segunda-feira, 4 de novembro de 2024

MORRE EVANDRO TEIXEIRA

Do O GLOBO — Rio de Janeiro

Morre Evandro Teixeira, mestre do fotojornalismo, aos 88 anos

Responsável por registros históricos durante a Ditadura Militar no Brasil, fotógrafo permaneceu por 47 anos no Jornal do Brasil

Morreu nesta segunda-feira (4), aos 88 anos, Evandro Teixeira, um dos mestres do fotojornalismo brasileiro. Responsável por imagens que se tornaram documentos da repressão violenta aos movimentos democráticos pelas ditaduras militares no Cone Sul, além de registros de personalidades e do cotidiano do Rio . O fotógrafo estava internado na Clínica São Vicente, na Gávea, Zona Sul do Rio, com um quadro de pneumonia.

Teixeira nasceu em um dia de Natal, 25 de dezembro de 1935, na cidade de Irajuba, interior da Bahia, filho de um fazendeiro e de uma dona de casa. Antes de se apaixonar pela máquina fotográfica de um tio, chegou a pensar em seguir o ofício de escultor ou até aviador. A partir do primeiro contato com o equipamento, no entanto, passou a fazer registros de sua família.

Ainda adolescente, Teixeira foi para Salvador, a cerca de 175 km de sua cidade natal. Na capital baiana, trabalhou como estagiário no jornal Diário de Notícias, mas ainda não na fotografia, área na qual começou a atuar apenas quando foi contratado pelo Diário da Noite, no Rio, em 1958, um ano após sua transferência para a então capital do país. Desde então passou a fazer registros também para O Jornal, O Mundo Ilustrado e Diário de Notícias.

Em 1963, Teixeira passou a trabalhar no Jornal do Brasil, onde permaneceria durante 47 anos. Foi lá que, documentando a Ditadura Militar iniciada em 1964, consolidou seu nome como um dos grandes do fotojornalismo brasileiro.

Entre as imagens, hoje clássicas do fotojornalismo, clicadas por Teixeira nesse período estão “Tomada do Forte de Copacabana”, tirada à noite e publicada no dia seguinte ao golpe; a queda de um motociclista da FAB em uma via pública, um registro de 1965; “Baionetas e libélulas”, de 1967; a missa em homenagem ao estudante Edson Luís, cujo assassinato, em 1968, motivou diversas mobilizações contrárias ao regime; a Passeata dos Cem Mil, também em 1968; e “Caça ao estudante” — que se imortalizou nos livros didáticos de História.

— Tínhamos que fazer coisas para revelar a brutalidade daquele momento. Foi uma loucura, mas acho que consegui — disse Teixeira, em agosto de 2023, em entrevista ao GLOBO, por ocasião de uma exposição no CCBB que reunia imagens que fez durante as ditaduras brasileira e chilena.

No Chile, Teixeira registrou o velório do poeta Pablo Neruda, em 1973. Foi o único fotógrafo a registrar o corpo do chileno momentos após a sua morte. Ainda na clínica em que ele morreu, Teixeira se apresentou a Matilde Urrutia, viúva do escritor, como o fotógrafo que havia registrado o seu encontro com o amigo Jorge Amado, no Brasil. Ela não apenas deixou que fizesse fotos no local como o convidou para irem à sua casa, onde o chileno seria velado.

'Evandro Teixeira, Chile, 1973'

Teixeira fotografou desde pessoas anônimas a personalidades de destaque, rostos conhecidos do país e do mundo como a atriz Leila Diniz (1945-1972), o compositor Cartola (1908-1980)e o bailarino russo Rudolf Nureyev (1938-1993), o Papa João Paulo II (1920-1905), o piloto Ayrton Senna (1960-1994), Pelé (1940-1922), a rainha Elizabeth II (1926-1922) e a princesa Diana (1961-1997).

Muitos de seus cliques foram feitos do alto de sua indefectível escadinha de alumínio de quatro degraus, com a qual seguia para pautas e eventos em busca de ângulos diferentes dos quais os outros fotógrafos disporiam. Ela rodou o mundo inteiro com seu dono, e o ajudou a registrar manifestações políticas , treinos e jogos da Seleção brasileira , as expressões de papas e outras autoridades.

— Em uma visita do Papa João Paulo II à Bahia, eu estava atrás do cordão de isolamento e das autoridades, para fazer o embarque dele. Na época, ele não tinha o hábito de falar à imprensa nessas ocasiões. Foi quando um repórter meteu o microfone por entre os policiais e fez uma pergunta, e o Papa voltou para responder. Graças a essa escada consegui fazer a foto dele dando a entrevista, por cima dos policiais — relatou.

Entre as grandes personalidades que retratou, o fotógrafo conseguiu reunir, em uma única fotografia, os músicos Chico Buarque, Tom Jobim (1927-1994) e Vinicius de Moraes (1913-1980) deitados sobre mesas em um bar, durante a comemoração do aniversário do poeta, em 1979, um ano antes de sua morte. Teixeira permaneceu no Jornal do Brasil até 2010, quando o diário deixou de ter uma edição impressa. Desde então, ele vinha se dedicando a projetos pessoais.

Em 2020, o Instituto Moreira Salles (IMS) incorporou o arquivo de Teixeira ao seu acervo fotográfico, o maior do Brasil, que reúne dois milhões de imagens. O fotógrafo repassou ao IMS mais de 150 mil fotos feitas em cinco décadas de carreira (em negativos, contatos, cromos ou arquivos digitais), algumas das quais exibidas na exposição "Evandro Teixeira, Chile, 1973", que passou pelo IMS de São Paulo e pelo CCBB do Rio.

Evandro Teixeira deixa a mulher, Marly Souza Caldas (com quem se casou em 1964), e as duas filhas, Carina e Adryana. O corpo do fotojornalista será velado no Palácio Pedro Ernesto (Câmara dos Vereadores) nesta terça-feira (05/11), das 9h às 12h. Foi justamente na Cinelândia que Teixeira fez uma das suas imagens históricas: a da Passeata dos Cem Mil, em 1968.

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