A ideia de Donald Trump é atordoar até obter submissão,
nem que seja por cansaço
Estão equivocados os analistas que, à falta de ferramenta
mais adequada para explicar o método de poder performático usado por Donald
Trump, recorrem à conhecida “teoria do louco”. Ela foi adotada por Richard
Nixon em meados do século passado, quando os Estados Unidos já
não conseguiam mais extricar-se do atoleiro militar no Vietnã. Nixon fora
eleito presidente em 1968 e queria fazer chegar aos ouvidos dos comunistas de
Hanoi e apoiadores no Kremlin que sua paciência tinha limites. Segundo o livro
de memórias de H.R. Haldeman, então chefe da Casa Civil, Nixon usou agentes e
diplomatas para disseminar a ideia de ser irascível, homem de rompantes
irracionais. Segundo o relato do próprio Haldeman, ele lhe disse:
— Quero que os norte-vietnamitas pensem que farei qualquer
coisa para acabar com a guerra, que tenho obsessão por comunistas, que ninguém
pode me conter e que tenho uma mão no botão nuclear.
Como se soube depois, os norte-vietnamitas realmente
consideravam Nixon o líder capitalista mais perigoso do mundo, mas nem por isso
aceitaram uma paz qualquer. Combateram até a vitória final.
Diferentemente de Trump, Nixon conhecia e
respeitava a Constituição de seu país — por isso tentou esconder seus muitos
malfeitos até ser obrigado a renunciar ao mandato. Como a maioria dos políticos
americanos da época, Nixon também conhecia História e temia ser por ela
condenado. Seus operadores agiam nas sombras.
O estilo Trump é outro: arrostar bem alto e de público. Se
preciso, atropelando normas consolidadas ou algum artigo da mais antiga e
codificada Constituição do mundo. Se preciso for, ele também recua meia quadra
e dá dois saltos erráticos no dia seguinte. A ideia é atordoar até obter
submissão, nem que seja por cansaço.
A Presidência dos Estados Unidos é um cargo de poder imenso,
porém limitado.
— Trump nunca quis ser presidente, pelo menos não nos termos
definidos no Artigo II da Constituição americana. Sempre quis ser rei —
argumenta em podcast o jornalista Ezra Klein, do New York Times.
E alerta:
— Ele atua como rei porque é fraco demais para governar como
presidente. Pretende substituir a realidade pela percepção e espera que a
percepção se converta em realidade. Isso só pode acontecer se passarmos a
acreditar.
Não faltam executores para esse reinado que prioriza
propriedade sobre povo. Na semana passada, a confirmação pelo Senado de Russell
Vought como chefe do Escritório de Planejamento e Orçamento (OMB) veio reforçar
o elenco. Embora o OMB não seja percebido como decisivo nem cobiçado, é tudo
isso e muito mais — quase um centro nervoso para a Presidência. Seu novo
diretor é um dos arquitetos do famoso “Projeto 2025”, cartilha
ultraconservadora elaborada durante a campanha de Trump para a expansão do
poder presidencial e a remodelagem das instituições federais. Vought define o
OMB como uma espécie de “sistema de controle aéreo da Presidência”. Deverá
atuar com poder suficiente para se impor às burocraciais existentes.
Também é de Vought, umbilicalmente ligado à Heritage
Foundation, a convicção de ser preciso promover o “nacionalismo cristão” nos
Estados Unidos. A separação de Estado e Igreja, argumenta ele, não deveria
separar o cristianismo de sua influência no governo e na sociedade americana.
Escancarada está, assim, uma vasta e perigosa porteira.
O que é um país? indaga o historiador Timothy Snyder,
intérprete essencial para estes tempos obscuros. Em 2017, pouco depois da
primeira eleição de Trump, ele publicou às pressas um livrinho de 125 páginas
que cabia em qualquer bolso — “Sobre a tirania: vinte lições do século XX para
o presente”. Virou best-seller. No ano passado, pouco antes de o mesmo Trump
reeleger-se, publicou uma extensa meditação sobre o significado da liberdade
(“On Freedom”, ainda sem tradução) para o ser humano.
“Um país”, responde o próprio Snyder em sua página digital,
“é a forma pela qual o povo se governa. E os Estados Unidos existem como país
porque o povo elege quem faz e executa as leis”. Ele anda alarmado com a lógica
da destruição já impressa por Washington desde o 20 de janeiro. “Os oligarcas
não têm plano de governo. Tomarão o que podem e inutilizarão o resto. Não
querem controlar a ordem existente. É da desordem que seu poder relativo se
alimenta.” Não estão preocupados com o fato de os Estados Unidos terem
expectativa de vida mais baixa entre os países desenvolvidos, o mais alto
índice de assassinatos, a maior mortandade por overdose, a maior disparidade de
renda num universo ampliado na pesquisa da Universidade Tulane — abaixo apenas
de El
Salvador, República
Dominicana e Lituânia.
O que é um país? A forma pela qual o povo se governa. Às
vezes, eleições bastam para colocar o país em marcha. Outras, é preciso
repensar o próprio significado de povo, de sociedade. “E isso significa falar,
agir, combater”, escreve Snyder. Por ora, os sinais vitais dessa resistência
ainda não se recuperaram do choque. Talvez a capa da revista Time com Elon Musk em
pose presidencial acorde os interessados.


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