Inteligência artificial, biotecnologia, robótica,
internet das coisas e blockchain estão transformando profundamente a economia,
a sociedade e até mesmo o conceito de humanidade
O mundo acompanha com grande expectativa as eleições
presidenciais nos Estados Unidos, nas quais a vice-presidente Kamala Harris e o
ex-presidente Donald Trump chegam às urnas, nesta terça-feira, praticamente
empatados nas médias nacionais. Há diferenças políticas abissais entre ambos.
Harris, se vencer, será a primeira mulher a governar os Estados Unidos; Trump
pode vir a ser o primeiro ex-presidente derrotado numa eleição a voltar ao
poder. São eleições realmente atípicas.
O presidente Joe Biden desistiu de concorrer à reeleição
para não perder para Trump, que havia derrotado quando pleiteava o segundo
mandato. Com sua renúncia, Kamala foi aclamada candidata pelo Partido Democrata
e recuperou o terreno perdido em poucas semanas. Sua pequena vantagem, porém,
nesses últimos dias de campanha, está diminuindo. Para alguns analistas, Trump
voltou a ser favorito na disputa. Só nos resta aguardar os resultados do
pleito, que combina eleições diretas nos estados e um colégio eleitoral de
delegados, que representa a federação e elege o presidente. Na maioria dos
estados, quem ganha as eleições elege todos os delegados, não há
proporcionalidade.
O sistema de apuração das eleições
norte-americanas é arcaico, com votação em cédulas de papel e contagem manual
em muitos lugares, o que provoca demora na proclamação dos resultados e
acusações de fraude. Na eleição passada, Trump aproveitou-se disso para se
proclamar vencedor e estimulou a tomada do Capitólio por seus partidários, para
impedir a posse de Biden. Nesta eleição, já estimula controvérsias sobre a
lisura das eleições, caso perca novamente. Chega-se ao dia de votação — também
foi possível votar antecipadamente, pelo correio — com as pesquisas muito
apertadas em sete estados considerados decisivos, entre os quais Pensilvânia,
Michigan e Wisconsin.
O pano de fundo das eleições americanas são aceleradas
transformações tecnológicas e sociais, o declínio do sonho americano e uma
corrida mundial para reinventar o Estado, no contexto de ascensão da China como
segunda potência mundial. Entre os intérpretes dessas mudanças, há um consenso
de que as democracias ocidentais não estão conseguindo acompanhá-las.
A China e outros países da Ásia estão se modernizando
rapidamente e põem em xeque a hegemonia norte-americana no Pacífico, para onde
se deslocou o comercio mundial. A ineficiência e o tamanho excessivo do Estado
moderno, a burocracia e os altos custos dos serviços públicos, as dificuldades
enfrentadas para promover o crescimento econômico e manter o chamado
"Estado de bem-estar social" são o pano de fundo da ascensão de
forças de extrema-direita e reacionárias no mundo.
Signo de incertezas
Inteligência artificial, biotecnologia, robótica, internet
das coisas e "blockchain" (criptomoedas e compartilhamento de dados)
estão transformando profundamente a economia, a sociedade e até mesmo o
conceito de humanidade. As mudanças estão acontecendo de forma muito rápida e
em escala global, com potencial de afetar toda a estrutura produtiva e o
cotidiano das pessoas. Não se trata apenas de debater "o quê" e
"como fazer", mas também definir "quem somos". Há incertezas
e urgências para todos, as relações são mais voláteis e fluidas. Isso vale para
os governos, as empresas e os indivíduos.
A integração de tecnologias, como internet das coisas (IoT),
inteligência artificial e biotecnologia, está criando inovações disruptivas que
têm o potencial de modificar radicalmente setores inteiros, desde saúde e
agricultura até o transporte e a energia. A automação e a inteligência
artificial têm o potencial de substituir muitos empregos tradicionais, ao mesmo
tempo em que criam novas oportunidades e demandam novas habilidades.
Esse ambiente gera duas atitudes: tentar barrar as mudanças
e resgatar um passado imaginário ou acompanhar o processo pela via da
modernização forçada. Ambas convergem para formas de governo autoritárias.
Educação e desenvolvimento de novas competências demandam tempo e
regulamentação para preservar princípios éticos, como no caso da biotecnologia,
garantir a liberdade e regulamentar a proteção de direitos dos indivíduos e o
bem-estar social somente é possível na democracia. Nela, temas como privacidade
e combate às desigualdades são essenciais.
O American Dream ou "Sonho Americano" sempre foi
associado a prosperidade, liberdade e oportunidades iguais, que os Estados
Unidos, bem ou mal, asseguraram desde a Independência. Entretanto, esse modo de
vida americano está em declínio, devido às dificuldades de acesso à educação e
à saúde, à volatilidade do mercado de trabalho, à crise habitacional e às
restrições aos direitos e liberdades individuais. É nesse cenário, agravado
pelo aquecimento global, que Kamala e Trump se digladiam. A primeira aposta na democracia
como a melhor forma para enfrentar os problemas; o segundo não esconde seu
projeto "iliberal".
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