quinta-feira, 19 de setembro de 2024

HACKEANDO MARÇAL

Malu Gaspar, O Globo

Cadeirada de Datena mostra que melhor forma de desmascarar Marçal é hackear seus métodos

A principal razão por que Pablo Marçal (PRTB) capturou uma fatia do eleitorado paulistano e se converteu na grande novidade da campanha deste ano foi a transposição, para a política, do método Marçal, que ele mesmo explica ser ancorado na economia da atenção. Nesse método, tudo gira em torno da máxima segundo a qual não importa o que se diz, mas o impacto que se causa. Quanto mais impacto, mais voto.

O que interessa é conseguir que todos falem de você, seja por bancar o palhaço em debates, por inventar propostas mirabolantes ou por abusar da agressividade e de mentiras. O próprio Marçal já disse que precisava se comportar como idiota porque é disso que o eleitor gosta. A pegada antissistema em que ele se enquadrou é um imperativo algorítmico, e não necessariamente consequência de convicções pessoais. De antissistema, afinal, o ex-coach não tem nada.

Mas eis que, depois de semanas reinando sobre a desorientação dos adversários, foi Marçal quem se viu desorientado pela cadeirada recebida de José Luiz Datena (PSDB), no debate de domingo realizado pela TV Cultura.

Agressões são sempre abomináveis, ainda mais quando ocorrem num ambiente onde se deveria dar exemplo à população. O episódio lamentável, porém, ensinou que o aparentemente imbatível método Marçal tem seus limites. Eles começam quando o personagem virtual é obrigado a lidar com uma realidade que escapa a seus cortes para o Instagram.

Marçal já tinha se preparado para criar uma briga, tanto que na véspera avisara que o debate seria “a maior baixaria da História”. Não previa que Datena fosse hackear seu método usando um gesto de impacto para o qual o ex-coach claramente não tinha um roteiro pronto. Parecia até que o apresentador tinha assistido a um vídeo em que Marçal, ao contar como acabou com o chilique do filho se jogando no chão com ele, diz que “remédio para doido é um doido e meio”.

Outra lição a tirar do episódio é que o eleitor pode até gostar do entretenimento e se sentir vingado com os “ataques ao sistema”, mas não é esse idiota caricato que Marçal imagina. O manual básico do influencer moderno ensina que seu “personagem” precisa ser autêntico para gerar identificação. Do contrário, cedo ou tarde, o público percebe e rejeita. Pelo jeito, Marçal se considerava imune a essa máxima.

Os vídeos gravados nos bastidores do debate mostram que ele andava normalmente no estúdio depois da agressão, levantou os braços com vigor, desafiando Datena, e chegou a se posicionar diante do púlpito para voltar ao debate.

De repente, porém, saiu do local numa ambulância, de onde postou imagens tomando oxigênio numa maca, como se estivesse numa grave emergência. Sua equipe divulgou que ele tinha fraturado uma costela, mas a foto do hospital mostrava uma pulseira de cor verde, usada para indicar casos pouco urgentes.

O pastelão foi tão flagrante que, pela primeira vez na campanha, a internet se voltou contra Marçal. As análises de consultorias digitais mostraram que a maioria das citações a ele nas redes tinha conteúdo negativo ou de deboche.

Grupos de pesquisa qualitativa das equipes adversárias mostravam que os eleitores dele estavam envergonhados com a gozação generalizada, especialmente os homens mais jovens, e muitos achavam que não deveria ter abandonado o debate. Como, afinal, o sujeito que ensina nos vídeos a lutar contra tubarão e onça acaba no hospital por uma cadeirada de um idoso?

Marçal percebeu rapidamente que sua estratégia passara do ponto, tanto que no dia seguinte já saiu do hospital só de tipoia, anunciou que faria campanha de rua e disse que iria para cima dos outros candidatos no debate de terça-feira. Em poucas horas, saiu da pele de ex-coach de costela fraturada para a de lutador antissistema indignado (e muito bem de saúde).

A pesquisa Quaest divulgada ontem já trouxe alguns reflexos do erro de Marçal, com a forte campanha virtual contra ele movida por Jair Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia. Sua intenção de voto caiu pouco no geral (de 23% para 20%) e o manteve em empate técnico com Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL). Mas, nos estratos em que é mais forte — homens, jovens, evangélicos e eleitores de Bolsonaro —, o tombo foi de 5 a 8 pontos percentuais.

Essa é uma tendência permanente? É cedo para dizer, mas ficou evidente que, ao se perder no personagem, Marçal deu aos adversários pistas sobre como enfrentá-lo. Datena descobriu que a melhor forma de desmascarar Marçal é hackear seu método. Mas, para isso, não é necessário e nem recomendado desmantelar nenhuma cadeira a mais. Só usar a inteligência mesmo já basta.

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