sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

DESAFIO FISCAL DAS PREFEITURAS SERÁ MAIOR QUE O PREVISTO

Editorial O Globo

Gastos das capitais cresceram como proporção das receitas — e logo será inviável fechar as contas

No mandato iniciado em 2020, os prefeitos das 26 capitais tiveram uma oportunidade ímpar de melhorar a saúde fiscal de seus municípios. Com a pandemia, o caixa foi reforçado por transferências extraordinárias da União, e foram impostas restrições a gastos com pessoal. Passada a emergência, a recuperação do setor de serviços — principal fonte de arrecadação municipal — superou as expectativas. Só entre janeiro e outubro de 2024, a arrecadação cresceu 7,2% descontada a inflação, na comparação com o período no ano anterior, segundo dados da Aequus Consultoria. O fôlego maior era um momento propício para melhorar a gestão financeira e evitar instabilidade no futuro. Infelizmente não foi o que aconteceu. Houve uma profusão de gastos eleitoreiros. Agora, os prefeitos que assumem seus mandatos nesta semana — 16 deles reeleitos — terão pela frente um desafio fiscal bem mais complicado que o sugerido nas promessas de campanha.

Desde 2023, a despesa municipal tem crescido em ritmo mais alto que as receitas. Nos primeiros dez meses do ano passado, ela aumentou 12,5%. Nesse período, o comprometimento da receita com gastos correntes e amortização de dívidas alcançou 89,1%, 4,1 pontos percentuais acima de 2023 e 6,9 pontos percentuais acima de 2020, pelas contas da Aequus. A previsão é que esse total tenha chegado a 96% até o fim de 2024, engessando o caixa dos municípios e desenhando um quadro não muito diferente do que amarra o governo federal.

É verdade que parte do dinheiro foi destinada a investimentos. Nos primeiros dez meses do ano passado, eles chegaram a R$ 22,3 bilhões, bem acima dos R$ 9,4 bilhões registrados no mesmo período de 2020. Mas tudo indica que o fôlego será curto. Isso porque, entre 2021 e 2024, os prefeitos aumentaram os gastos obrigatórios com reajustes salariais e inchaço da máquina pública. A piora nas contas é estrutural e duradoura.

A incúria fiscal nas capitais garantiu a reeleição da maioria. Mas a conta um dia chega. A deterioração na situação fiscal, aliada à provável desaceleração da economia, deverá forçar os prefeitos a adotar comportamento mais responsável. Em escala menor, as capitais repetem a situação do Brasil como um todo. O governo federal também pisou no acelerador quando o mais prudente era moderar os gastos. A economia cresceu mais que o previsto, mas ninguém em sã consciência acredita que o salto seja sustentável. As repetidas juras de fidelidade à boa governança das contas públicas teimam em ser desmentidas pelos fatos.

Apesar das diferenças, as capitais reúnem nas suas regiões as principais instituições de ensino, centros médicos e profissionais. Juntas, são residência de um entre cinco brasileiros. Mais dinâmicas, também enfrentam problemas em doses maiores, da mobilidade urbana ao saneamento. Quando a perspectiva dos orçamentos municipais é negativa, duas consequências são previsíveis. A primeira é a queda na qualidade dos serviços públicos, que decerto afetará os planos eleitorais futuros de boa parte dos prefeitos — em particular aqueles que pretendem se lançar aos governos estaduais. A segunda é a romaria a Brasília, de pires na mão, com o invariável pedido de ajuda à União quando as contas não fecharem. Com o próprio governo federal em apuros, não poderia haver pior momento.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário