A direita mobiliza vítimas de marginalização política
porque os partidos democratas têm dificuldade de reconhecer o que é política
numa sociedade atrasada
A eleição, em 2002, de um presidente da República pelo PT e
sua reeleição, quatro anos, depois, além da eleição e reeleição de sua
sucessora, não representou uma inclinação do eleitorado para a esquerda. Apenas
robusteceu a inclinação brasileira para a direita com que esta reagiu e se
apoderou do poder. O que era difuso e não tinha nome, pela mediação da esquerda
reconheceu-se como direita. Definiu uma identidade, encontrou um líder que
personificasse sua confusão e seu ódio acumulado. Tornou-o objeto de idolatria
e sujeição. Bolsonaro não é apenas personagem eleitoral.
A questão é sociologicamente complicada. Foi tratada por
Theodor Adorno e sua equipe em célebre e bem cuidado estudo científico
realizado na Universidade da Califórnia. Em 1950, essa equipe publicou “The
Authoritarian Personality”. O grupo foi motivado, dentre outras, pela hipótese
de que o que acontecera na Alemanha poderia ter seus fatores e causas também em
outros países, como os EUA. Ou como aqui.
No entanto, não surgiu em nossas
universidades um movimento de estudo científico e multidisciplinar do que
ingenuamente era subestimado, coisa de gente politicamente atrasada. Gente
cujas atitudes políticas dependem de conhecimento antropológico, para que se
lhe compreenda o reacionarismo. Que se tornou ativa ameaça às instituições e
aos direitos políticos do povo brasileiro.
O neodireitismo daqui se orienta no sentido de banir da cena
política todos os que não perfilham convicções excludentes dos diferentes,
bloqueadoras da diversidade social e de consciência. Não surgiu propriamente um
partido nazista explícito, disfarçado que está em siglas partidárias, em
episódios e em personagens explicitamente direitistas. Cumprem funções próprias
do direitismo radical nas ações de demolição das instituições e do
significativo legado democrático que, não obstante, temos.
Os focos de aglutinação provisória da difusa propensão ao
direitismo e ao autoritarismo orgânicos, inconscientemente, aguardavam a
definição de um cenário de poder que lhes permitisse expressar às claras e com
o nome de direita suas inclinações. O caminho da ascensão política da direita
não tem sido aqui o de uma busca democrática, mas de uma construção
antidemocrática.
Na linha da pesquisa de Adorno e colaboradores, pode-se
dizer que, no caso brasileiro, nunca tivemos majoritariamente uma propensão
para a esquerda. Apenas o “quase lá” episódico.
Falta-nos maturidade social e cultural para compreender o
que as convicções de esquerda significam como expressão de necessidades sociais
radicais. As que só podem ser resolvidas com transformações sociais e
políticas. Só que aqui, a conexão entre as necessidades e a consciência
política que as expressa foi perdida. Nossa esquerda atua no marco político de
modelos obsoletos, de outras sociedades, de que a nossa é historicamente muito
diferente.
Nosso atraso político deve muito às funções políticas dos
agrupamentos não políticos, como as igrejas evangélicas, claramente
identificadas com valores imobilistas e reacionários. São expressões da
personalidade autoritária embutida nas carências ideológicas de nossa
população, carência de meios apropriados para dizer politicamente o que sente.
A direita anômala entre nós atrai, recruta e mobiliza
vítimas de marginalização política porque os partidos democratas têm
dificuldade de reconhecer o que é política numa sociedade atrasada como a
nossa.
A direita originada do atraso reage à exclusão, excluindo. É
o que explica seu ódio aos diferentes e às diferenças, que entendem ser coisas
do demônio e da subversão do que deveria ser o conformismo do ser humano.
A excludência não é, pois, característica sociológica apenas
da direita. A esquerda também se tornou uma tendência ideológica fechada e
excludente, não raro intolerante. O PT carrega esse estigma. O que nele
fragilizou a importância do pensamento crítico como referência de atualização
social constante de sua política.
A esquerda desatualizada quanto às questões sociais, que
pleiteia votos nesta eleição, está numa relação de desencontro com a realidade
do país após quase um quarto de século de protagonismo petista na política
brasileira. É tradição da esquerda pressupor que o esquerdismo é politicamente
superior ao restante e que a sociedade tende naturalmente a favorecê-lo ao
longo da história.
Esquece que a sociedade é uma sociedade de contradições, de
opostas expressões de consciência, de diferentes possibilidades sociais e
políticas. Que o teoricamente possível, para se tornar social e politicamente
real, depende sociologicamente da poesia de uma práxis de transformação social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário