Pesquisa Datafolha flagra contraste entre otimismo local
e pessimismo global, um dos muitos vieses cognitivos de nossa espécie
A lógica e o pensamento racional são só um efeito colateral da
miríade de impulsos cognitivos com que a evolução natural
nos dotou. A melhor prova disso está na lista telefônica de vieses e erros
sistemáticos que marcam nossos raciocínios.
Nutrimos um excesso de confiança em relação a nós mesmos e
nossas capacidades (otimismo local) pareado com um irrazoável catastrofismo no
que diz respeito ao mundo exterior (pessimismo global).
O Datafolha, mais uma vez, flagrou essa
predisposição. De acordo com o instituto, 67% dos brasileiros acreditam que a inflação vai aumentar em
2025 e 41% apostam na alta do desemprego. Não obstante, 60% julgam que sua
situação pessoal será melhor em 2025 do que foi em 2024.
Esse pequeno paradoxo tem lógica à luz da evolução. Em
situações nas quais a nossa performance afeta diretamente o resultado, faz
sentido favorecer a autoconfiança, mesmo que exagerada. O atleta que já entra
na competição achando que vai perder perde mesmo. Nas questões sobre as quais
temos pouco ou nenhum controle, é prudente imaginar o pior e tentar fugir dos
perigos.
E isso é só um pedaço da história. Dan Sperber e Hugo
Mercier, cujos trabalhos já comentei aqui, sustentam que a razão não evoluiu para
nos tornar capazes de apurar fatos objetivos e encontrar verdades, mas para nos
fazer vencer debates e ficar bem diante do grupo.
A pergunta que se coloca então é como, com um legado desses,
conseguimos desenvolver a ciência e
as tecnologias que nos trouxeram até aqui. A resposta é complexa e tem a ver
com a evolução cultural cumulativa, uma empreitada necessariamente coletiva,
nunca individual. Newton só foi Newton porque, como ele mesmo dizia, pôde
colocar-se no ombro dos gigantes que o antecederam.
E isso nos leva a uma pergunta ainda mais intrigante: por
que diabos a matemática e a lógica funcionam tão bem na ciência? Para o físico Eugene Wigner, que propôs essa reflexão, não existe
resposta racional. Não há nenhum motivo a priori para que as leis da natureza
sejam capturáveis por ferramentas matemáticas.
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