Desde a Segunda Guerra, nunca humanidade esteve tão
próxima de conflito com armas atômicas
O Ano-Novo começou com os tradicionais votos de paz no mundo
todo. Mas, infelizmente, voltou a pairar sobre o planeta o espectro da guerra
nuclear. Em novembro, Vladimir
Putin sancionou uma nova doutrina nuclear, permitindo o uso de armas
atômicas diante da “agressão contra a Federação Russa por Estados não
nucleares, com apoio de um Estado nuclear”. Foi mantida uma menção à proteção
da “soberania”, critério que pode ser usado ao sabor das conveniências. Ninguém
tem dúvida de que é um texto sob medida para justificar eventuais ataques à
Ucrânia, apoiada por Estados Unidos e União Europeia na guerra com a Rússia. A
nova doutrina aumentou as chances de Putin apertar o botão vermelho.
Embora o conflito russo-ucraniano seja o caso mais crítico,
outras regiões também preocupam. Depois da nuclearização de Índia, Paquistão e
da totalitária Coreia do Norte, o Irã é o país mais próximo de obter a bomba,
apesar dos esforços do Ocidente — sobretudo de Israel e Estados Unidos — para
evitar a ameaça de uma teocracia nuclear em pleno Oriente Médio. O arsenal
chinês cresceu de 200 para 600 ogivas desde 2020 e poderá chegar a mil até
2030, de acordo com relatório do Pentágono. Em sua mensagem de Ano-Novo, Xi
Jinping afirmou que a reunificação da China com Taiwan — estopim provável para
um conflito bélico com o Ocidente — é “inevitável”. Países como Japão e Coreia
do Sul, antes confiantes no poder dissuasório de seus aliados, passaram a falar
em obter a bomba.
“Todas
essas situações aumentam a probabilidade de que armas nucleares possam ser
usadas”, disse ao GLOBO o físico Steve Fetter, da Universidade de Maryland, integrante
do Boletim de Cientistas Atômicos, responsável pelo Relógio do Juízo Final,
iniciativa que avalia quão perto do apocalipse nuclear está o planeta. Na
última edição, faltavam 90 segundos até a “meia-noite” fatal, menor intervalo
já registrado desde a criação do relógio, em 1947 (em 1991, faltavam 17
minutos).
Entre as potências nucleares, a situação não é nada
tranquilizadora. Reportagem do GLOBO estima haver 12.100 ogivas nucleares no
planeta, 90% em poder de russos e americanos. É menos de um quinto do que havia
no auge da Guerra Fria, mas só as 4 mil prontas para uso imediato já seriam
suficientes para destruir a Terra várias vezes. O último acordo nuclear entre
Estados Unidos e Rússia expirará em fevereiro de 2026 e, pela primeira vez
desde 1974, os dois países nem sequer conseguem conversar sobre o assunto.
Mesmo armas nucleares “táticas” têm hoje capacidade de
destruição muitas vezes maior que as bombas que aniquilaram Hiroshima e
Nagasaki, as únicas já usadas em guerras na História. Não basta um esforço
diplomático global para conter o risco. Continua fundamental a vigilância do
ecossistema de controle nuclear, além da mobilização das incontáveis entidades
e organizações da sociedade civil que tratam do assunto. Mais que isso, é
essencial a pressão popular em escala mundial para que o pior não aconteça. O
tema precisa voltar a ganhar as ruas.
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