As mudanças climáticas tiveram pouco impacto nas eleições.
Não foi por falta de evento extremo.
As inundações arrasaram Porto Alegre no início do ano; uma
tempestade abalou São Paulo e trouxe um novo apagão, em pleno processo
eleitoral.
Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo é o favorito no
segundo turno que se realiza domingo. Parece que tudo se resume a fortalecer as
barreiras que impedem o Guaíba de transbordar na cidade. Em São Paulo, a
crítica ao papel do prefeito foi reduzida à sua ineficácia em podar árvores.
Os acontecimentos extremos se sucedem como se não houvesse
uma causa por trás deles, sua frequência maior, inclusive a dos furacões, não é
vista como a marca de um novo tempo.
De todas as maneiras, conscientes ou não, a tendência é
afirmar que a vida continua e devemos tratá-la como se não houvesse uma grande
transformação em curso.
Autores como o sociólogo Ulrich Beck consideram que o mundo
vive uma metamorfose. Não se trata de algo que possa ser reparado com uma
simples reforma. A mudança é tão profunda que exigirá novas ferramentas para
entendê-la e superá-la.
Apesar de termos vivido tempestades com ventos fortes,
alguns tufões no sul do País, seguimos pensando que isso é apenas a força da
natureza à qual devemos nos resignar.
As eleições aconteceram também nas cidades costeiras do
Brasil. O crescimento do nível do mar é uma realidade mensurável. Em alguns
pontos do litoral as águas lambem as casas ou simplesmente as destroem, como em
Atafona, no norte do Estado do Rio de Janeiro.
Não houve programas sobre o tema. O mar está lá, nós estamos
aqui, e isso continuará sendo assim. Em Balneário Camboriú, em Santa Catarina,
continuam construindo grandes prédios na linha costeira, e seguem aumentando a
praia artificialmente. O vereador mais votado da cidade foi o filho de Jair
Bolsonaro, Jair Renan. Certamente não se importará com o tema, pois não
acredita nas mudanças climáticas.
Os eleitores são soberanos. Mesmo em São Paulo, o mais
votado, Lucas Pavanato, tem uma agenda comportamental e quer evitar banheiros
mistos.
O tema ambiental não conseguiria eletrizar a cidade. Temas
como o enterramento dos fios e a descentralização da energia, através de
painéis solares domésticos, não foram ventilados. E se fossem talvez não
bastassem para eleger um simples vereador.
Essa não é uma situação apenas brasileira. Nos Estados
Unidos, Donald Trump está disputando as eleições em pé de igualdade. Drill,
baby, drill é o seu slogan para ampliar a produção de petróleo no
país. Eleito, vai tirar de novo os EUA do Acordo de Paris e fortalecer o
negacionismo climático no mundo.
Mas as mudanças climáticas fazem vítimas e ameaçam milhares
de pessoas. Ulrich Beck chama a atenção para uma sociedade de riscos, mais
adequada para entender o momento do que a velha sociedade de classes.
Os eventos extremos vão atingir principalmente as
periferias, com suas residências precárias, córregos entupidos, esgoto a céu
aberto. Assim como vão atingir países mais pobres na forma de exportação de
lixo, como se faz hoje para a África.
São esses atores, assim como as comunidades costeiras
ameaçadas, que podem dar uma resposta ou pelo menos exigir uma nova maneira de
se encarar o clima.
Verdade é que o País tem compromisso internacional para
reduzir suas emissões de carbono, assim como um plano mais amplo de transição
energética.
Mas isso é apenas uma modesta reforma diante da metamorfose
do planeta. Seria necessário discutir como plantar, construir casas,
transportar mercadorias e pessoas, organizar o espaço urbano, admitir enfim que
entramos numa nova e desafiadora época.
A distância que as eleições brasileiras viram esse problema
é também um reflexo do atraso planetário. O objetivo do Acordo de Paris de
manter o aumento da temperatura em 2 graus Celsius até 2030 já está sendo
ultrapassado.
Dois conflitos importantes acontecem precisamente em áreas
vitais para a energia no mundo: Ucrânia e Oriente Médio. O primeiro envolve a
Rússia, grande produtor de petróleo, e o segundo envolve, no mínimo, o Irã, que
tem as mesmas características.
É possível então falar de esperança num país também atingido
por desmatamentos e queimadas. Independentemente ou não de usar essa palavra, é
necessário lutar em todas as frentes. Simplesmente não há alternativa num
horizonte em que a ética diante das novas gerações segue sendo o norte de nossa
atuação.
Passadas as eleições, amainadas as tempestades, infelizmente
é preciso admitir que outras virão e que as próprias mudanças climáticas
estarão presentes não para serem vividas apenas como ocasiões raras. Suas
repetição e intensidade, como as dos furacões no Atlântico Norte, sempre serão,
apesar de tudo, uma chance para que os povos acordem e reconheçam o drama.
O Brasil vence uma etapa neste fim de semana. E, de uma
certa forma, começa outra que termina em 2026. As mudanças climáticas continuam
sendo um tema indispensável para discutir os caminhos internos e o papel do
País no cenário internacional. A realização do dever de casa nos capacita a
influenciar o mundo diante do abismo.
Artigo publicado no jornal Estadão em 25/10/2024
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