Nos EUA o orçamento é globalmente impositivo mas o país
não degenera numa espécie de localismo centrípeto
O assim chamado orçamento
secreto ou emendas Pix assentam-se na ocultação da autoria das
emendas. Eis um paradoxo: Por que os autores das emendas orçamentárias não
reivindicam o crédito pelo seu patrocínio?
Reivindicar crédito por obras e provisão de serviços é parte
essencial do que parlamentares fazem em qualquer democracia. A expressão credit
claiming entrou no jargão da ciência política através da obra seminal de Mayhew, que também identificou
duas outras atividades fundamentais para a sobrevivência política: a
propaganda, ex. marcar presença para o reconhecimento do nome e marcar posição
(position taking), que visa defender bandeiras de seu eleitorado mais que mudar
políticas.
Dependendo das características
institucionais do país o voto pode ser mais ou menos partidário ou —seu oposto—
pessoal, o voto alimentado por benefícios concentrados para localidades
específicas (no jargão, pork barrel). Poder reclamar o crédito político pelo
benefício confunde-se universalmente com a atividade parlamentar. Um senador
texano ficou famoso quando afirmou que se por alguma irracionalidade o
Congresso americano aprovasse um projeto para uma fábrica de queijo na lua, ele
iria querer que "a sede celestial da empresa" fosse no Texas, a
empreiteira fosse texana, e que o leite também fosse de vacas texanas.
David Samuels, em um trabalho pioneiro feito em 2002,
argumenta que o patrocínio de projetos localistas não envolve a troca de voto
por benefício concentrado, mas sim troca de projetos por recursos de campanha.
Assim, projetos localistas irrigavam campanhas política locais. O argumento
dava conta de outro paradoxo: a correlação baixa entre voto local e projetos,
mas alta entre voto e caixa de campanha. As evidências anedóticas para as
eleições de 2024 sugerem o contrário: as emendas asseguraram vitória para seus
patrocinadores. Mas o nexo entre financiamento empresarial (ilícito) de
campanha e voto re-emerge diretamente em novo formato.
A falta de reivindicação de crédito pode se dever assim pelo
potencial de dano a seus patrocinadores e simultaneamente como fonte de
arranjos corruptos. Os quais não se concentram nesta seara: os maiores
escândalos de corrupção do país envolveram as maiores empresas públicas, os
maiores fundos de pensão e implicaram diretamente o executivo federal. São
modalidades distintas de, eufemisticamente falando, atividade política pouco
republicana.
A falta de reivindicação deve-se também obviamente à
flexibilidade —liquidez, seria mais preciso— que elas permitem: não há
projetos, o que gera grande celeridade.
Scott Frisch autor de Cheese Factories in the Moon argumenta
que os projetos localistas são bons para a democracia americana por
fortalecerem o nexo entre representantes e seu eleitorado. O mesmo vale mutatis
mutandis para a nossa democracia. Mas há uma questão anterior: o que permite
que um legislativo que detém quase total controle do orçamento, que é
globalmente impositivo, não degenera em um localismo centrípeto,
como aqui? A resposta passa necessariamente pelo nosso sistema
partidário. Como já discuti aqui na coluna, "presidente
fraco, freios nos dentes".
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