Com a decisão de explorar petróleo até a última gota, o
país abdica de ser um líder da nova economia descarbonizada
O Brasil aderiu à Carta de Cooperação entre Países
Produtores de Petróleo (CoC), um fórum de discussão ligado à Organização dos
Países Produtores de Petróleo (Opep). A decisão sinaliza uma mudança de rumo na
política ambiental do governo, às vésperas da Conferência das Nações Unidas
para o Clima (COP30), em Belém (PA), ao lado da controversa decisão do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva de explorar o petróleo na região da Margem
Equatorial, na bacia da Foz do Amazonas.
Com as bênçãos de Lula, a decisão foi tomada nesta
terça-feira pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e anunciada
pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, enquanto a ministra do
Meio Ambiente (Rede), Marina Silva, muito pressionada por seu próprio partido e
pelas organizações e lideranças ambientalistas, ainda permanece numa espécie de
“silêncio obsequioso”.
Silveira minimizou as críticas de
ambientalistas sobre a entrada do país no grupo. “É apenas uma carta e fórum de
discussão de estratégias dos países produtores de petróleo. Não devemos nos
envergonhar de sermos produtores de petróleo”, argumenta. O governo também
anunciou a intenção de aderir à Agência Internacional de Energia (EIA, em
inglês) e à Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, em inglês).
A entrada na Opep sinaliza um projeto de desenvolvimento
assentado na economia do carbono pelo espaço de mais ou menos uma geração, com
eixo da Região Norte do país, para onde se deslocou a Vale, já faz tempo, outra
empresa de grande porte e atividade altamente agressiva ao meio ambiente: a
mineração. Indústrias primárias e altamente poluentes sempre foram atrativas
para estados carentes de investimento. Para políticos, empresários e a
população de baixa renda da Amazônia, essas atividades são uma alternativa ao
avanço do cultivo e do tráfico de drogas pelo crime organizado.
Entretanto, pode haver um erro de estratégia da Petrobras ao
dobrar a aposta na exploração de petróleo no Amapá e retardar sua transição
para uma empresa de tecnologia de energia limpa e produção de combustíveis
verdes. Hoje, temos reservas de cerca de 16 bilhões de barris de petróleo no
pré-sal; a estimativa da exploração da Margem Equatorial da Foz da Amazônia é
de 14 bilhões de barris. Isso equivale às reservas do Cazaquistão. O que pode
acontecer nos próximos 25 anos, em termos de transição energética?
Carro elétrico
Criada em 1960, a Opep reúne 13 grandes produtores de
petróleo: Arábia Saudita, Irã, Kuwait, Venezuela, Iraque, Argélia, Equador,
Gabão, Indonésia, Líbia, Nigéria, Catar e Emirados Árabes Unidos, um cartel que
jogou o preço do petróleo para cima e pode baixá-lo quando houver redução do
consumo de combustíveis fósseis, inviabilizando a exploração para quem tem
custos de produção mais elevados. Os países árabes têm uma estratégia de
transição para a nova economia, da qual Dubai é o principal “case”, com horizonte
de 50 anos.
O Brasil foi convidado, em 2023, para a Opep . Criado em
2016, esse grupo reúne países produtores e exportadores de petróleo que não
fazem parte oficialmente do cartel, mas colaboram em políticas internacionais
de petróleo. São mais de 20 nações, entre as quais Azerbaijão, Bahrein,
Malásia, México e Rússia. Com produção de 3,672 milhões de barris de petróleo
por dia, o Brasil hoje é o nono maior produtor de petróleo do mundo e o
primeiro da América Latina. Mas isso não elimina o risco de ficar com um mico na
mão.
Onde mora o perigo? No carro elétrico. Sua popularização
seria a chave para manter o crescimento, liderado pelo mercado interno e pela
economia dos serviços, e sem os inconvenientes da gasolina. A China aposta
fortemente nessa opção, e o Brasil tem a possibilidade de adoção de modelos
híbridos, com o etanol. Um ciclo de exploração de petróleo em águas profundas
leva de 15 a 20 anos para recuperar o investimento. A Petrobras corre o risco
de perder o bonde para o carro elétrico, sobretudo quando os chineses inundarem
o mercado mundial, e o consumo de petróleo se reduzir.
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