Todas têm um patrimônio tipográfico em suas fachadas, que
só percebemos quando elas são destruídas
É raro, mas acontece —um livro nos cair às mãos e nos darmos
conta de que, sem saber, esperávamos ardentemente por ele. Acaba de acontecer
comigo, diante do recém-lançado "O Texto da Rua – Tipografia Pública
no Rio
de Janeiro", do designer gráfico Victor Burton, pela Sextante. É o
primeiro livro de Burton como autor, com seu nome acima do título —ele, que tem
sido responsável pela beleza gráfica de tantos livros alheios, um deles, meu.
"O Texto da Rua" trata de dois
assuntos que sempre me fascinaram: tipografia e a memória das cidades.
Tipografia é aquilo que, mesmo sem nunca ter pensado no assunto, todo mundo
reconhece quando vê. O texto que você está lendo, por exemplo, é resultado
dela. Já a memória das cidades é algo de que só falamos quando essa memória se
vai —quando uma bela construção antiga a que nos habituáramos desaparece e, no
lugar, começa a subir um espigão. Achamos uma pena que a derrubem, embora nunca
tenhamos nos interessado por ela e muito menos feito algo para protegê-la.
Donde a memória das cidades existe, mas é problema dos outros.
As fotos de João Victor Burton em "O Texto da Rua"
nos fazem abrir os olhos para as pequenas obras-primas que nos cercam e, sem
que percebamos, dão um caráter à cidade. É um fabuloso apanhado do patrimônio
tipográfico nas fachadas das construções do Rio, sempre em íntima relação com a
arquitetura. São os nomes de edifícios residenciais, estabelecimentos
comerciais e instituições culturais, em fontes, estilos e formatos, de uma
criatividade tão absurda quanto anônima —nunca saberemos quem os criou. Na sua
humilde mudez, essas letras contam a história da cidade.
No Rio, dobra-se uma esquina e se sai em outro século. Ainda
temos construções remanescentes dos séculos 17 e 18 e quarteirões inteiros do
século 19. A tipografia das fachadas foi a contribuição do século 20. Mas o
grotesco e o horrendo do século 21 vencerão se não protegermos o passado.
Que este livro nos ensine a olhar a cidade em que vivemos,
seja qual for. E, ao enxergá-la em seus preciosos detalhes, possamos ajudar a
salvá-la.
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