segunda-feira, 28 de outubro de 2024

LULA E BOLSONARAM PERDERAM EM SÃO PAULO

Demétrio Magnoli, O Globo

Sem surpresa, triunfou o continuísmo, o peso das máquinas estaduais e municipais

Não foi piramidal a ideia de Lula de exibir a eleição paulistana como embate contra Bolsonaro. A derrota de Guilherme Boulos fica parecendo uma vitória bolsonarista — e não é. Em São Paulo, sem surpresa, triunfou o continuísmo — o peso das máquinas estaduais e municipais.

Lula perdeu, obviamente, em São Paulo, pois Boulos é o homem do presidente no PSOL — a figura que inseriu o partido na órbita do PT. A rejeição — a Lula, mas especialmente ao próprio Boulos — fez o serviço. Poucos deram crédito ao giro retórico do candidato rumo ao centro, concluído por uma contrafação eleitoreira da célebre Carta aos Brasileiros assinada por Lula no longínquo 2002. Ninguém ligou para a vice, Marta Suplicy, a quem o pensamento mágico atribuía o poder de atrair o voto periférico da Zona Sul.

Mas Bolsonaro perdeu também, de modo diferente, ao revelar-se dispensável. No turno inicial, o ex-presidente oscilou entre Ricardo Nunes e o pilantra Pablo Marçal, perdendo-se no labirinto febril das redes sociais extremistas. Quando Marçal ficou pelo caminho, Bolsonaro engajou-se na arte do disfarce, posando para fotos ao lado do prefeito-candidato. Nunes quase o esnobou, equilibrando-se na barra assimétrica que separa a política tradicional da antipolítica bolsonarista.

Sobram, no PT, os que diagnosticam um erro de escolha. Alguns preferiam desde o início um candidato petista, apenas para não ceder o palanque na maior capital do país. Outros são engenheiros de obra feita, cuja alegação gira ao redor da pretensa viabilidade de uma candidatura própria, livre da herança esquerdista de Boulos. Envelhecido, o partido carece de nomes — e a solitária alternativa, Fernando Haddad, guarda-se para o horizonte enevoado do “pós-Lula”.

Eleições municipais nunca foram prévias de pleitos presidenciais. Lula não triunfou no Rio: o vitorioso foi Eduardo Paes. Bolsonaro não venceu em São Paulo: o triunfo é de Nunes e de seu padrinho firme, Tarcísio de Freitas. Ronaldo Caiado evidenciou fragilidades na capital goiana. O candidato de Romeu Zema caiu no turno inicial em Belo Horizonte. O resultado da eleição paulistana consolida o governador paulista no posto de virtual candidato da direita ao Planalto. Se for mesmo, tenderá a reeditar o exercício de equilibrismo político de Nunes.

Há nítidos sinais de estafa. Fora das bolhas, extensas e sedimentadas, ninguém aguenta mais a polarização Lula/Bolsonaro. No Rio, a votação consagradora em Paes sinaliza esse rumo. Em São Paulo, no primeiro turno, Nunes, Boulos e Marçal ficaram abaixo da marca de 30% dos votos válidos — e pesquisas mostraram que a quarta colocada, Tabata Amaral (10%), venceria qualquer um deles caso chegasse ao turno decisivo. No plano nacional, porém, inexiste um partido capaz de expressar a vontade do eleitorado farto do jogo bipolar.

Geraldo Alckmin apoiou Tabata — e, nesse passo, mostrou novamente sua relativa insignificância. Sempre fiel, o vice que não ergueu a voz nem mesmo diante da valsa vergonhosa de Lula no palco da tragédia venezuelana acabou subindo ao palanque de Boulos. O ex-governador, antes insultado como “fascista” pelo PT e pelo PSOL, dividiu um sanduíche de pernil com o candidato lulista no Bar Estadão, definindo o antigo inimigo como “servidor do povo”.

Lula bateu Bolsonaro na cidade de São Paulo, em 2022, por margem de 7 pontos percentuais. Desta vez, a “Frente Ampla” não funcionou. O lulismo perdeu o eleitorado de centro que desempenhou papel decisivo na última eleição presidencial. O espectro do golpe de Estado saiu de cena, levando com ele o “voto pela democracia”. Não menos relevante, o governo Lula fabrica desilusões em série para os eleitores que acreditaram numa renovação da esquerda.

São Paulo reelegeu um prefeito cinzento, um político de segunda, que gerencia o declínio dos espaços públicos e, com a Câmara de Vereadores, descortina caminhos à marcha bárbara da especulação imobiliária. A dupla derrota, de Lula e Bolsonaro, não representa um triunfo da cidade.

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