Há uma perigosa evolução de intolerância mútua
Há um debate interessante em curso sobre se vivemos um
período de polarização política ou de ascensão do extremismo de direita.
Aqueles que defendem a ideia de polarização argumentam que há aumento do
fanatismo e da intolerância em relação aos adversários, o que poderia, em
última instância, levar à violência política.
Os que veem a ampliação do extremismo criticam a ideia de
polarização, dizendo que ela pressupõe, pelo menos tacitamente, os dois polos
se radicalizando, na mesma medida. Mas a tendência, dizem, não é simétrica, já
que, enquanto a esquerda se torna mais moderada, a direita caminha para o
extremismo antidemocrático.
Atualmente, entendem-se por polarização
política principalmente duas coisas. Primeiro, a polarização ideológica: as
opiniões começam a se alinhar com as identidades políticas. Pesquisas mostram
que bolsonaristas majoritariamente apoiam a posse de armas por civis e a
militarização das escolas e são contra a educação sexual no ensino. Petistas
pensam o contrário sobre os três assuntos.
A segunda forma de polarização é a polarização afetiva. Ela
é determinada perguntando a quem tem determinada identidade quanto gosta de
quem adota a identidade adversária. Sabemos que quem votou em Bolsonaro gosta
de outros bolsonaristas e desgosta de petistas, enquanto quem votou em Lula gosta
de outros petistas e desgosta de bolsonaristas. Essa medida preocupa muitos
cientistas políticos. Eles temem que o aumento da polarização afetiva seja a
antessala da violência.
Os críticos da tese da polarização apontam que esses estudos
pressupõem uma radicalização dual que não ocorre de maneira simétrica. O líder
da esquerda, Lula, é um pragmático moderado que apoia as instituições
democráticas, enquanto o líder da direita, Bolsonaro, é um radical que exalta o
legado da ditadura militar e tolera violações de direitos humanos. Não se
trata, portanto, de polarização, no sentido de dois polos que caminhariam para
os extremos, mas de mera ascensão do extremismo de direita em substituição à
velha direita liberal.
Os defensores da polarização argumentam que, mesmo que um
lado seja mais radical, ainda existe uma dinâmica relacional entre os polos. A
polarização pode ser assimétrica. Eles enfatizam também que a radicalização da
direita se alimenta de posições da esquerda, de maneira que a agenda da
esquerda condiciona o radicalismo da direita. Quando a esquerda é
condescendente com Nicolás Maduro ou com excessos do ativismo identitário,
fornece alimento à radicalização da direita.
Os que defendem a tese do extremismo respondem que esses
exemplos não são equivalentes, já que ser indulgente com o regime venezuelano,
como Lula talvez tenha sido, não tem a mesma gravidade de tentar um golpe de
Estado, como Bolsonaro provavelmente tentou.
Independentemente da radicalidade das posições, segundo os
defensores da tese da polarização há uma perigosa evolução de intolerância
mútua, medida pela polarização afetiva — e, nesse quesito, pesquisas sugerem
que a esquerda é um pouco mais intolerante com quem é de direita do que a
direita é intolerante com quem é de esquerda.
Os defensores da tese do extremismo respondem que é natural,
e até saudável, que a esquerda seja mais intolerante, já que seu antagonista é
antidemocrático.
Esse debate acirrado, que parece não ter fim, não é apenas
acadêmico. Cada tese aponta diferentes responsabilidades para os atores. Se o
que há é polarização, de alguma maneira esquerda e direita são corresponsáveis
pela corrosão do ambiente político, e a mudança precisa ser sistêmica,
envolvendo a todos. Temos uma missão pluralista e cívica.
Se houver apenas ascensão do extremismo, a responsabilidade
é exclusivamente da direita. Aos defensores da tese do extremismo, resta apenas
lamentar que metade do Brasil tenha perdido o juízo. Se todo o ônus é do
adversário, a única saída possível é a apatia melancólica.
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