terça-feira, 10 de setembro de 2024

PINTOU UM CLIMA GLOBAL CONTRA AS BIG TECHS

Pedro Doria, O Globo

O banimento do X, no Brasil, não é um gesto isolado

Nos acostumamos, no Brasil, a enxergar os acontecimentos nacionais pelo nosso umbigo. Como se tudo fosse jabuticaba, algo nosso particular. Mas o país não é uma ilha, e estamos mais envolvidos no centro dos grandes debates globais do que muitos se permitem perceber. A decisão de banir a plataforma X já completa uma semana e, diferentemente do que o debate público faz parecer, ela não é um evento isolado.

No fim de agosto, a polícia francesa prendeu Pavel Durov, dono do Telegram. Ele é acusado de ser permissivo com conteúdo envolvendo pornografia infantil na plataforma. Foi liberado sob fiança de € 5 milhões, deve comparecer à delegacia duas vezes por semana e está proibido de deixar a França enquanto aguarda julgamento. Durov tem um discurso similar ao de Musk: considera que não deve controlar o que se fala no espaço digital que criou.

Em abril passado, o Congresso americano aprovou, e o presidente Joe Biden assinou, uma lei que bane o TikTok dos Estados Unidos a partir de janeiro próximo. A rede social é suspeita de ser usada pelo Partido Comunista Chinês para manipular, por meio de seu algoritmo, as convicções políticas de jovens americanos. Não há provas, mas há suspeitas. A decisão contou com o apoio entusiasmado de parlamentares democratas e republicanos em ambas as Casas.

Agora em agosto, também nos Estados Unidos, o Google foi considerado culpado de abusar de seu monopólio nos sistemas de busca por uma Corte federal de primeira instância. A pena ainda não foi definida, e há espaço para recurso até a Suprema Corte. Nesta semana, os parlamentos regionais da Austrália começaram a discutir a imposição de limites de idade para redes sociais. As plataformas serão penalizadas a cada caso de menor de 14 anos que obtiver acesso, caso a lei passe. O ônus de comprovar a idade caberá às empresas.

Esses eventos não estão separados. De forma atabalhoada às vezes, mais planejada noutras, com argumentos mais ou menos sólidos, instâncias governamentais de várias democracias começam a demonstrar impaciência. As grandes plataformas digitais são um problema. São agressivas. E são, em geral, más cidadãs.

Elas também revolucionaram o mundo, embora aquilo em que o revolucionaram não seja óbvio para todos. A internet vive perfeitamente sem as grandes plataformas. Mas a internet custa dinheiro. Para termos nas mãos essa ferramenta extraordinária de acesso a informação e incríveis possibilidades de comunicação, alguém precisa pagar a conta. Para que as ferramentas se tornem sofisticadas como se tornaram, idem. O que as big techs construíram foi o mecanismo pelo qual a conta é paga. A revolução está na invenção do modelo de negócios por meio da publicidade digital.

Ocorre que esse modelo de negócios tem consequências. Para que as empresas ganhem dinheiro, precisamos ficar muito tempo on-line. Precisamos ser constantemente atraídos pela publicidade que nos apresentam. E é essencial que estejamos emocionalmente envolvidos com aquilo a que assistimos, com o que vimos. Não se chama economia da atenção à toa. O jeito de tornar a internet viável economicamente foi criar uma máquina que nos suga cada segundo possível de atenção, numa neurose contínua que gera toda sorte de efeitos. Da polarização política ao burnout, passando por adição a jogos.

De startups com dificuldade de se manter de pé em finais dos anos 1990 e início dos 2000, hoje temos as maiores companhias da História. Até 2018, jamais uma empresa chegara ao trilhão de dólares em valor de mercado. Aí a Apple cruzou a marca. Depois, a Microsoft. Então a Alphabet (Google). A Amazon. Neste ano veio a Nvidia, que fabrica os chips que treinam inteligências artificiais. Cinco companhias no mundo valem o que jamais qualquer negócio valeu em todo o capitalismo. Isso é poder. E a Meta está próxima de chegar ao patamar.

Na prática, por meio da regulação, de decisões legais avulsas, tem sido impossível incentivar o bom comportamento dessas empresas. À medida que vai ficando mais claro quanto afetam nosso comportamento e nossa saúde, quanto interferem na qualidade de nossas democracias, o problema vai se tornando mais agudo. De certa forma, o que vem pipocando por todo o mundo é um grito de basta. Um grito desorganizado, meio caótico, nem sempre apresentando uma boa solução.

Ou mesmo qualquer solução — em alguns casos, gera mais ruído do que impacto. Gera mais perda para a sociedade do que ganho. Mas o banimento do X, no Brasil, não é um gesto isolado. Tem um clima pintando no mundo.

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