Ao atacar a política externa brasileira, presidente
venezuelano oferece a Lula a possibilidade de se reconciliar com a frente ampla
que o elegeu
Nicolás Maduro deu um presente a Luiz Inácio Lula da Silva.
O presidente não o merecia, mas só tem a agradecer. A hostilidade venezuelana à
diplomacia brasileira não poderia ter vindo em momento mais alvissareiro. Foi a
carona que Lula precisava para alcançar o vento à direita que varreu o Brasil
no domingo.
Maduro convocou o embaixador da Venezuela no Brasil, Manuel
Vadell, e, na ausência da embaixadora, o encarregado de negócios da Embaixada
Brasileira em Caracas, Breno Hermann, para pedir explicações. A atitude ainda
está separada por alguns degraus do rompimento de relações, mas dá pro gasto.
Trata-se de uma guinada da rota traçada a
partir de 30 de maio de 2023. Naquele dia, Lula recebeu Maduro no alto da rampa
do Palácio do Planalto, honrando o chefe do Estado com o qual seu antecessor
rompera relações. Não ficou por aí. O presidente disse que havia se construído
uma “narrativa” contra a Venezuela nos últimos anos, que o regime de Maduro
tinha problemas “de democracia” e que trabalharia para a entrada do país no
Brics.
No dia seguinte já surgiriam os sinais de que estava na
contramão. Anfitrião de um encontro de presidentes sul-americanos, foi
rechaçado da direita à esquerda. O presidente uruguaio, Lacalle Pou, disse que
Lula estava “tapando o sol com a peneira” e o chileno Gabriel Boric, que não se
podia fazer “vista grossa” aos problemas da Venezuela.
O rechaço dos vizinhos não impediu que Lula dobrasse a
aposta. O Brasil entrou de cabeça num acordo com vistas obter garantias da
Venezuela por eleições íntegras em 2024 em troca do levantamento de sanções
americanas. A Venezuela voltou a fechar contratos e as petroleiras americanas
conseguiram o óleo que queriam num momento de turbulência do mercado provocado
pela guerra da Ucrânia, mas Maduro não entregou as atas que comprovariam o
compromisso por eleições íntegras.
Os sinais de que não o honraria já estavam claros. Em março,
a candidata de oposição Corina Yoris, foi impedida de se registrar. O Itamaraty
registrou desagrado, Maduro disse que a manifestação era “padrão Departamento
de Estado americano”. A tréplica veio de Lula, que subiu o tom e chamou de
“grave” o veto ao registro.
A tensão não impediu o presidente de mandar seu assessor
especial à Venezuela para acompanhar a votação em julho. Ao fazê-lo, contrariou
a vontade, segundo Celso Amorim disse à Comissão de Relações Exteriores da
Câmara, expressa pelo próprio Maduro.
O presidente venezuelano trucou e deixou o Brasil num beco
sem saída até que, no Brics, Maduro ofereceu, de bandeja, uma saída para Lula
lhe dar o troco. Um ano e cinco meses depois de dizer que trabalharia pela
entrada da Venezuela no Brics, o Brasil vetou sua inclusão na lista de 13
países a serem consultados pela Rússia, atual presidente do bloco, para se
tornarem “parceiros” do Brics, categoria dos sem-voto.
O acidente doméstico que privou Lula de viajar a Kazan lhe
permitiu operar o troco à distância. Maduro desembarcou de surpresa no
encontro, quando a lista de países já estava fechada. Na quarta, 23, pela
manhã, a Putin anunciou aos integrantes do Brics. Até a quinta, Maduro tentou
dar uma carteirada. Quando percebeu que não teria sucesso, apostou na cizânia
interna da política externa brasileira. Na primeira das notas que dirigiu
contra o veto brasileiro mirou no embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia
e Pacífico do Itamaraty.
Buscava o apoio da ex-presidente Dilma Rousseff, presidente
do banco do Brics. Durante a visita de Lula à China, em abril, a ex-presidente
avistou Saboia e manifestou seu desagrado, sem eco. Não foi a primeira vez que
uma investida de Dilma contra o diplomata fracassou. Durante seu primeiro
governo, Saboia era o encarregado de negócios da Embaixada do Brasil na Bolívia
quando decidiu montar uma operação, com a ajuda de fuzileiros navais, para
tirar o senador de oposição, Roger Molina, do país.
Refugiado havia 452 dias na Embaixada brasileira, Molina não
conseguia obter, do governo Evo Morales, salvo-conduto para viajar, a despeito
de o governo brasileiro ter aceito seu pedido de asilo. A operação de fuga, que
Saboia justificaria pela definhamento do senador, levaria a uma crise com a
Bolívia que custaria o cargo do chanceler Antonio Patriota.
A segunda investida de Maduro foi em cima do próprio
chanceler, Mauro Vieira, nesta segunda, em entrevista à televisão venezuelana,
ao acusar o Itamaraty de “conspirar” contra a Venezuela. E, finalmente, nesta
quarta, chegou em Amorim. Na véspera, o assessor especial do presidente, em
audência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, falou em
“mal-estar” com a Venezuela, disse que o país havia “quebrado a confiança” do
governo brasileiro e que sua presença “não contribui” para o Brics.
A única autoridade venezuelana a atacar o presidente foi
Tarek Saab, chefe do Ministério Público, que acusou Lula de ser um “cooptado
pela CIA”, mas, ao chamar Amorim, de “mensageiro do imperialismo” americano,
Maduro prestou enormes serviços - à diplomacia brasileira, que, desgastada por
cizânias internas, se uniu, e ao próprio presidente, cuja política para a
Venezuela abriu, desde a posse, um fosso com a frente ampla de partidos que o
elegeu. Num momento em que a direita, agigantada, se divide, a sorte passou
selada e, agora, só resta a Lula administrá-la.
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