Caso da vereadora assassinada é o exemplo da hora das
conexões do crime organizado com a política e as dificuldades de combatê-lo,
por causa da sua infiltração no aparelho de segurança
No mesmo dia em que o julgamento do caso Marielle Franco
(PSol) transcorria no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se
reunia com governadores para anunciar o projeto de reformas constitucional que
reforça a presença do governo federal no combate à criminalidade e consolida o
Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado no governo Temer.
"A gente vê, de vez em quando, falar do Comando
Vermelho, do PCC. E eles estão em quase todos os estados, disputando eleições e
elegendo vereadores. E, quem sabe, indicando pessoas para utilizar cargos
importantes nas instituições brasileiras", justificou.
A proposta da emenda à Constituição (PEC),
que será enviada para análise do Congresso Nacional, foi elaborada pelo
ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para quem é preciso realizar
"mudanças estruturais" na área. Segundo ele, o desenho estabelecido
pela Constituição de 1988 "está absolutamente superado pela dinâmica da
criminalidade", que deixou de ser local para ser nacional e transnacional.
O caso Marielle Franco é o exemplo da hora das conexões do
crime organizado com a política e as dificuldades de combatê-lo por causa da
infiltração criminosa no aparelho de segurança pública. O julgamento dos
assassinos confessos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes
foi concluído nesta quinta-feira pelo 4º Tribunal de Júri do Rio de
Janeiro.
Mais de seis anos depois do crime, foram condenados os
ex-policiais militares Ronnie Lessa, que reconheceu ter sido autor dos
disparos, a 78 anos e 9 meses de prisão; e Élcio Queiroz, que confessou ter
dirigido o carro usado no crime, a 59 anos e oito meses. Em delação premiada,
ambos contribuíram para reconstituir um assassinato cometido sob encomenda dos
irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, respectivamente conselheiro do Tribunal de
Contas do Estado (TCE-RJ) e deputado federal pelo Rio de Janeiro.
Mandantes impunes
Ambos estão presos, porém, a cassação do mandato de
Chiquinho, aprovada no Conselho de Ética da Câmara, ainda não foi a plenário, o
que mostra as dificuldades políticas para romper a blindagem contra criminosos
infiltrados nos poderes constituídos. Punir os mandantes do assassinato é
indispensável para coibir crimes dessa natureza; somente os executores não
resolve o problema da infiltração criminosa.
Marielle foi assassinada em plena atividade política como
parlamentar, ao sair de uma reunião de mulheres que debatia o tema da
violência, na Lapa, região central da capital fluminense. A causa foi sua
atuação na Zona Oeste da cidade contra um esquema de grilagem de terrenos e
projetos imobiliários ilegais, sob o comando de milícias.
O crime contou com a cobertura do próprio chefe da Polícia
Civil à época, o delegado Rivaldo Barbosa, que prejudicava as investigações
para evitar que chegassem aos mandantes. Somente após a Polícia Federal entrar
no caso é que o crime foi elucidado, e Barbosa foi preso. O delegado chegou a
prometer aos pais de Marielle que o assassinato não ficaria impune.
Os irmãos Brazão e Barbosa, que ainda não foram a
julgamento, acusam o ex-vereador Cristiano Girão, também ex-policial militar,
que chegou a ser preso e condenado por se envolver com milícias na Zona Oeste,
de ser o mandante, num jogo para confundir as investigações. O ministro
Alexandre de Moraes é o responsável pelo caso no Supremo Tribunal Federal
(STF).
O caso Marielle é uma demonstração de que a reforma do
sistema de segurança pública é realmente necessária. A resistência dos
governadores à implantação do sistema, como no caso do governador de Goiás,
Ronaldo Caiado, que teve na questão da segurança pública uma prioridade
efetiva, não se justifica. Os governadores de Santa Catarina, Jorginho Melo
(PL); Paraná, Ratinho Junior (PSD); e Minas, Romeu Zema (Novo), sequer foram a
reunião.
Caiado verbalizou a resistência dos governadores de
oposição: "É inadmissível qualquer invasão nas posições que os estados têm
em termos de poder da sua Polícia Civil, Militar e Penal, que realmente são as
estruturas que sustentam a segurança neste país, com total parceria com a PF e
a PRF".
A posição do governador goiano sinaliza as dificuldades que
o projeto de reforma da segurança pública enfrentará no Congresso. O problema
não é onde o sistema de segurança não foi capturado pelo crime organizado, é
onde isso está acontecendo. Nesse caso, a ação federal é necessária, como o
próprio caso Marielle demonstra.
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