O banimento do
X, no Brasil, não é um gesto isolado
Nos acostumamos, no
Brasil, a enxergar os acontecimentos nacionais pelo nosso umbigo. Como se tudo
fosse jabuticaba, algo nosso particular. Mas o país não é uma ilha, e estamos
mais envolvidos no centro dos grandes debates globais do que muitos se permitem
perceber. A decisão de banir a plataforma X já completa uma semana e,
diferentemente do que o debate público faz parecer, ela não é um evento
isolado.
No fim de agosto, a
polícia francesa prendeu Pavel Durov, dono do Telegram. Ele é acusado de ser
permissivo com conteúdo envolvendo pornografia infantil na plataforma. Foi
liberado sob fiança de € 5 milhões, deve comparecer à delegacia duas vezes por
semana e está proibido de deixar a França enquanto aguarda julgamento. Durov
tem um discurso similar ao de Musk: considera que não deve controlar o que se
fala no espaço digital que criou.
Em
abril passado, o Congresso americano aprovou, e o presidente Joe Biden assinou,
uma lei que bane o TikTok dos Estados Unidos a
partir de janeiro próximo. A rede social é suspeita de ser usada pelo Partido
Comunista Chinês para manipular, por meio de seu algoritmo, as convicções
políticas de jovens americanos. Não há provas, mas há suspeitas. A decisão
contou com o apoio entusiasmado de parlamentares democratas e republicanos em
ambas as Casas.
Agora em agosto,
também nos Estados Unidos, o Google foi
considerado culpado de abusar de seu monopólio nos sistemas de busca por uma
Corte federal de primeira instância. A pena ainda não foi definida, e há espaço
para recurso até a Suprema Corte. Nesta semana, os parlamentos regionais da
Austrália começaram a discutir a imposição de limites de idade para redes
sociais. As plataformas serão penalizadas a cada caso de menor de 14 anos que
obtiver acesso, caso a lei passe. O ônus de comprovar a idade caberá às
empresas.
Esses eventos não
estão separados. De forma atabalhoada às vezes, mais planejada noutras, com
argumentos mais ou menos sólidos, instâncias governamentais de várias
democracias começam a demonstrar impaciência. As grandes plataformas digitais
são um problema. São agressivas. E são, em geral, más cidadãs.
Elas também
revolucionaram o mundo, embora aquilo em que o revolucionaram não seja óbvio
para todos. A internet vive perfeitamente sem as grandes plataformas. Mas a
internet custa dinheiro. Para termos nas mãos essa ferramenta extraordinária de
acesso a informação e incríveis possibilidades de comunicação, alguém precisa
pagar a conta. Para que as ferramentas se tornem sofisticadas como se tornaram,
idem. O que as big techs construíram foi o mecanismo pelo qual a conta é paga.
A revolução está na invenção do modelo de negócios por meio da publicidade
digital.
Ocorre que esse
modelo de negócios tem consequências. Para que as empresas ganhem dinheiro,
precisamos ficar muito tempo on-line. Precisamos ser constantemente atraídos
pela publicidade que nos apresentam. E é essencial que estejamos emocionalmente
envolvidos com aquilo a que assistimos, com o que vimos. Não se chama economia
da atenção à toa. O jeito de tornar a internet viável economicamente foi criar
uma máquina que nos suga cada segundo possível de atenção, numa neurose contínua
que gera toda sorte de efeitos. Da polarização política ao burnout,
passando por adição a jogos.
De startups com
dificuldade de se manter de pé em finais dos anos 1990 e início dos 2000, hoje
temos as maiores companhias da História. Até 2018, jamais uma empresa chegara
ao trilhão de dólares em valor de mercado. Aí a Apple cruzou
a marca. Depois, a Microsoft.
Então a Alphabet (Google). A Amazon. Neste ano veio a Nvidia, que
fabrica os chips que treinam inteligências artificiais. Cinco companhias no
mundo valem o que jamais qualquer negócio valeu em todo o capitalismo. Isso é
poder. E a Meta está próxima de chegar ao patamar.
Na prática, por meio
da regulação, de decisões legais avulsas, tem sido impossível incentivar o bom
comportamento dessas empresas. À medida que vai ficando mais claro quanto
afetam nosso comportamento e nossa saúde, quanto interferem na qualidade de
nossas democracias, o problema vai se tornando mais agudo. De certa forma, o
que vem pipocando por todo o mundo é um grito de basta. Um grito desorganizado,
meio caótico, nem sempre apresentando uma boa solução.
Ou mesmo qualquer
solução — em alguns casos, gera mais ruído do que impacto. Gera mais perda para
a sociedade do que ganho. Mas o banimento do X, no Brasil, não é um gesto
isolado. Tem um clima pintando no mundo.
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