Pedido de comandantes ao presidente para que o ministro
da Defesa permanecesse pode reforçar a pauta das reformas
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, receberá o
almirante Alvin Holsey, primeiro negro a assumir o Comando Sul dos Estados
Unidos, unidade militar que lida com a América do Sul.
É o primeiro contato entre autoridades da Defesa dos dois
países. Holsey foi nomeado e empossado na função nos últimos dias de Joe Biden
no poder. Tanto sua antecessora, Laura Richardson, quanto o ex-secretário de
Defesa, Lloyd Austin, se manifestaram publicamente, em visitas ao continente,
sobre a defesa da democracia contra “ameaças autoritárias” internas e externas.
O substituto de Austin, o senador e
ex-comentarista da Fox News, Pete Hegseth, teve sua indicação aprovada pelo
Senado numa votação apertada de 51x50, com o voto de minerva do vice-presidente
JD Vance, contra o voto de três republicanos, entre os quais do ex-líder do
partido, Mitch McConnel, numa sessão em que foi confrontado com acusações de
assédio sexual, alcoolismo e desconhecimento das Forças Armadas.
Não se espere, portanto, um comportamento em consonância com
o Pentágono do novo secretário de Defesa americano. Ele foi escolhido por ser
dissonante. Já o almirante Alvin Holsey tomou posse do Comando Sul dizendo que
as “parcerias” são a melhor forma de dissuasão para a segurança e a economia.
É nessa toada institucional, voando baixo para escapar do
radar das hostilidades de Donald Trump, que o Brasil espera manter a relação na
área de Defesa. Se há, no governo, quem pretenda ir para o embate, não conte
com o ministro José Múcio. Pela reação frente à ameaça tarifária, tampouco com
a Fazenda ou o Itamaraty. O primeiro por temer o impacto inflacionário de uma
guerra tarifária e o segundo, por acreditar numa negociação, a exemplo do que
aconteceu no primeiro mandato do republicano.
É no front doméstico que parecem estar as maiores batalhas
da Defesa. A principal é a reforma da previdência dos militares, incluída nas
25 (só isso?) prioridades da Fazenda para a pauta legislativa. Até dezembro do
ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrava-se disposto a
aceitar a regra de transição de 17 anos para a aposentadoria aos 55 anos
proposta pelas Forças Armadas.
Com a exibição de um vídeo, na Praça dos Três Poderes, no
dia do Marinheiro, ficou configurada a deslealdade. A peça, de contestação aos
privilégios militares, incluiu um recruta igualzinho ao ministro Fernando
Haddad rastejando na lama. Na véspera, os três comandantes haviam almoçado com
o presidente e o ministro da Defesa. Lula quis demitir o almirante Marcos Olsen
e foi convencido por Múcio de que seria trocar seis por meia dúzia. Voltou
atrás, porém, na previdência e mandou seguir com a versão do PL da Fazenda que
prevê transição de sete anos.
A decisão inquietou a caserna, a pressão sobre Múcio
aumentou e, em seguida, vazou para a imprensa a informação de que o ministro
havia pedido sua demissão pelo desgaste que a função lhe causava. Foi um
alvoroço. Dois ministros do Supremo Tribunal Federal foram acionados pelos
comandantes para fazer chegar a Lula sua inconformidade com a saída de Múcio.
Foi assim que o ministro decidiu ficar, agora mais fortalecido para enfrentar a
farda e, principalmente, os pijamas na reforma da previdência militar.
A inconformidade resiliente, inclusive de ex-comandantes da
Marinha que inundam o celular do ministro, já o levaram a dizer a
interlocutores que pegou leve no episódio, resolvido com um pedido de desculpas
de Olsen a Lula e nenhuma sanção interna.
Se, na caserna, a reforma da previdência é a principal
frente de batalha, no governo o embate se dá em torno da proposta de emenda
constitucional que manda para a reserva os militares que queiram disputar
eleições. Depois de quase mofar na Casa Civil, foi enviada ao Senado sob a
relatoria de Jorge Kajuru (PSB-GO), senador folclórico cuja escolha revela a
desimportância dada pelo governo ao tema.
Policiais militares temem a inserção de uma emenda que
estenda para eles a vedação e, além do Congresso, pressionam ex-governadores da
Esplanada. A PM baiana entra nessa, apesar de ter, na sua folha de serviços, a
morte de um Adriano da Nóbrega, ex-capitão do Bope e matador de aluguel,
cercado e sozinho no interior do Estado. A chancela da Casa Civil não se mantém
travada apenas para a Defesa. Também tem sido assim com a PEC da segurança
pública, advogada pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
O golpismo insepulto pela demora da denúncia do Ministério
Público Federal tampouco favorece a pauta militar. Múcio tem defendido o
processo judicial para que não pairem suspeitas de que as Forças Armadas
estiveram envolvidas. A sensibilidade do tema é tamanha que o Alto Comando do
Exército já decidiu não dar a quarta estrela ao general Gustavo Henrique Dutra,
que não está entre os investigados mas tinha sob suas ordens o Comando Militar
do Planalto.
O sucesso de “Ainda estou aqui”, quinta maior bilheteria
nacional, tampouco favorece a pauta, até porque já houve um pedido de desculpas
de um comandante-em-chefe (Fernando Henrique Cardoso), mas não do comando
militar. A plateia de mais de 4,1 milhões de brasileiros conta com dois
comandantes mas ainda não arrebanhou o ministro da Defesa. O embate entre as
pressões militares e a necessidade de reformas pode ser desempatado em
Hollywood.


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