domingo, 15 de dezembro de 2024

PRISÃO DE BRAGA NETTO É HISTÓRICA. AGORA FALTA PUNIR O CHEFE DO GOLPE

Bernardo Mello Franco, O Globo

Fato de general golpista ter chegado tão longe mostra que país falhou na transição da ditadura para a democracia. É hora de reformar os currículos militares

Em agosto de 2021, o general Braga Netto foi convocado a dar explicações ao Congresso. Havia ameaçado a cúpula da CPI da Covid, que investigava o envolvimento de militares em falcatruas na compra de vacinas. Considerado o braço direito de Jair Bolsonaro, o então ministro da Defesa não se intimidou. Ao contrário: sentiu-se à vontade para mentir sobre o presente e o passado do país.

“Não considero que tenha havido uma ditadura”, disse, sobre o regime instaurado em 1964. “Se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não estariam aqui”, provocou, dirigindo-se a deputados de esquerda.

Braga Netto gosta de se apresentar como um militar linha-dura. O fiasco da intervenção na segurança pública do Rio, marcada pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, não interrompeu sua escalada. Ele foi alçado ao Estado-Maior do Exército, à chefia da Casa Civil e ao Ministério da Defesa. Depois ganhou a vaga de vice na chapa de Bolsonaro à reeleição.

Às vésperas de deixar o governo, o general enviou aos quartéis uma mensagem que falsificava a História para exaltar a ditadura. Enquanto debochava das vítimas da repressão, tramava um novo golpe para manter a extrema direita no poder em caso de derrota nas urnas.

As investigações da Polícia Federal descrevem Braga Netto como figura central na conspiração contra a democracia brasileira. Ele coordenou ataques ao sistema eleitoral e recrutou extremistas para impedir a posse do presidente eleito. Segundo o tenente-coronel Mauro Cid, o general ainda entregou dinheiro vivo, numa sacola de vinho, para financiar as ações criminosas.

Além de insuflar a radicalização da caserna, Braga Netto apunhalou pelas costas os colegas de farda que se recusavam a embarcar na aventura autoritária. Em diálogo obtido pela PF, o general ordenou ataques aos comandantes do Exército e da Aeronáutica. “Vamos oferecer a cabeça dele aos leões”, disse, sobre o general Freire Gomes. “Inferniza a vida dele e da família”, incentivou, referindo-se ao brigadeiro Baptista Júnior.

Ao pedir sua prisão preventiva, a Procuradoria-Geral da República afirmou ter provas suficientes de que Braga Netto tentou obstruir as investigações para escapar da polícia. O ministro Alexandre de Moraes o descreveu como uma figura de “extrema periculosidade”. Agora falta punir o capitão, que chefiou a trama e ainda sonha em voltar ao poder.

Braga Netto é o primeiro general de quatro estrelas a ser preso por tentativa de golpe em mais de um século. Sua responsabilização fura a blindagem que sempre protegeu oficiais de alta patente do alcance da lei. Ao mesmo tempo, o fato de o general ter chegado tão longe mostra que o país falhou na transição para a democracia. A ditadura acabou, mas a cultura autoritária ainda persiste nas academias e na rotina dos quartéis.

Já passou da hora de remover o mofo dos currículos militares e investir numa formação democrática, que abandone o ideário embolorado da Guerra Fria. Em vez de ouvir loas a torturadores, os novos cadetes precisam aprender que o golpismo não compensa.

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