domingo, 15 de setembro de 2024

AS AUTORIDADES E A AUTORIDADE CLIMÁTICA

Elio Gaspari, O Globo

Resistência a novo órgão uniu os que pretendiam defender o meio ambiente, mas protegem antes seus quadrados de poder, e os agrotrogloditas que se beneficiam do status quo

Não se sabe o formato que terá a Autoridade Climática anunciada por Lula em Manaus, mas sabe-se como a ideia foi queimada em 2023, depois de ter sido prometida durante a campanha eleitoral.

Contra a criação dessa entidade militaram dois grupos com interesses quase antagônicos. De um lado estavam os que pretendiam defender o meio ambiente, protegendo seus quadrados de poder na burocracia. De outro, estavam os interessados em preservar um estado de coisas que mantinha a defesa do ambiente no mundo do palavrório. Nenhum dos dois queria a Autoridade Climática. Prevaleceram e continuam detestando a ideia.

Passados quase dois anos, o tamanho da crise refrescou a memória de Lula e a Autoridade Climática vem aí. Para a turma que queimou-a em 2023, trata-se de desonrá-la. Como? Reciclando os movimentos de 2023.

Antes da posse, tratava-se de decidir onde ficaria a Autoridade Climática. Poderia ser ligada à Presidência ou ao Ministério do Meio Ambiente. Colocá-la no organograma do ministério seria uma girafa semelhante à ideia de se jogar a Agência de Vigilância Sanitária dentro do Ministério da Saúde.

Como a criação da Autoridade Climática era um promessa para os primeiros cem dias, em abril de 2023 a ministra Marina Silva informou:

“Se Deus quiser, em breve, como parte dos compromissos do presidente Lula de criar a Autoridade Nacional do Clima, e isso vai acontecer à medida que tenhamos um melhor desempenho fiscal.”

Como se viu, Deus não quis. Na frase da ministra havia um alerta: “Vai acontecer à medida que tenhamos um melhor desempenho fiscal.” A promessa de campanha havia subido no telhado. Em agosto a criação da Autoridade Climática foi sumindo e queimou-se.

Como explicou a ambientalista Samyra Crespo, “divergências quanto a quem se submeteria ou responderia essa Autoridade Climática acabaram por obstaculizar a sua criação. (...) agora é correr atrás do prejuízo: mais de 3 milhões de hectares de mata nativa queimada.”

Tudo o que Lula disse e fez nas últimas semanas poderia ter sido feito em 2023 e, por ainda estar no mundo das palavras, continua precisando ser feito.

Os interessados em bloquear a Autoridade Climática continuam nos mesmos lugares. Dada a emergência, estão na defensiva encastelando-se na possibilidade de barrar uma Medida Provisória que pretenda criar a entidade. Sem o apoio da turma que matou a ideia para preservar seus quadrados de poder dentro da burocracia, poderão ser isolados os agrotrogloditas que defendem o atual estado das coisas. Quarta-feira completa-se uma semana da reiteração da promessa de 2022. Até as cinzas sabem que a criação da Autoridade Climática terá dificuldades para passar pelo Congresso.

A tragédia imposta ao país constrangeu Lula. Se ele apressar o envio da MP, poderá obrigar parlamentares a defender causas indefensáveis.

A Síndrome da Reivindicação Sucessiva

Imagine-se um magano interessado em bloquear a criação da Autoridade Climática. Ele não é doido para combater a ideia. Afinal, ela foi engavetada por quase dois anos sem que uma só alma pusesse a cara na vitrine. Hoje, restam-lhe dois caminhos. Num, trata-se de desossá-la. No outro, argumenta-se que, antes da criação dessa Autoridade, é preciso fazer isso ou aquilo.

É a Síndrome da Reivindicação Sucessiva. Para se fazer A, é preciso antes fazer B e antes de B, precisa-se de C. Assim, não se faz C, nem B ou A. Não fazendo nada, preserva-se o poder.

Essa síndrome funciona às maravilhas na questão da legalização de lotes urbanos. Não se pode dar escritura a quem vive numa favela porque a terra não está titulada, falta a infraestrutura e não há o arruamento legal.

Trabalhando com uma equipe pequena, ajudada por prefeitos e cartórios, a Corregedoria Nacional de Justiça regularizou dezenas de milhares de propriedades. Num só dia, entregou 180 escrituras no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro.

Dino quer explicações

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, deu até o dia 19 para que os governadores de dez estados expliquem que providências tomaram para prevenir o fogaréu. Ele bem que poderá editar um volume com as respostas. Servirá de manual para gestores interessados na arte da enrolação.

Dino corre o risco de cair nas garras de um governador malvado, capaz de lembrar que de 2023 até fevereiro deste ano pediu socorro ao Ministério da Justiça, sem grandes resultados.

Nesse período, Flávio Dino era o ministro da Justiça, sob cuja jurisdição fica a Polícia Federal.

Futurologia

Um dia o Brasil se livrará de polarizações irracionais e recuperará velhas alegrias.

A geração de Lula, e ele, com quase toda certeza, orgulhou-se quando viu a fotografia de Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk, presidente da Volkswagen, dirigindo um Fusca sem capota, ao lado do presidente Juscelino Kubitschek. O carro era alemão e Schultz-Wenk, como dezenas de milhares de alemães, havia terminado seus dias na Segunda Guerra como prisioneiro num campo russo. Nada disso importava, pois o Brasil fabricaria automóveis.

A alegria voltará quando um líder político conseguir a conciliação do país com o agronegócio, separando-o dos agrotrogloditas.

Lula quer mudar a ONU

Lula está sem assunto.

Voltou a falar na necessidade de mudança de organismos internacionais como a ONU, o FMI e o Banco Mundial.

Tarefa para marqueteiros

Os marqueteiros de Ricardo Nunes estão quebrando a cabeça para resolver um problema. Com o apoio do governador Tarcísio de Freitas, ele pode ganhar a eleição numa cidade que em 2022 votou em Lula.

Marcado como candidato de Bolsonaro, ele pode perdê-la.

Boa notícia

Enfim, uma boa notícia para o Rio. O repórter Rennan Setti informa que no início de outubro serão postos à venda os últimos 68 apartamentos do velho prédio do Hotel Glória. Inaugurado em 1922, era o hotel preferido de políticos como José Sarney. Hospedou Albert Einstein e a atriz Marilyn Monroe.

Numa época de delírios, o Glória foi comprado por Eike Batista, que cultivava o desejo de incorporar ao hotel a Marina do Aterro e tinha poderosos apoios.

Eike quebrou, e Glória virou um elefante branco, memória de um surto.

Reforma tributária

A reforma tributária tem sido vendida como uma inovação simplificadora da cobrança de impostos. Simplificadora ela pode vir a ser, mas inovadora, não.

Exceções e benefícios fiscais estão sendo negociados no escurinho de Brasília pelos métodos convencionais. Os piores métodos.

O povo não é bobo

No Rio e no Recife vive-se a demonstração de que, quando é dada aos eleitores uma escolha razoável, eles não se enganam. Os prefeitos João Campos e Eduardo Paes marcam mais de 50% das preferências nas pesquisas.

O caso de Paes é ilustrativo. Ele prevalece na cidade que foi o berço político de Jair Bolsonaro e o ex-presidente faz campanha para o candidato Alexandre Ramagem.

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