Sou vegetariano, mas não resisto às tentações da carne
quando se trata de debate político. Ainda como deputado, enfrentei um deles.
Foi quando o Canadá,
falsamente, insinuou que havia a doença da vaca louca no gado brasileiro.
Criamos uma comissão e fizemos bastante barulho para demonstrar que era
injusto.
Não sou favorável à criação de gado que consome a floresta.
Os grandes consumidores internacionais também não são. É o caso do McDonald’s,
preocupado com seus jovens clientes. Apesar de minhas posições, eu achava que
era importante cerrar fileira com os deputados ruralistas. Era um tempo em que,
apesar da divergência, havia diálogo. O interesse nacional estava em jogo.
Lembro que, depois de resolver o problema da falsa denúncia,
ainda discutimos um pouco a rastreabilidade do gado. Minha posição era que a
condição deveria ser preenchida. Alguns ruralistas resistiam por causa dos
custos. De que adianta fazer economia, se há o risco de perder o mercado
internacional?
É possível se distanciar do consumo da carne bovina mas, ao
mesmo tempo, compreender dois pontos importantes. Ela tem um peso na economia
nacional. Em termos mais amplos, é possível afirmar também que, sem proteína
animal, será impossível toda a humanidade se alimentar adequadamente. Pelo
menos por enquanto.
A história do Carrefour para mim foi uma espécie de reprise
do episódio canadense. O CEO global da empresa, Alexandre Bompard, disse que
pararia de comprar carne do Mercosul,
porque não atendia às condições sanitárias. Era um movimento de apoio aos
agricultores franceses que se colocam contra o acordo União Europeia-Mercosul.
A reação dos fornecedores brasileiros foi rápida, e o boicote ao Carrefour no
Brasil, segundo mercado em faturamento no mundo, deu resultado. Bompard voltou
atrás e pediu desculpas discretas.
O problema, no entanto, continua de pé. Há forte pressão
na França para
detonar o acordo. Neste momento, é preciso bastante articulação nacional. Nos
velhos tempos, tive a oportunidade de debater com grandes ministros da
Agricultura, sobretudo Alysson Paolinelli e Roberto Rodrigues. Há muito o que
aprender com as pessoas que dedicam sua vida ao agro. Da mesma forma, é
necessário compreender com clareza o que é interesse comercial na Europa e o
que é preocupação genuína com o meio ambiente.
Com base nessas premissas, é possível construir algo
parecido com uma unidade nacional, espécie de palavrão num país tão dividido e
intolerante. É importante ressaltar que está em jogo um grande acordo mais
amplo que o comércio de carne. Nesse campo específico, vemos no Brasil um
grande domínio dos irmãos Batista, que estendem sua atuação para a energia e
têm excelentes relações com o governo. Não importa o que se pense a respeito
deles, a respeito do governo e a respeito das relações entre ambos. As consequências
econômicas atingem milhares de pessoas.
Fico um pouco triste ao ver o Congresso mergulhado numa
discussão sobre emendas parlamentares, sem se dar conta de todas as iniciativas
que a realidade inspira. No caso do Carrefour, a reação dos fornecedores de
carne brasileiros foi rápida e eficaz porque atingiu o bolso. Mas, quando se
ouvem os debates no Parlamento francês, observa-se que lá a frente política não
hibernou como aqui. Ouvimos deputados afirmando que os produtos do Mercosul,
logo os do Brasil, são um lixo.
Na verdade, se nos fixamos apenas na carne, são produtos tão
bons quanto os de lá, só que mais baratos, porque não dependem tanto dos
subsídios do governo. Nessa questão toda, temos uma excelente oportunidade de
funcionar como país. Por que não discutir o assunto mais amplamente? Por que
não atuar em conjunto, e deixar as divergências para um pouco mais tarde? Será
que uma certa ideia de Brasil é apenas nostalgia de um velho parlamentar?
Artigo publicado no jornal O Globo em 02/12/2024
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