Parcela
significativa do eleitorado da maior capital do País parece disposta a apostar
na versão particular da Teologia da Prosperidade do ex-coach
Um dos episódios
ruidosos da carreira de Pablo Marçal ocorreu em janeiro de 2022, quando, para
promover um de seus combos lucrativos de curso/livro/ciclo de palestras,
denominado “O pior ano da sua vida”, o dublê de coach e influenciador digital
reuniu um grupo de 32 pessoas para subir o Pico dos Marins, na divisa dos
estados de Minas Gerais e São Paulo.
A ideia vendida na
narrativa de nome que acabou se tornando tragicamente sugestivo para quem se
aventurou a seguir Marçal montanha acima é que você precisará se submeter a
provações, “viverá de forma intencional como uma verdadeira guerra, para
destravar uma década de prosperidade”.
Guias experientes no
percurso alertaram o grupo sobre os riscos. Luis Müller da Costa, tenente do
Corpo de Bombeiros chamado para atender o que depois virou um resgate, disse em
seu depoimento à polícia nunca ter visto na sua “atividade no Corpo de
Bombeiros tamanha imprudência”.
Uma
parcela do eleitorado paulistano está neste momento de mochila nas costas
cogitando subir o Pico dos Marins sob o comando de Marçal. A ascensão do
candidato do PRTB nas pesquisas ignora essa e outras passagens com comprovação
em forma de processos e até condenações na sua trajetória e na de aliados
políticos e sócios próximos, passa batido pela inconsistência de suas
propostas, algumas das quais folclóricas, e enxerga nele ao mesmo tempo uma
renovação da direita, personificada em Jair Bolsonaro e no seu hesitante apoio
ao prefeito Ricardo Nunes, e uma maneira de se contrapor ao governo Lula e a
seu candidato na cidade, Guilherme Boulos.
Marçal surpreendeu a
todos ao entrar na disputa com o pé na porta, implodindo as regras de
comportamento em debates e entrevistas, a lógica de alianças políticas e
dependência de grandes tempos de propaganda no horário eleitoral de TV e rádio
e até a importância de padrinhos como Lula ou Bolsonaro.
Se sua escalada não
for interrompida por eventos como o que deteve seu grupo na Serra da
Mantiqueira, ele tem grandes chances de ir ao segundo turno na maior cidade do
país ou, no limite, de repetir o feito de João Doria em 2016 e vencer já no
primeiro turno.
Parte dos cidadãos
de São Paulo parece disposta a apostar na versão particular da Teologia da
Prosperidade pregada por Marçal em seus cortes nas redes sociais, na esperança
de “destravar” políticas públicas que não dependem de milagres nem de
autoajuda, como saúde, educação, moradia, transporte público e segurança.
Diante de uma cidade
com tantos e tão complexos problemas como São Paulo, Marçal acena com uma torre
de 1 quilômetro de altura (oi?) que “abençoaria” as comunidades com turismo,
que sairia de graça (como?) para a Prefeitura e levaria cultura, autoestima e
investimentos às periferias. Também propõe teleféricos como solução para a
mobilidade, em versões incongruentes de um projeto inexistente que vão mudando
a depender do dia em que responde sobre o assunto.
O apelo midiático de
Marçal e a possibilidade de dar novo gás à polarização que tem hoje um chefe
inelegível parece fazer com que parcela da elite da cidade, que se diz de
direita, faça vista grossa a essas evidentes inconsistências e ao risco de
apostar em alguém com esse retrospecto e essas ligações apenas para derrotar a
esquerda.
O que pode frear a
subida da cidade à montanha do coach é uma rearticulação da política, com
Tarcísio de Freitas, e não Bolsonaro, à frente. É o governador hoje quem tenta
capitanear a reação na campanha do atordoado Nunes, apostando que o eleitorado
de direita, depois de se encantar com a novidade do coach-candidato, se assustará
com seus métodos e com os riscos que ele traz para a cidade e para a
democracia. A conferir se a onda foi só um modismo fugaz de redes sociais ou se
tem o poder de “destravar” a mudança da guarda na direita — e, por tabela, na
política brasileira.
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