Sem surpresa, triunfou o continuísmo, o peso das máquinas
estaduais e municipais
Não foi piramidal a ideia de Lula de
exibir a eleição paulistana como embate contra Bolsonaro. A derrota de
Guilherme Boulos fica parecendo uma vitória bolsonarista — e não é. Em São
Paulo, sem surpresa, triunfou o continuísmo — o peso das máquinas estaduais e
municipais.
Lula perdeu, obviamente, em São Paulo, pois Boulos é o homem
do presidente no PSOL —
a figura que inseriu o partido na órbita do PT. A
rejeição — a Lula, mas especialmente ao próprio Boulos — fez o serviço. Poucos
deram crédito ao giro retórico do candidato rumo ao centro, concluído por uma
contrafação eleitoreira da célebre Carta aos Brasileiros assinada por Lula no
longínquo 2002. Ninguém ligou para a vice, Marta Suplicy, a quem o pensamento
mágico atribuía o poder de atrair o voto periférico da Zona Sul.
Mas Bolsonaro perdeu também, de modo
diferente, ao revelar-se dispensável. No turno inicial, o ex-presidente oscilou
entre Ricardo
Nunes e o pilantra Pablo
Marçal, perdendo-se no labirinto febril das redes sociais extremistas.
Quando Marçal ficou pelo caminho, Bolsonaro engajou-se na arte do disfarce,
posando para fotos ao lado do prefeito-candidato. Nunes quase o esnobou,
equilibrando-se na barra assimétrica que separa a política tradicional da
antipolítica bolsonarista.
Sobram, no PT, os que diagnosticam um erro de escolha.
Alguns preferiam desde o início um candidato petista, apenas para não ceder o
palanque na maior capital do país. Outros são engenheiros de obra feita, cuja
alegação gira ao redor da pretensa viabilidade de uma candidatura própria,
livre da herança esquerdista de Boulos. Envelhecido, o partido carece de nomes
— e a solitária alternativa, Fernando
Haddad, guarda-se para o horizonte enevoado do “pós-Lula”.
Eleições municipais nunca foram prévias de pleitos
presidenciais. Lula não triunfou no Rio: o vitorioso foi Eduardo Paes.
Bolsonaro não venceu em São Paulo: o triunfo é de Nunes e de seu padrinho
firme, Tarcísio de Freitas. Ronaldo
Caiado evidenciou fragilidades na capital goiana. O candidato de Romeu Zema caiu
no turno inicial em Belo Horizonte. O resultado da eleição paulistana consolida
o governador paulista no posto de virtual candidato da direita ao Planalto. Se
for mesmo, tenderá a reeditar o exercício de equilibrismo político de Nunes.
Há nítidos sinais de estafa. Fora das bolhas, extensas e
sedimentadas, ninguém aguenta mais a polarização Lula/Bolsonaro. No Rio, a
votação consagradora em Paes sinaliza esse rumo. Em São Paulo, no primeiro
turno, Nunes, Boulos e Marçal ficaram abaixo da marca de 30% dos votos válidos
— e pesquisas mostraram que a quarta colocada, Tabata Amaral (10%),
venceria qualquer um deles caso chegasse ao turno decisivo. No plano nacional,
porém, inexiste um partido capaz de expressar a vontade do eleitorado farto do
jogo bipolar.
Geraldo
Alckmin apoiou Tabata — e, nesse passo, mostrou novamente sua relativa
insignificância. Sempre fiel, o vice que não ergueu a voz nem mesmo diante da
valsa vergonhosa de Lula no palco da tragédia venezuelana acabou subindo ao
palanque de Boulos. O ex-governador, antes insultado como “fascista” pelo PT e
pelo PSOL, dividiu um sanduíche de pernil com o candidato lulista no Bar
Estadão, definindo o antigo inimigo como “servidor do povo”.
Lula bateu Bolsonaro na cidade de São Paulo, em 2022, por
margem de 7 pontos percentuais. Desta vez, a “Frente Ampla” não funcionou. O
lulismo perdeu o eleitorado de centro que desempenhou papel decisivo na última
eleição presidencial. O espectro do golpe de Estado saiu de cena, levando com
ele o “voto pela democracia”. Não menos relevante, o governo Lula fabrica
desilusões em série para os eleitores que acreditaram numa renovação da
esquerda.
São Paulo reelegeu um prefeito cinzento, um político de
segunda, que gerencia o declínio dos espaços públicos e, com a Câmara de
Vereadores, descortina caminhos à marcha bárbara da especulação imobiliária. A
dupla derrota, de Lula e Bolsonaro, não representa um triunfo da cidade.
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