internet.

Antes da cadeirada, os dois candidatos da antipolítica já haviam mostrado que não têm nenhum compromisso além da autopromoção.

Datena não aprendeu nem o nome dos técnicos que redigiram seu plano de governo. Em entrevista, admitiu que muitos itens do documento, registrado na Justiça Eleitoral, seriam "inviáveis".

Em outro debate na TV, Marçal ironizou a cobrança para que apresentasse alguma ideia para São Paulo: "Quem quer proposta de governo vai no site do TRE. Tá tudo lá", debochou.

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QUEM SE LEMBRA DO ENÉAS ?

Elio Gaspari, O Globo

Os herdeiros do rinoceronte Cacareco ganharam só espaço

Desde 1959, quando o rinoceronte Cacareco teve 100 mil votos para uma cadeira de vereador na eleição municipal de São Paulo, os candidatos pitorescos ganharam um espaço inédito. Só na noite de 6 de outubro se saberá se ganharam peso político. As pesquisas de outros estados mostram o contrário. Na vida real, a baixaria é alimentada por dois candidatos, só em São Paulo. No Rio, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte e nas outras capitais a campanha vai bem, obrigado.

Depois de Cacareco, vieram fenômenos como Enéas Carneiro e o comediante Tiririca. Enéas disputou três vezes a Presidência da República e chegou a conseguir 1,4 milhão de votos. Em 2002, elegeu-se deputado federal por São Paulo, com a maior votação da época, mais de 1,5 milhão de votos. Reelegeu-se em 2006 e morreu no ano seguinte. Tiririca elegeu-se deputado federal por São Paulo em 2010, também como o mais votado (1,3 milhão de votos), e está até hoje na Câmara.

Cacareco morreu no Zoológico em 1962. O quadrúpede passou pela vida pública sem deixar vestígios. Seus similares também. Ganha um archote para produzir uma queimada quem souber das contribuições de Enéas e Tiririca para a vida do país. Representaram um desconforto dos eleitores, nada mais que isso. Ninguém votou em Cacareco, Enéas ou Tiririca esperando alguma coisa. Afinal, o voto é obrigatório. Se não fosse, esse eleitor ficaria em casa.

Um cidadão que acompanhou por dez anos a Operação Lava-Jato e viu seu funeral melancólico tem razões para não acreditar em coisa nenhuma. Outra coisa é entregar a administração de sua cidade ao produto de uma vaia. Os candidatos pitorescos vestem-se com mantos radicais para nada. Fanáticos sem causa, são asteriscos que acabam esquecidos. 

Tudo isso pode fazer sentido, mas falta incluir no quadro o fenômeno Jair Bolsonaro, saído da avalanche eleitoral de 2018. Seu filho Eduardo quebrou o recorde de Enéas, elegendo-se para a Câmara com 1,8 milhão de votos. Quatro anos depois, quando o pai disputava a reeleição, teve menos da metade de eleitores.

A eleição de 2018 foi única e ainda reverbera. Lula, o principal candidato, estava na cadeia, trancado por decisão do Supremo Tribunal Federal, soprada pelo comandante do Exército. Poucos países passaram por experiências semelhantes.

A maré conservadora e antipetista elegeu os Bolsonaros. No Rio, o anônimo juiz Wilson Witzel capturou o governo do estado e foi deposto em 2021. O Supremo soltou Lula, os generais voltaram aos quartéis, e, no Rio, o candidato de Bolsonaro, sem a plumagem dos pitorescos, patina.

As pesquisas dos próximos dias dirão qual foi o efeito da cadeirada de domingo no debate da TV Cultura, e na noite de 6 de outubro virá o juízo final. O candidato Pablo Marçal é qualificado como “influenciador”. Trata-se de um vago anglicismo. Na mesma noite, se saberá se existe bolsonarismo ou se ele é um vagão atrelado a uma locomotiva conservadora.

O protesto encarnado por Cacareco era muito mais inteligente. O rinoceronte nunca disse besteira nem foi a debates. Para quem está a fim de jogar o voto fora, limitando-se a mostrar seu desconforto, aqui vão duas sugestões de candidaturas, de animais que alegram o Zoológico de São Paulo:

1 — Pepe é um chimpanzé, maior de idade.

2 — Sininho é uma fêmea de hipopótamo, filha da falecida Teteia, a decana do pedaço.

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NA ELEIÇÃO MUNICIPAL, TODOS DE OLHO EM TARCÍSIO

Fernando Exman, Valor Econômico

Reforço do governador na campanha à reeleição de Ricardo Nunes é visto como um ponto de inflexão na sua trajetória política

Aliados interessados em futuras parcerias e adversários acompanham com atenção as movimentações do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, no pleito municipal. Seu reforço na campanha à reeleição do prefeito da capital do Estado, Ricardo Nunes (MDB), é visto como um ponto de inflexão na sua trajetória política.

Há dois aspectos em jogo. O primeiro é uma demonstração de como o amplo arco de alianças que ele, filiado ao Republicanos, ajudou Nunes a construir. Onze partidos asseguram ao prefeito um grande tempo de propaganda em rádio e televisão, um instrumento que, na visão de aliados do emedebista, tem sido eficaz na neutralização de ataques feitos nas redes sociais. Na opinião de uma fonte ligada à campanha, esta disputa pode ser vista como uma espécie de “laboratório” para 2026.

O segundo aspecto é a possibilidade de Tarcísio, do Republicanos, consolidar-se como a liderança à direita com o maior potencial de aglutinar os partidos de centro e de centro-direita em uma eventual disputa contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na próxima eleição nacional.

Carioca e com carreira profissional conduzida principalmente em Brasília, Tarcísio venceu a eleição para governador de São Paulo em 2022 sob o condão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O antipetismo que vigora em parte considerável do Estado, com o qual nunca teve grandes conexões durante a vida, foi também determinante.

No início do mandato, foi chamado de “tecnocrata” por alguns que hoje se surpreendem positivamente com a sua desenvoltura na campanha de Nunes. A classificação, feita de forma crítica, vinha de quem o considerava um engenheiro mais preocupado com assuntos administrativos do que um gestor que reconhecia a necessidade de colocar a política em sua agenda diária.

É fato que Tarcísio delegou parte considerável da articulação política a auxiliares. Conseguiu, dessa forma, construir uma rede de aliados ampla. No entanto, alguns aliados nunca esconderam a insatisfação com o que consideravam uma falta de envolvimento do governador com temas de interesse do seu próprio partido e de siglas da base no Estado.

A disputa pela prefeitura da capital tem alterado essa imagem. Nas palavras de um interlocutor, o engajamento do governador está “movendo o ponteiro” das pesquisas de intenção de voto e tem tudo para ajudar a decidir a eleição de São Paulo em favor de Nunes.

Isso se deve ao cálculo pragmático, segundo o qual a administração estadual e a prefeitura precisam muito uma da outra para destravar iniciativas estratégicas.

Um exemplo é a questão da segurança pública: não há operação policial na capital bem-sucedida sem uma articulação institucional e das forças policiais locais. É um tema fundamental para o eleitor.

A revitalização do centro da cidade, a qual depende da presença do poder público em áreas hoje degradadas, é outro exemplo. Assim como o fim das cracolândias. Além disso, a privatização da Sabesp não ocorreria sem apoio de Nunes.

Ter um oposicionista na Prefeitura de São Paulo seria, do ponto de vista administrativo, muito ruim para o governador. Sob a ótica política também.

Uma vitória do deputado federal Guilherme Boulos (Psol) seria um inegável triunfo do presidente Lula, que bancou a candidatura do aliado, a despeito das resistências do PT, e também construiu o retorno de Marta Suplicy ao partido para ocupar a vice. Já uma eventual eleição do influenciador Pablo Marçal (PRTB) representaria uma grande incógnita do ponto de vista da gestão e uma fonte de instabilidade política. O ex-coach tem lançado frequentes críticas a Tarcísio durante a campanha.

Quanto a Nunes, Tarcísio teria a garantia da manutenção de uma boa relação pessoal e prosseguimento da parceria administrativa. Isso não quer dizer que o MDB como um todo fará parte do projeto do governador em 2026. Lideranças de peso da sigla defendem uma aliança com Lula, em um movimento que poderia assegurar a vaga de vice-presidente ao partido.

A postura de Tarcísio, contudo, tem chamado a atenção de líderes das outras siglas que integram a chapa anabolizada de Ricardo Nunes. Um assunto que está presente em conversas além das fronteiras do Estado de São Paulo.

Essas lideranças, que mantêm influência no Congresso e na Esplanada dos Ministérios, reconhecem que o governador enfrentou muitas pressões para abandonar Nunes no meio do caminho, mas, mesmo assim, manteve a palavra e mergulhou na campanha para impulsionar a candidatura do aliado. É algo relevante para quem cogita afastar-se do PT para robustecer uma candidatura rival em 2026.

Adversários de Tarcísio relativizam. Dizem que ele não tinha opção e precisou mergulhar de cabeça na campanha por “uma questão de sobrevivência”. Em outras palavras, para evitar que uma vitória de Pablo Marçal interdite o resto do seu mandato.

Interlocutores de Bolsonaro, por sua vez, dizem que Tarcísio dificilmente será alçado candidato a presidente do grupo que deixou o Planalto em 2022. Asseguram que hoje a escolha seria o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-mandatário, ou a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Mas o que parece haver consenso é que a eleição municipal tende a ser um divisor de águas na trajetória política de Tarcísio de Freitas.

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