quarta-feira, 4 de setembro de 2024

SÃO PAULO AO PÉ DO PICO DOS MARINS

Vera Magalhães, O Globo

Parcela significativa do eleitorado da maior capital do País parece disposta a apostar na versão particular da Teologia da Prosperidade do ex-coach

Um dos episódios ruidosos da carreira de Pablo Marçal ocorreu em janeiro de 2022, quando, para promover um de seus combos lucrativos de curso/livro/ciclo de palestras, denominado “O pior ano da sua vida”, o dublê de coach e influenciador digital reuniu um grupo de 32 pessoas para subir o Pico dos Marins, na divisa dos estados de Minas Gerais e São Paulo.

A ideia vendida na narrativa de nome que acabou se tornando tragicamente sugestivo para quem se aventurou a seguir Marçal montanha acima é que você precisará se submeter a provações, “viverá de forma intencional como uma verdadeira guerra, para destravar uma década de prosperidade”.

Guias experientes no percurso alertaram o grupo sobre os riscos. Luis Müller da Costa, tenente do Corpo de Bombeiros chamado para atender o que depois virou um resgate, disse em seu depoimento à polícia nunca ter visto na sua “atividade no Corpo de Bombeiros tamanha imprudência”.

Uma parcela do eleitorado paulistano está neste momento de mochila nas costas cogitando subir o Pico dos Marins sob o comando de Marçal. A ascensão do candidato do PRTB nas pesquisas ignora essa e outras passagens com comprovação em forma de processos e até condenações na sua trajetória e na de aliados políticos e sócios próximos, passa batido pela inconsistência de suas propostas, algumas das quais folclóricas, e enxerga nele ao mesmo tempo uma renovação da direita, personificada em Jair Bolsonaro e no seu hesitante apoio ao prefeito Ricardo Nunes, e uma maneira de se contrapor ao governo Lula e a seu candidato na cidade, Guilherme Boulos.

Marçal surpreendeu a todos ao entrar na disputa com o pé na porta, implodindo as regras de comportamento em debates e entrevistas, a lógica de alianças políticas e dependência de grandes tempos de propaganda no horário eleitoral de TV e rádio e até a importância de padrinhos como Lula ou Bolsonaro.

Se sua escalada não for interrompida por eventos como o que deteve seu grupo na Serra da Mantiqueira, ele tem grandes chances de ir ao segundo turno na maior cidade do país ou, no limite, de repetir o feito de João Doria em 2016 e vencer já no primeiro turno.

Parte dos cidadãos de São Paulo parece disposta a apostar na versão particular da Teologia da Prosperidade pregada por Marçal em seus cortes nas redes sociais, na esperança de “destravar” políticas públicas que não dependem de milagres nem de autoajuda, como saúde, educação, moradia, transporte público e segurança.

Diante de uma cidade com tantos e tão complexos problemas como São Paulo, Marçal acena com uma torre de 1 quilômetro de altura (oi?) que “abençoaria” as comunidades com turismo, que sairia de graça (como?) para a Prefeitura e levaria cultura, autoestima e investimentos às periferias. Também propõe teleféricos como solução para a mobilidade, em versões incongruentes de um projeto inexistente que vão mudando a depender do dia em que responde sobre o assunto.

O apelo midiático de Marçal e a possibilidade de dar novo gás à polarização que tem hoje um chefe inelegível parece fazer com que parcela da elite da cidade, que se diz de direita, faça vista grossa a essas evidentes inconsistências e ao risco de apostar em alguém com esse retrospecto e essas ligações apenas para derrotar a esquerda.

O que pode frear a subida da cidade à montanha do coach é uma rearticulação da política, com Tarcísio de Freitas, e não Bolsonaro, à frente. É o governador hoje quem tenta capitanear a reação na campanha do atordoado Nunes, apostando que o eleitorado de direita, depois de se encantar com a novidade do coach-candidato, se assustará com seus métodos e com os riscos que ele traz para a cidade e para a democracia. A conferir se a onda foi só um modismo fugaz de redes sociais ou se tem o poder de “destravar” a mudança da guarda na direita — e, por tabela, na política brasileira.

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