Morre Evandro Teixeira, mestre do fotojornalismo, aos 88
anos
Responsável por registros históricos durante a Ditadura
Militar no Brasil, fotógrafo permaneceu por 47 anos no Jornal do Brasil
Morreu nesta segunda-feira (4), aos 88 anos, Evandro
Teixeira, um dos mestres do fotojornalismo brasileiro. Responsável por imagens
que se tornaram documentos da repressão violenta aos movimentos democráticos
pelas ditaduras militares no Cone Sul, além de registros de personalidades e do
cotidiano do Rio . O fotógrafo estava internado na Clínica São Vicente, na
Gávea, Zona Sul do Rio, com um quadro de pneumonia.
Teixeira nasceu em um dia de Natal, 25 de dezembro de 1935,
na cidade de Irajuba, interior da Bahia, filho de um fazendeiro e de uma dona
de casa. Antes de se apaixonar pela máquina fotográfica de um tio, chegou a
pensar em seguir o ofício de escultor ou até aviador. A partir do primeiro
contato com o equipamento, no entanto, passou a fazer registros de sua família.
Ainda adolescente, Teixeira foi para Salvador, a cerca de
175 km de sua cidade natal. Na capital baiana, trabalhou como estagiário no
jornal Diário de Notícias, mas ainda não na fotografia, área na qual começou a
atuar apenas quando foi contratado pelo Diário da Noite, no Rio, em 1958, um
ano após sua transferência para a então capital do país. Desde então passou a
fazer registros também para O Jornal, O Mundo Ilustrado e Diário de Notícias.
Em 1963, Teixeira passou a trabalhar no Jornal do Brasil,
onde permaneceria durante 47 anos. Foi lá que, documentando a Ditadura Militar
iniciada em 1964, consolidou seu nome como um dos grandes do fotojornalismo
brasileiro.
Entre as imagens, hoje clássicas do fotojornalismo, clicadas
por Teixeira nesse período estão “Tomada do Forte de Copacabana”, tirada à
noite e publicada no dia seguinte ao golpe; a queda de um motociclista da FAB
em uma via pública, um registro de 1965; “Baionetas e libélulas”, de 1967; a
missa em homenagem ao estudante Edson Luís, cujo assassinato, em 1968, motivou
diversas mobilizações contrárias ao regime; a Passeata dos Cem Mil, também em
1968; e “Caça ao estudante” — que se imortalizou nos livros didáticos de
História.
— Tínhamos que fazer coisas para revelar a brutalidade
daquele momento. Foi uma loucura, mas acho que consegui — disse Teixeira, em
agosto de 2023, em entrevista ao GLOBO, por ocasião de uma exposição no CCBB
que reunia imagens que fez durante as ditaduras brasileira e chilena.
No Chile, Teixeira registrou o velório do poeta Pablo
Neruda, em 1973. Foi o único fotógrafo a registrar o corpo do chileno momentos
após a sua morte. Ainda na clínica em que ele morreu, Teixeira se apresentou a
Matilde Urrutia, viúva do escritor, como o fotógrafo que havia registrado o seu
encontro com o amigo Jorge Amado, no Brasil. Ela não apenas deixou que fizesse
fotos no local como o convidou para irem à sua casa, onde o chileno seria
velado.
'Evandro Teixeira, Chile, 1973'
Teixeira fotografou desde pessoas anônimas a personalidades
de destaque, rostos conhecidos do país e do mundo como a atriz Leila Diniz
(1945-1972), o compositor Cartola (1908-1980)e o bailarino russo Rudolf Nureyev
(1938-1993), o Papa João Paulo II (1920-1905), o piloto Ayrton Senna
(1960-1994), Pelé (1940-1922), a rainha Elizabeth II (1926-1922) e a princesa
Diana (1961-1997).
Muitos de seus cliques foram feitos do alto de sua
indefectível escadinha de alumínio de quatro degraus, com a qual seguia para
pautas e eventos em busca de ângulos diferentes dos quais os outros fotógrafos
disporiam. Ela rodou o mundo inteiro com seu dono, e o ajudou a registrar
manifestações políticas , treinos e jogos da Seleção brasileira , as expressões
de papas e outras autoridades.
— Em uma visita do Papa João Paulo II à Bahia, eu estava
atrás do cordão de isolamento e das autoridades, para fazer o embarque dele. Na
época, ele não tinha o hábito de falar à imprensa nessas ocasiões. Foi quando
um repórter meteu o microfone por entre os policiais e fez uma pergunta, e o
Papa voltou para responder. Graças a essa escada consegui fazer a foto dele
dando a entrevista, por cima dos policiais — relatou.
Entre as grandes personalidades que retratou, o fotógrafo
conseguiu reunir, em uma única fotografia, os músicos Chico Buarque, Tom Jobim
(1927-1994) e Vinicius de Moraes (1913-1980) deitados sobre mesas em um bar,
durante a comemoração do aniversário do poeta, em 1979, um ano antes de sua
morte. Teixeira permaneceu no Jornal do Brasil até 2010, quando o diário deixou
de ter uma edição impressa. Desde então, ele vinha se dedicando a projetos
pessoais.
Em 2020, o Instituto Moreira Salles (IMS) incorporou o
arquivo de Teixeira ao seu acervo fotográfico, o maior do Brasil, que reúne
dois milhões de imagens. O fotógrafo repassou ao IMS mais de 150 mil fotos
feitas em cinco décadas de carreira (em negativos, contatos, cromos ou arquivos
digitais), algumas das quais exibidas na exposição "Evandro Teixeira,
Chile, 1973", que passou pelo IMS de São Paulo e pelo CCBB do Rio.
Evandro Teixeira deixa a mulher, Marly Souza Caldas (com
quem se casou em 1964), e as duas filhas, Carina e Adryana. O corpo do
fotojornalista será velado no Palácio Pedro Ernesto (Câmara dos Vereadores)
nesta terça-feira (05/11), das 9h às 12h. Foi justamente na Cinelândia que
Teixeira fez uma das suas imagens históricas: a da Passeata dos Cem Mil, em
1968.
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