sexta-feira, 1 de novembro de 2024

CONDENAÇÃO DE ASSASSINOS DE MARIELLE TRAZ ALÍVIO, NUNCA ALEGRIA

Flávia Oliveira, O Globo

Foi a justiça possível, como definiu o promotor Fábio Vieira, do MP-RJ, que se fez com a condenação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Seis anos, sete meses e 17 dias depois do crime, a sociedade, por meio do Tribunal do Júri, mostrou que, desta vez, a impunidade não prevaleceu. A sentença da juíza Lúcia Glioche, que fixou penas de, respectivamente, 78 e 59 anos de prisão aos assassinos, traz alívio; alegria, nunca. As lágrimas brotam porque, se confirma agora, Marielle Franco e Anderson Gomes não retornarão; Fernanda Chaves, a única sobrevivente, jamais terá de novo a vida que lhe foi sequestrada. Tampouco voltarão à normalidade Luyara, Monica, Marinete, Antônio, Anielle, Arthur, Ágatha, familiares tornados vítimas perpétuas da barbárie.

A titular do 4º Tribunal do Júri foi precisa ao anunciar que o veredito é mais recado aos réus e à laia de criminosos que acossam o Rio de Janeiro do que alento às famílias.

— Talvez justiça fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido, talvez justiça fosse Anderson e Marielle vivos — reforçou.

O julgamento que presidiu, num par de sessões com transmissão ao vivo, ensinou que fulminados também são os que sobrevivem ao homicídio de seus amores. Pedagogia pura num país recordista em assassinato de defensores de direitos humanos, num território em que dezenas de milhares de corpos, quase sempre pretos, quase sempre pobres, tombam anualmente.

— A orientação da ONU, que consta da política do Judiciário brasileiro, considera formalmente vítima não só a pessoa atingida pelo fato criminoso, mas também os familiares — explica a juíza federal Adriana Cruz, secretária-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A Resolução 253/2018 do CNJ, que trata do tema, saiu da provocação dos movimentos de mães de vítimas da violência. Obriga os tribunais a ter centros de atendimento para assistir os familiares. A compreensão alcança todas as etapas da luta por justiça, não apenas o processo criminal. Engloba, por óbvio, os filhos de uma mulher morta por feminicídio que busquem benefício previdenciário via Justiça Federal.

O caso Marielle Franco, que já apresentara ao Brasil o conceito de feminicídio político, agora nos escancara a vastidão dos danos de um assassinato. E mostrou ao Rio de Janeiro, ao país e ao mundo o tamanho do buraco em que o crime organizado nos meteu. Ronnie Lessa e Élcio Queiroz integram uma engrenagem a serviço da morte. O atirador contou com frieza assustadora no interrogatório que, contratado para o crime, encomendou ao mandante o kit assassinato: carro clonado, arma e telefone celular.

Ele contou que Macalé, o intermediário, tinha conexões com o camelódromo de Madureira, com farta oferta de aparelhos. Os criminosos se comunicavam sem risco de expor as linhas contratadas nos próprios CPFs. A cadeia de roubos, furtos e receptação de celulares — crimes galopantes no estado e já associados a falsos sequestros e extorsões praticadas de dentro dos presídios da capital — também se liga à indústria da morte.

O Ministério Público do Rio, cujos representantes chegaram aos autores às vésperas de o crime completar um ano, parece não ter dúvida também sobre a motivação: política e relacionada à disputa fundiária na capital. Primeira a depor como testemunha de acusação, Fernanda Chaves foi questionada sobre a atuação da vereadora na área da habitação popular, alvo dos grupos milicianos que dominam, sobretudo, a Zona Oeste carioca.

Ela contou que Marielle apresentou à Câmara Municipal um Projeto de Lei para determinar que a Prefeitura ofereça assistência técnica gratuita a projeto e execução de imóveis para famílias com renda inferior a três salários mínimos. Feria, obviamente, interesses criminosos. O PL 642/2017 foi protocolado no fim do primeiro ano de mandato da vereadora. Num pacote de projetos de Marielle submetidos ao plenário um mês e meio depois da morte, não avançou. Só foi aprovado em 2019.

A informação se alinha à tese apresentada pela Polícia Federal à Procuradoria-Geral da República nas investigações sobre os mandantes, concluídas cinco anos depois das execuções. Na delação, o atirador Lessa apontou Chiquinho Brazão, deputado federal, seu irmão, Domingos Brazão, conselheiro do TCE, e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil, como mandantes, em razão de interesses contrariados em atividades que afetam a milícia. A palavra agora está com o Supremo.

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