sábado, 4 de janeiro de 2025

APENAS MOBILIZAÇÃO POPULAR GLOBAL SERÁ CAPAZ DE CONTER RISCO NUCLEAR

Editorial O Globo

Desde a Segunda Guerra, nunca humanidade esteve tão próxima de conflito com armas atômicas

O Ano-Novo começou com os tradicionais votos de paz no mundo todo. Mas, infelizmente, voltou a pairar sobre o planeta o espectro da guerra nuclear. Em novembro, Vladimir Putin sancionou uma nova doutrina nuclear, permitindo o uso de armas atômicas diante da “agressão contra a Federação Russa por Estados não nucleares, com apoio de um Estado nuclear”. Foi mantida uma menção à proteção da “soberania”, critério que pode ser usado ao sabor das conveniências. Ninguém tem dúvida de que é um texto sob medida para justificar eventuais ataques à Ucrânia, apoiada por Estados Unidos e União Europeia na guerra com a Rússia. A nova doutrina aumentou as chances de Putin apertar o botão vermelho.

Embora o conflito russo-ucraniano seja o caso mais crítico, outras regiões também preocupam. Depois da nuclearização de Índia, Paquistão e da totalitária Coreia do Norte, o Irã é o país mais próximo de obter a bomba, apesar dos esforços do Ocidente — sobretudo de Israel e Estados Unidos — para evitar a ameaça de uma teocracia nuclear em pleno Oriente Médio. O arsenal chinês cresceu de 200 para 600 ogivas desde 2020 e poderá chegar a mil até 2030, de acordo com relatório do Pentágono. Em sua mensagem de Ano-Novo, Xi Jinping afirmou que a reunificação da China com Taiwan — estopim provável para um conflito bélico com o Ocidente — é “inevitável”. Países como Japão e Coreia do Sul, antes confiantes no poder dissuasório de seus aliados, passaram a falar em obter a bomba.

“Todas essas situações aumentam a probabilidade de que armas nucleares possam ser usadas”, disse ao GLOBO o físico Steve Fetter, da Universidade de Maryland, integrante do Boletim de Cientistas Atômicos, responsável pelo Relógio do Juízo Final, iniciativa que avalia quão perto do apocalipse nuclear está o planeta. Na última edição, faltavam 90 segundos até a “meia-noite” fatal, menor intervalo já registrado desde a criação do relógio, em 1947 (em 1991, faltavam 17 minutos).

Entre as potências nucleares, a situação não é nada tranquilizadora. Reportagem do GLOBO estima haver 12.100 ogivas nucleares no planeta, 90% em poder de russos e americanos. É menos de um quinto do que havia no auge da Guerra Fria, mas só as 4 mil prontas para uso imediato já seriam suficientes para destruir a Terra várias vezes. O último acordo nuclear entre Estados Unidos e Rússia expirará em fevereiro de 2026 e, pela primeira vez desde 1974, os dois países nem sequer conseguem conversar sobre o assunto.

Mesmo armas nucleares “táticas” têm hoje capacidade de destruição muitas vezes maior que as bombas que aniquilaram Hiroshima e Nagasaki, as únicas já usadas em guerras na História. Não basta um esforço diplomático global para conter o risco. Continua fundamental a vigilância do ecossistema de controle nuclear, além da mobilização das incontáveis entidades e organizações da sociedade civil que tratam do assunto. Mais que isso, é essencial a pressão popular em escala mundial para que o pior não aconteça. O tema precisa voltar a ganhar as ruas.

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