terça-feira, 24 de setembro de 2024

DOM PEDRO 1º : UMA CONSTITUIÇÃO E UM FUNERAL

Isabel Lustosa, Folha de S. Paulo

Nos 190 anos da morte do primeiro líder do Brasil independente, sabe-se que o imperador exibiu contradições, mas obteve sucesso ao realizar seus ideais

No mesmo ano em que se comemoram os 200 anos da Carta Constitucional que dom Pedro 1º outorgou ao país em 25 de março de 1824, relembram-se, nesta quarta-feira (24), os 190 anos da morte deste que foi o primeiro governante do Brasil independente.

Entre a outorga da Carta e a morte dramática do ex-imperador no Palácio de Queluz, em 24 de setembro de 1834, pouco mais de dez anos se passaram. As singulares circunstâncias do personagem estão na origem da velocidade e da intensidade dos acontecimentos que mudaram sua vida.

Em 1824, foi conflagrada em Pernambuco a Confederação do Equador, a mais violenta revolta armada que abalou o Primeiro Reinado. No ano seguinte, tiveram lugar as sinuosas negociações com a Inglaterra para fazer com que Portugal reconhecesse a Independência do Brasil. Em 1826, morreu dom João 6º. Apesar de ser seu legítimo herdeiro, dom Pedro era imperador do Brasil e teve que abdicar da coroa portuguesa em favor da filha mais velha. No final daquele mesmo ano, sofreu a morte da imperatriz, leal companheira tão ofendida e humilhada pelo marido. Ainda em 1826, houve a retomada do funcionamento regular do Parlamento —o qual, ao longo dos anos seguintes, seria cada vez mais agitado por uma oposição aguerrida, que, apoiada e insuflada pela imprensa livre, acabaria por obrigá-lo a também abdicar do trono brasileiro em 7 de abril de 1831.

O exílio abriu para dom Pedro uma fase marcada por desafios muito diferentes dos que enfrentara no Brasil. Usando o título de Duque de Bragança, viveu um semestre em Paris, buscando o apoio necessário para a causa da filha. Em 1828, a coroa de dona Maria 2ª fora usurpada pelo tio dom Miguel, o irmão mais novo de dom Pedro. Retomá-la passou a ser seu principal objetivo.

Para isso, foi à guerra em Portugal. Resistiu por mais de um ano ao cerco à cidade do Porto —onde descobriu que não era Napoleão Bonaparte, um general capaz de comandar um exército, mas que podia ser um valoroso soldado a serviço da causa da rainha e da Constituição portuguesa. Cavou trincheiras, expôs-se a perigos, privações, doenças e medos. Aprendeu o exercício da humildade quando precisou suplicar ao general Saldanha, a quem tanto combatera, que assumisse o comando das forças militares.

Venceu. Pôs a filha no trono e foi benevolente com os inimigos, inclusive com o irmão. Benevolência repudiada pelos liberais aos quais entregara o poder. Como prêmio de seu sacrifício, sofreu uma tremenda vaia no teatro na última vez em que, já muito doente, ali apareceu. O melhor elogio que lhe foi feito foi publicado em um jornal francês: "D. Pedro n'est plus". Com essas palavras singelas ("Dom Pedro não existe mais"), "O Constitucional" abriu o necrológio do primeiro imperador do Brasil.

Como outros textos em homenagem a dom Pedro publicados na imprensa europeia, ressaltam-se ali suas qualidades, seu heroísmo e seu desprendimento por ter recuperado a coroa portuguesa para a filha, tendo se contentado com o título de regente. Uma coroa que, diz o jornal francês, poderia muito justamente ter colocado sobre a própria cabeça.

Dom Pedro foi um príncipe da dinastia Bragança, casa que reinava em Portugal desde 1640. Pela morte do irmão mais velho, em 1801, tornara-se herdeiro do trono. Mas as monarquias europeias tinham sido transformadas pela Revolução Francesa e pelo avanço das ideias liberais. Não é possível entender a atuação de dom Pedro 1º sem levar em conta esses dois fatos: o pertencimento a uma dinastia do antigo regime e sua adesão ao constitucionalismo —que, desde a Independência dos Estados Unidos, predominava no debate político internacional.

Se pensarmos que o sucesso de alguém pode ser medido pela realização de seus ideais, podemos dizer que, diante de ideais tão contraditórios —a convicção de seu direito legítimo à sucessão portuguesa e o respeito às constituições—, o sucesso de dom Pedro foi absoluto. Deu ao Brasil e a Portugal constituições longevas e colocou sobre o trono desses dois países seus legítimos herdeiros.

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