domingo, 9 de fevereiro de 2025

INDIGNADOS

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Livro de psicólogo que estuda polarização sustenta que nosso instinto moral está baseado apenas na ideia de proteção

"Outraged" (indignados), de Kurt Gray, é um livro adequado a nossos tempos. O autor se propõe a investigar as razões que nos levam a dividir-nos em relação a questões morais e políticas. Basicamente, ele estuda a polarização.

A tese central de Gray é que o homem foi, ao longo de sua história evolutiva, muito mais presa do que predador. Isso deixou marcas em nosso psiquismo. A mais notável delas seria um instinto moral baseado na ideia de proteção. Todos os nossos juízos morais seriam uma tentativa de proteger a nós mesmos, nossa família, terceiros ou até valores que visam a manter a coesão social.

O que separa defensores e opositores do aborto não seria uma paleta moral totalmente diversa, mas uma diferença sobre quem é a vítima real da loteria cósmica, a mulher ou o feto.

O alvo principal de Gray é o psicólogo Jonathan Haidt, proponente da teoria dos fundamentos morais. Segundo Haidt, nosso instinto moral é composto por cinco ingredientes. A ideia de proteção é só um deles.

O livro me trouxe um insight valioso. Gray é enfático ao afirmar que, dada nossa história evolutiva, estamos condenados a sempre procurar sinais de perigo. Essa tendência, quando opera num mundo cada vez mais seguro e menos intolerante, faz com que nos preocupemos (e nos dividamos) por questões cada vez menos relevantes.

Isso vale tanto para o mundo físico como para o moral. Crianças da minha geração viajavam no chiqueirinho das Variants e jamais cogitariam de usar capacete para andar de skate ou de bicicleta. Um pai que permitir isso hoje pode ser preso.

De modo análogo, enfrentar o racismo algumas décadas atrás era opor-se a leis que negavam igualdade jurídica a todos os cidadãos; hoje discutimos quais palavras causam desconforto psíquico a quais grupos.

O assustador é pensar que, quanto mais avançarmos, mais obcecados por minudências nos tornaremos. Essa, contudo, é a minha visão. Gray é otimista. Ele acha que há formas de superar os piores aspectos de nossas divisões morais.

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