sexta-feira, 1 de novembro de 2024

AS PESQUISAS AMERICANAS SERÃO TESTADAS

César Felício, Valor Econômico

Fundamentos das pesquisas dos EUA mostram favoritismo de Trump

O ex-presidente Donald Trump está com vento favorável em relação à vice-presidente Kamala Harris segundo as principais pesquisas nos Estados Unidos, mas seu favoritismo não vem apenas de estar à frente nos chamados estados-pêndulo, por décimos de percentuais em alguns casos. Trump também é o mais provável vencedor segundo os fundamentos das pesquisas.

Os levantamentos mostram que o eleitor americano vê como principal problema do país o custo de vida provocado pela inflação, que estava forte entre 2021 e 2022.

Também se preocupa com o aumento da imigração e com a geração de empregos. O quadro é o mesmo tanto nos Estados Unidos como um todo como nos estados-pêndulo, variando apenas o topo do ranking. No Arizona, em Michigan e na Pensilvânia, é imigração. Na Carolina do Norte e no Wisconsin, custo de vida. Em Georgia e Nevada, emprego.

O eleitor americano, em seu conjunto, acha que sua vida está pior do que há quatro anos. Isso tende a prejudicar o incumbente ou o candidato que o representa, como é o caso de Kamala.

Segundo a You Gov, uma das mais respeitadas nos Estados Unidos, o eleitor não vê Kamala dando foco às questões que mais preocupam o eleitorado, e enxerga Trump fazendo isso. Imigração e custo de vida são pilares da campanha de Trump, o que faz com que ele paute o debate.

Isso é mais importante do que a "corrida de cavalos" que mostra os dois emparelhados. Pelos agregadores de pesquisa mais usados dos Estados Unidos, é possível a Trump se tornar o republicano com mais delegados (312) desde George Bush pai em 1988 (426). Na fotografia do momento teria menos, de 276 a 287, ainda assim acima dos 270 suficientes para eleger.

Toda a atenção de uma nação de 330 milhões de habitantes, dos quais espera-se que um contingente em torno de 160 milhões vote, está voltado para os sete estados-pêndulo (ou "swing states"), em que há empate técnico entre os dois. Se a tradição valesse, Kamala ganharia na Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Nevada e se tornaria presidente. Trump venceria na Georgia, Carolina do Norte e Arizona e isso não seria o suficiente. A tradição até pode se confirmar esse ano, mas o que os agregadores de pesquisa 538 e Real Clear Polling mostram não é isso. Trump está na frente na Pensilvânia, mantém Georgia, Arizona e Carolina do Norte e só perderia em Michigan e Wisconsin. O 538 dá Nevada para os democratas e o Real Clear para os republicanos, mas isso não altera o cenário.

Um dado intrigante é que Trump não descola de Kamala mesmo com tudo conspirando a seu favor. Ou há erro nas pesquisas, ou o ex-presidente tem um teto provocado pela sua alta rejeição.

Não se deve esperar de pesquisas uma precisão que elas não conseguem entregar. Isso no Brasil é algo estabelecido, mas nos Estados Unidos o peso e a cobrança que se faz em relação aos levantamentos é maior. "No Brasil há voto popular. Aqui há Colégio Eleitoral", diz Clifford Young, presidente de pesquisas do Ipsos. "A diferença em relação aos resultados é mínima, mas a questão é até que ponto as pesquisas são ferramentas para prognósticos. Por isso é importante olhar os agregadores", diz.

As pesquisas nos Estados Unidos mudaram sua metodologia nessas eleições em relação a 2016 e 2020. Estão menos aleatórias. Tanto na busca pelos entrevistados quanto na ponderação dos resultados depois da pesquisa se dá um peso maior a eleitores de Trump. A razão é o que aconteceu nos dois últimos pleitos: constatou-se que o eleitor trumpista respondia menos aos pesquisadores. Houve uma subestimação do eleitorado republicano. "Trump atraiu nas duas últimas eleições pessoas que normalmente não participavam do processo político. Essa tendência antissistema não é captada, como também não foi captada em relação a Bolsonaro. Foi um problema de três pontos percentuais", afirma Young.

A estratégia do mercado de pesquisas foi aplicar ajustes, cuja precisão será experimentada este ano. "Hoje se usa atrativos para atrair o trumpista a responder a pesquisa. O recrutamento é feito com base no registro dos eleitores. Aqui é possível saber o endereço de quem votou e de quem não votou. É um ajuste de cadastro, não é mais amostra aleatória da população", comenta Young.

O mercado também busca se adaptar a um meio em que está cada vez mais difícil encontrar alguém que atenda um telefone. "O retorno médio é de uma ligação respondida para cada 200. Antes era de 2% a 5%", comentou Christopher Garman, cientista político e diretor da empresa de consultoria Eurasia. Pesquisas presenciais, seja por ponto de fluxo ou por visitas residenciais, não são feitas nos Estados Unidos, em razão do alto custo.

Os meios mais usados são o do recrutamento digital, usado por empresas como a Atlas Intel ou a You Gov, por vezes com um painel de eleitores relativamente fixo, que respondem aos questionários online com frequência. Mas mesmo nessa modalidade as respostas têm caído, segundo Garman. Pesquisas não faltam nos Estados Unidos, mas pesquisar está cada vez mais difícil.

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