Nas hidrelétricas, ainda há água bastante, apesar da seca; o buraco é mais para baixo
Vai faltar energia? Estamos à beira de crises como as de 2021, 2017, 2014? Não é o que dizem os volumes de água nas hidrelétricas e entendidos do assunto. No entanto, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, diz que um paliativo mínimo, como o horário de verão, já está em debate.
No início de setembro, a quantidade de água para produzir energia nas hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste (70% da capacidade nacional de produção das hidrelétricas) era a maior desde 2011, com exceção do setembro de 2023, o melhor do século.
Dá para ficar tranquilo? Não. Basta se lembrar da recorrência das crises, em particular depois de 2013, da variação grande e rápida dos níveis dos reservatórios das usinas. Há perspectiva de seca feia até fins deste mês, pelo menos. Enfim, basta notar o agravamento da desgraça do clima.
No início deste setembro, os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste tinham 53,1% de "energia armazenada", a energia elétrica que pode ser gerada a partir da força da água represada. Em setembro do ano passado, o nível era de 72,3%.
No setembro de 2021, em que se ficou a um triz de racionamento e apagão, de 16,8%. Em 2014, 25,2%. Os números não são imediatamente comparáveis, pois há novas fontes de energia (eólica, solar), mais capacidade de interligar o país, outras normas de uso de cada fonte etc. Mas dão uma ordem de grandeza da situação.
Por ora, não há problema de abastecimento, diz Jerson Kelman, colunista desta Folha, que foi executivo de ANA, Aneel, Light, Enersul e Sabesp. Pode haver problema de fornecimento no horário de pico da demanda. Por causa de normas da administração do uso da água das hidrelétricas, não se pode, sem mais, utilizar energia extra delas no pico, quando de resto sai do sistema a energia solar, por exemplo. É assunto enrolado e urgente para outro dia.
Quanto ao risco imediato de abastecimento por falta d’água, seria exagero ou também lobby de certos produtores de energia, no dizer de dois executivos da cúpula da gestão do setor elétrico, que por ora pedem anonimato. Admitem que o diagnóstico pode ser diferente em novembro ou dezembro.
Desde dezembro de 2023, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) tem feito o alerta de que a entrada de água nas usinas tem ficado abaixo da média histórica (média superestimada, por causa da piora da crise do clima), como se registrou nestas colunas.
O ONS é uma espécie de diretor de trânsito da energia no país (onde se produz, para onde vai). Estima que, neste setembro, a quantidade água que vai chegar aos lagos das hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste vá ser a menor em 94 anos. O total armazenado vai diminuir.
"No subsistema Sudeste/Centro-Oeste, a Energia Armazenada (EAR) estimada para o final de fevereiro está num intervalo entre 50,8%, no cenário desfavorável [13,7 pontos percentuais abaixo de fevereiro deste 2024], e 79,2%, no mais positivo", lê-se em texto do ONS da semana passada.
Providências pontuais, para horários de pico, vêm sendo tomadas pelos gestores do sistema. Mas o buraco é mais para baixo no setor elétrico e suas badernas institucionais, assim como no caso do incêndio nacional.
No fim das contas, precisamos de um imenso plano de transição energética e ambiental, para décadas. Não há cheiro de que tal programa de Estado virá, tão cedo. Só cheiro de queimado.
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