Fato de general golpista ter chegado tão longe mostra que país falhou na transição da ditadura para a democracia. É hora de reformar os currículos militares
Em agosto de 2021, o general Braga Netto foi convocado a dar
explicações ao Congresso. Havia ameaçado a cúpula da CPI da Covid, que
investigava o envolvimento de militares em falcatruas na compra de vacinas.
Considerado o braço direito de Jair Bolsonaro, o então ministro da Defesa não
se intimidou. Ao contrário: sentiu-se à vontade para mentir sobre o presente e
o passado do país.
“Não considero que tenha havido uma ditadura”, disse, sobre
o regime instaurado em 1964. “Se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não
estariam aqui”, provocou, dirigindo-se a deputados de esquerda.
Braga Netto gosta de se apresentar como um militar
linha-dura. O fiasco da intervenção na segurança pública do Rio, marcada pelo
assassinato da vereadora Marielle Franco, não interrompeu sua escalada. Ele foi
alçado ao Estado-Maior do Exército, à chefia da Casa Civil e ao Ministério da
Defesa. Depois ganhou a vaga de vice na chapa de Bolsonaro à reeleição.
Às vésperas de deixar o governo, o general enviou aos
quartéis uma mensagem que falsificava a História para exaltar a ditadura.
Enquanto debochava das vítimas da repressão, tramava um novo golpe para manter
a extrema direita no poder em caso de derrota nas urnas.
As investigações da Polícia Federal descrevem Braga Netto
como figura central na conspiração contra a democracia brasileira. Ele
coordenou ataques ao sistema eleitoral e recrutou extremistas para impedir a
posse do presidente eleito. Segundo o tenente-coronel Mauro Cid, o general
ainda entregou dinheiro vivo, numa sacola de vinho, para financiar as ações
criminosas.
Além de insuflar a radicalização da
caserna, Braga Netto apunhalou pelas costas os colegas de farda que se
recusavam a embarcar na aventura autoritária. Em diálogo obtido pela PF, o
general ordenou ataques aos comandantes do Exército e da Aeronáutica. “Vamos
oferecer a cabeça dele aos leões”, disse, sobre o general Freire Gomes.
“Inferniza a vida dele e da família”, incentivou, referindo-se ao brigadeiro
Baptista Júnior.
Ao pedir sua prisão preventiva, a Procuradoria-Geral da
República afirmou ter provas suficientes de que Braga Netto tentou obstruir as
investigações para escapar da polícia. O ministro Alexandre de Moraes o
descreveu como uma figura de “extrema periculosidade”. Agora falta punir o
capitão, que chefiou a trama e ainda sonha em voltar ao poder.
Braga Netto é o primeiro general de quatro estrelas a ser
preso por tentativa de golpe em mais de um século. Sua responsabilização fura a
blindagem que sempre protegeu oficiais de alta patente do alcance da lei. Ao
mesmo tempo, o fato de o general ter chegado tão longe mostra que o país falhou
na transição para a democracia. A ditadura acabou, mas a cultura autoritária
ainda persiste nas academias e na rotina dos quartéis.
Já passou da hora de remover o mofo dos currículos militares
e investir numa formação democrática, que abandone o ideário embolorado da
Guerra Fria. Em vez de ouvir loas a torturadores, os novos cadetes precisam
aprender que o golpismo não compensa.
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